Acórdão nº 02037/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelROSENDO JOSÉ
Data da Resolução06 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA: I - Relatório.

A...

Com sede em Tondela, interpôs no TAC de Coimbra recurso contencioso de anulação do despacho emitido no uso de competência delegada pelo PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE INTERVENÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA (INGA) que ordenou o reembolso de importâncias recebidas como "restituições à exportação".

O TAC de Coimbra negou provimento ao recurso por sentença de 15 de Maio de 2002.

Em recurso jurisdicional este STA, por Acórdão de 10 de Julho de 2002, revogou aquela sentença e concedeu provimento ao recurso contencioso.

Inconformada a entidade recorrida recorre agora para o Pleno com fundamento em que o Acórdão proferido nestes autos contém solução oposta à do Acórdão deste STA de 16.10.2001, no Proc. 47498, relativamente à mesma questão de direito.

O recurso foi admitido, considerado em condições de prosseguir e por fim alegado quanto à questão de fundo, tendo a entidade contenciosamente recorrida e agora recorrente formulado as conclusões seguintes: - Os actos que concedem ajudas comunitárias ao abrigo do FEOGA- Garantia são actos praticados sob condição resolutiva.

- Os actos que, verificada a existência de irregularidades em controlo "a posteriori", determinem a reposição de ajudas indevidamente recebidas, não são actos revogatórios, mas declarações de verificação da condição resolutiva, que implicam a caducidade do acto administrativo.

- Configurando-se o acto de concessão de ajudas como um acto constitutivo de direitos a sua revogabilidade está sujeita a um regime próprio.

- A aplicabilidade do prazo previsto no artigo 141.º do CPA à revogação dos actos constitutivos de direitos tornaria impossível a recuperação das ajudas atribuídas.

- A interpretação sufragada no Acórdão recorrido viola os princípios estabelecidos nos artigos 2.º e 4.º do Regulamento CEE 2988/95, bem como o artigo 8.º n.º 1 do Regulamento CEE 729/70 e o espírito que preside a estes diplomas de protecção dos interesses financeiros da Comunidade.

- Esses diplomas são de aplicação e vigoram na ordem interna nacional por força do art.º 8.º da Const. e do Tratado da União Europeia.

- Resulta assim inaplicável o art.º 141.º do CPA aos actos revogatórios de actos de concessão de ajudas do Feoga-Garantia e que determinem a sua restituição.

- A não aplicação dos Regulamentos referido constitui inconstitucionalidade por violação do art.º 8.º da Const.

A... contra alegou em defesa da manutenção do decidido desenvolvendo a tese de que é necessário manter a segurança nas relações jurídicas pela aplicação do prazo de revogação do artigo 141.º do CPA.

II - Da existência da Oposição.

Tendo em vista retomar a apreciação da existência de oposição entre as duas decisões, como é permitido pelo n.º 3 do artigo 766.º do CPC na redacção anterior ao DL 329-A/95 de 12.12, cumpre dizer que o Acórdão fundamento apreciou recurso da sentença do TAC na qual tinha sido anulada, com o fundamento de ter sido proferida muito para além do prazo de revogação do artigo 141.º do CPA, a deliberação do Conselho Directivo do INGA que impunha a uma Cooperativa a devolução da quantia recebida como ajuda à produção e comercialização de azeite na campanha 91/92.

Aquele Acórdão considerou que as ajudas concedidas eram reguladas pelo Regulamento CEE 4045/89, do Conselho, de 21.12.89, e decidiu com os mesmos fundamentos usados na decisão tomada por este STA no Acórdão de 20.02.2001, P. 46162.

Sobre o regime jurídico decorrente do aludido Regulamento diz, por remissão, o Ac. fundamento: "… o mesmo [Regulamento] dispõe que "se aplica ao controlo da realidade e da regularidade das operações que façam directa ou indirectamente parte do sistema de financiamento pelo FEOGA, secção Garantia, com base nos documentos dos beneficiários ou devedores (art. 1.º n.º 1), dispondo o n.º 4 do artigo 2.º que o período de tal controlo decorre entre 1 de Julho e 30 de Junho do ano seguinte e que o controlo incidirá, pelo menos sobre o ano de calendário anterior ao período do controlo, podendo abranger um período a determinar pelo Estado-Membro anterior a esse ano de calendário, bem como o período compreendido entre 1 de Janeiro do ano em que o período teve início e a data do controlo efectivo de uma empresa.

Por sua vez o artigo 4.º do respectivo Regulamento dispõe que os documentos comerciais (referidos no n.º 2 do artigo 1.º e no art. 3.º) serão conservados pelas empresas durante pelo menos três anos contados da sua emissão.

E o artigo 5.º n.º 1 estabelece por sua vez que os responsáveis pelas empresas devem assegurar que todos os documentos comerciais e as informações complementares sejam fornecidos aos agentes encarregados do controlo e às pessoas habilitadas para o efeito … Resulta do regime jurídico acabado de sintetizar nos seus traços essenciais que através do mesmo se pretendeu instituir um regime de controlo a posteriori quanto à realidade e regularidade das operações que façam parte do sistema de financiamento do FEOGA, secção Garantia …….

Visando tal controlo apurar a realidade e a regularidade das operações tituladas por semelhante documentação comercial, parece claro que, se em consequência de tal controlo se verificar que certa documentação não é conforme à operação a que a mesma se refere, no todo ou em parte, haverá que disso retirar as necessárias consequências, no que diz respeito a qualquer eventual recuperação de ajuda ou subsídio que na base formal daquela mesma documentação tenha sido concedida por esse Estado-Membro.

É isto aliás o que resulta do art. 3.º do Regulamento CEE n.º 729/70, do Conselho, de 21.04.70, o qual no âmbito do FEOGA (art. 1.º) determina que os Estados-membros, tomarão, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais as medidas para, além do mais, se assegurar da validade e da regularidade das operações financiadas pelo Fundo, e para recuperar as importâncias perdidas após as irregularidades ou negligências.

… Um sistema de controlo como o que se pretendeu instituir ficaria sem sentido se o Estado Membro, uma vez verificada a inexactidão de documentação comercial de uma empresa, com base na qual a mesma acedeu a um financiamento do aludido Fundo, não pudesse obrigar esta a restituir o que sem base legal veio a receber.

Obrigação esta que resulta ela própria da lógica desse sistema de controlo, que para ser eficaz deverá poder reconduzir as operações de acordo com a realidade.

Significa isto que o regime de revisão dos actos administrativos quando inválidos, previsto no artigo 141.º do CPA resulta inaplicável quando estamos na presença do controlo exercido por um Estado Membro, através de um seu órgão administrativo competente na matéria sobre a exactidão dos documentos comerciais … no domínio das ajudas em matéria de destilação de vinho referente à campanha 91/92 nos termos do Regulamento CEE n.º 2384/91, e sobre a decisão daquele mesmo órgão … Resta dizer que semelhante controlo, que decorre entre 1 de Julho e 30 de Junho do ano seguinte … pode abranger um período a determinar pelo Estado Membro anterior a esse ano de calendário … E abrange os documentos comerciais emitidos há três anos … ou até há cinco anos, conforme o Regulamento CEE 2238/93 da Comissão de 26/7/93 (artigos 11.º e 19.º n.º 1) aplicável no âmbito dos registos a manter no sector vitivinícola".

O Acórdão recorrido, por seu lado, apreciou a sentença do TAC que negara provimento ao recurso contencioso, além do mais com o fundamento de o direito comunitário ter a primazia sobre o direito nacional, não podendo ficar as respectivas normas desprovidas de eficácia pela existência de normas nacionais dispondo diversamente.

Diz o Acórdão recorrido, a certo ponto : " ... não estão em causa irregularidades reportadas à aplicação dos subsídios, detectadas "a posteriori" em acção de controlo sobre tal aplicação, mas sim irregularidades reportadas às próprias condições ou pressupostos da atribuição do subsídio … que afectaram de invalidade substancial os actos de certificação e concessão da ajuda." Mas, a matéria de facto dada como provada refere que a recorrente contenciosa recebeu um subsídio por exportação de vinho a granel para Angola nas campanhas de 1995/96, 1996/97 e 1997/98, benefício comunitário denominado "restituições à exportação" e que em 19.7.99 foi iniciada uma acção de inspecção que concluiu por propor:

  1. A reposição do valor considerado como indevidamente recebido …. …………. de 2120 904581$00.

  2. ….

  3. A aplicação da penalização prevista na al. b) do art.º 11.º do Reg. CEE 3665/87, da Comissão, de 27 de Novembro, por existirem indícios suficientes de que essa empresa, a par de ter solicitado e beneficiado de facto, de uma restituição superior à aplicável, forneceu deliberadamente informações falsas no que concerne ao processo de atribuição das restituições à exportação …" Neste contexto de facto o Acórdão recorrido considerou que tinha havido uma revogação efectiva da concessão das ajudas para além do prazo de um ano referido no artigo 141.º do CPA.

E por isso afirma mais adiante sobre esta revogação: " … os poderes de controlo e os respectivo limites temporais estabelecidos para o seu exercício não contendem com os prazos previstos na legislação nacional de cada Estado Membro para a revogação dos actos administrativos." Ora, o Acórdão fundamento também entendeu existir uma revogação do acto de concessão das ajudas; mas considerou que essa revogação mesmo que regulada, em princípio, pela legislação nacional não podia em caso algum desinteressar-se das normas comunitárias aplicáveis e da sua eficácia e atender a essas exigências pode interferir com o prazo de revogação estabelecido no artigo 141.º do CPA se ele for incompatível com as normas que defendem os interesses financeiros da Comunidade ao ponto de tornar praticamente impossível a prossecução dos...

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