Acórdão nº 047093 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2005
Magistrado Responsável | SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório Na 3ª Subsecção deste Supremo Tribunal Administrativo foi julgado parcialmente procedente o recurso contencioso de anulação do Despacho Conjunto dos Exmos. Senhores MINISTRO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS e SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO E DAS FINANÇAS, que fixou a indemnização a que os recorrentes (A... e outros) tinham direito no âmbito das leis da "Reforma agrária" (processo de indemnização definitiva n.º 62.186 - 10.069 /Reforma Agrária).
O referido Acórdão decidiu (i) anular o acto contenciosamente impugnado "por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, quanto ao cálculo de indemnização dos prédios arrendados, tendo interpretado erradamente o disposto nos arts 14º nº 4 do DL 199/88, na redacção do DL 38/95 de 14 de Fevereiro e no ponto 2.4 da Portaria 197-A/95", considerando, contudo, que não se verificavam os vícios arguidos relativos (ii) ao cálculo de indemnização, no que respeita à "extensão da área a indemnizar como cultura de regadio"; (iii) à "qualificação do contrato como contrato de arrendamento rural"; e (iv) "ao critério e necessidade de actualização do valor das indemnizações relativas aos rendimentos de produtos florestais ".
Deste Acórdão recorreram para o Pleno da Secção, recorrentes e recorridos do recurso contencioso.
Os recorrentes (no recurso contencioso) insurgem-se contra o Acórdão da Subsecção, na parte em que foi negado provimento às suas pretensões, isto é, quanto à legalidade do cálculo da indemnização com base em cultura arvense de sequeiro ou cultura arvense de regadio; quanto à qualificação do contrato de "arrendamento rural" e quanto ao cálculo da indemnização relativa a produtos florestais e também quanto ao critério acolhido quanto ao cálculo das rendas.
Terminaram as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 302 e seguintes e 413 e seguintes): I) QUANTO AO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DOS PRÉDIOS COMO SEQUEIRO OU COMO REGADIO.
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O douto Acórdão recorrido (pag. 22, 2.2.1) limita-se a ajuizar que "a matéria em questão vem regulada... em termos tão claros que não consentem grandes divergências interpretativas"; e, citando um outro douto Acórdão, a sublinhar que "para efeitos de determinação do critério base do "quantum" indemnizatório deve relevar a situação jurídica dos prédios existente no momento da ocupação, expropriação ou nacionalização, "o que bem se compreende dado que é no momento do desapossamento que se dá a privação do uso e fruição do prédio e a consequente perda dos respectivos rendimentos".
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Quanto à interpretação do art. 5º do Dec.Lei 199/88 (na redacção introduzida pelo Dec. Lei 38/95), até a própria Administração teve de se afastar da interpretação meramente literal, como adiante se verá.
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Quanto ao segundo argumento, é verdade que "é no momento do desapossamento que se dá a privação..." mas não é nesse momento que se dá "a perda dos respectivos rendimentos".
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Antes pelo contrário, nesse momento apenas se inicia a perda de rendimentos, perda essa que se estenderá ao longo dos anos, como também adiante se verá.
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O artigo 5º do Decreto-Lei 199/88, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 38/95 estipula, no seu nº 1, que "a indemnização pela privação temporária do uso e fruição... corresponderá ao valor do rendimento líquido dos bens durante o período em que o seu titular tiver ficado privado do respectivo uso e fruição, tendo em conta a exploração praticada nos prédios rústicos à data da sua expropriação ou nacionalização"; f) Na alínea b) do referido n.º 2 é considerado o "Rendimento líquido das culturas arvenses de regadio, dos pomares, permanentes efectivamente praticadas... ".
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Esta alteração introduzida pelo Decreto-Lei 38/95 visou clarificar e simplificar os critérios de determinação do rendimento líquido das explorações agrícolas que, nos termos do Decreto-Lei 199/88, embora com resultados eventualmente mais justos, se revelavam de execução extremamente difícil e, em qualquer caso, muito morosa.
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Quanto às áreas irrigadas, o legislador procurou por isso ser mais preciso e objectivo como, aliás, resulta do preâmbulo do Decreto-Lei 38/95: "No sentido de conferir maior objectividade e simplificação... os respectivos critérios de cálculo deverão basear-se nos dados relativos à exploração efectivamente praticada nos prédios rústicos à data da sua ocupação, designadamente no que respeita às áreas irrigadas".
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Não é por isso de aceitar o entendimento da Administração quando, pretende primeiro interpretar a expressão "efectivamente praticadas" como sendo as culturas efectivamente existentes à data da ocupação, expropriação ou nacionalização.
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E quando, perante o absurdo de tal interpretação, se acaba por socorrer de uma outra, igualmente limitativa e que veio a ter tradução efectiva na proposta de decisão final que serviu de base ao Despacho conjunto objecto do presente recurso, quanto às culturas de regadio - designadamente, quando faz equivaler a expressão "culturas efectivamente praticadas" a "áreas efectivamente regadas".
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Diferentemente, o que importa determinar, com rigor, é a área que, na exploração em causa, estava afecta a cada uma dessas culturas, no ano da intervenção, e não quantos hectares foram efectivamente regados.
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Tal como a lei prevê para os pomares, olival e vinha, o que importa averiguar pois é a área que, numa determinada exploração estava afecta a culturas de regadio, ao tempo da intervenção, independentemente de, nesse preciso ano, terem ou não sido efectuadas (ou as áreas regadas).
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Por outras palavras, desse ponto de vista - da diferença entre o "ser"e o "não ser" - aplicado a "praticadas à data" constitui mera redundância; n) O advérbio "efectivamente" só pode apontar, para uma especificação ou concretização da previsão genérica do n.º 1 do mesmo artigo - da "exploração praticada (à data da intervenção)", no sentido da necessidade de determinar a espécie de cultura praticada à data.
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E tal especificação concretização tem toda a razão de ser como se infere do facto de a Portaria 197-A/95 ter vindo a fixar logo de (um mês depois da publicação do diploma legal em análise) valores diferentes para as culturas de regadio com arroz e para regadios.
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Uma outra razão existe ainda para explicar a introdução do referido advérbio ("efectivamente") pelo legislador do DL 38/95 quanto às culturas mencionadas na al. b) do nº 2 do art. 5º , que não a aventada pela Administração.
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É que não é possível esquecer que a alínea c) do n.º 1 do art. 3º do Dec. Lei 199/88, inalterado pelo Dec. Lei 38/95, diz expressamente que "as indemnizações definitivas...visam compensar a privação temporária do uso e fruição dos bens." r) Ora, a perda de uso e fruição não se verificou apenas nem principalmente no ano da intervenção, mas muitos anos que se lhe seguiram.
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E o n.º 1 do art. 5º do Dec.Lei 199/88, na redacção dada pelo Dec.Lei 38/95, refere expressamente que a indemnização corresponderá ao rendimento líquido dos bens durante o período em que o seu titular tiver ficado privado do respectivo uso ou fruição.
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Assim, também deste ponto de vista faz todo o sentido e é bem perceptível o conteúdo da expressão "efectivamente praticadas": na verdade, o que o legislador quis foi, tão-somente, afastar a ponderação de alterações culturais que eventualmente se tenham verificado após a intervenção.
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Para fixar o valor correspondente à perda do rendimento líquido esperado para os anos da perda de uso e fruição, o legislador pretende, assim, saber quantos hectares estavam afectos, no ano da intervenção, e na exploração agrícola em concreto, a pomares olival, a vinha, a cultura arvense de regadio arvense com outros regadios, e quantos hectares (ainda e tão só) afectos a cultura arvense de sequeiro.
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Culturas "efectivamente praticadas" não pode, assim, significar o que foi efectivamente realizado no ano da intervenção, mas sim o ordenamento cultural que, numa dada exploração agrícola era "efectivamente praticado", independentemente de ter sido ou não total ou parcialmente realizado nesse ano.
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Acresce que em mais de mil hectares da Herdade da ... mais de sessenta hectares na Herdade ..., o Estado fixou valores de renda com base nos valores de renda com base nos valores do arrendamento regadio, usando e fruindo mais de mil hectares como regadio… e pretende agora indemnizar a perda desse uso e fruição como sequeiro.
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Enfim, se dúvidas subsistissem quanto à interpretação que deveria ter prevalecido, elas teriam que ter sido afastadas pelo princípio da prevalência da interpretação mais conforme à Constituição.
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Com efeito, só o critério de cálculo indemnizatório adoptado na interpretação sustentada pelos recorrentes garante a justa indemnização consagrada no n.º 2 do art.º 62º CRP (e acolhida, aliás, na própria legislação em análise - cfr. preâmbulo do DL 199/88, onde se afirma que "… se propõe o Governo assegurar o princípio fundamental do nosso sistema jurídico, de que a indemnização deve ser fixada na base do valor real ou corrente dos bens, de modo a assegurar uma justa compensação". z) Ainda que se recuse a aplicação in caso do n.º 2 do artigo 62º da CRP, a garantia de indemnização - nela incluindo as regras de fixação do quantum indemnizatório - a conceder aos particulares recorrentes, enquanto manifestação do princípio geral, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos e pelos danos de outrem, deve obediência aos princípios materiais da Constituição, como sejam a justiça, igualdade e proporcionalidade; aa) de resto, como é jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão 39/88, DR I Série, de 3 de Março de 1988, pretende-se, com esta vinculação constitucional, que os critérios de fixação da indemnização com assento legal, bem como a interpretação que deles seja feita a posteriori e de forma sucessiva pela administração e, por último, pelas...
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