Acórdão nº 01214/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução27 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada acção contra o Senhor SECRETÁRIO REGIONAL DA EDUCAÇÃO E ASSUNTOS SOCIAIS DOS AÇORES, o GOVERNO REGIONAL DOS AÇORES, e a REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, pedindo a sua condenação solidária a pagar-lhe o montante de 468.000.000$00 a título de danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela Autora em consequência do despacho proferido pelo Senhor Secretário Regional da Saúde e Segurança Social dos Açores, de 20-11-90, que homologou a lista de classificação de concorrentes à instalação da «...». Em alternativa, «(...) para o caso de não se entender que o preço do trespasse comercial da «...» e dos dois postos de medicamentos se cifra no montante de 265.000.000$00» pediu a Autora que os RR. sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 267.997.000$00, a título de danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela Autora em consequência do despacho homologatório ilícito, acrescidas de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento, devendo ainda os RR. ser solidariamente condenados a pagar à Autora os danos morais por ela sofridos, do montante de 30.000.000$00.» Posteriormente, a Autora reduziu o pedido relativo a danos patrimoniais, em termos de a indemnização que pretende consistir em «desaproveitamento de despesas», consistentes em salários pagos durante o mês de Maio de 1999, no valor de 614.100$00, danos emergentes e lucros cessantes referentes ao mesmo mês, no valor de 14.583.333$00, e gastos extraordinários no valor de 10.000.000$00 nascidos de um financiamento bancário para fazer face a demoras de pagamento por um Centro de Saúde.

Na audiência preliminar foi proferido despacho saneador em que foram absolvidos da instância o Senhor Secretário Regional e o Governo Regional dos Açores.

Fixada a base instrutória, foram apresentadas, na mesma audiência, reclamações pela Autora e pela Ré Região Autónoma dos Açores, que foram indeferidas.

Efectuado julgamento foi proferida sentença em que aquele Tribunal julgou a acção improcedente e condenou a Autora como litigante de má fé, na multa de 70 UC e em indemnização à R, ordenando a audição das partes para efeitos do art. 457.º, n.º 2, do C.P.C..

A Autora pronunciou-se sobre esta indemnização, defendendo que não deve qualquer indemnização.

Em seguida, o Meritíssimo Juiz fixou essa indemnização por litigância de má fé, na quantia de 2500 euros.

Inconformada com a sentença, a Autora interpôs dela o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

A Ré Região Autónoma dos Açores interpôs recurso subordinado, destinado a impugnar o despacho que indeferiu a reclamação que apresentou na audiência preliminar.

A Autora veio posteriormente a apresentar alegações com as seguintes conclusões: 1.º - O despacho homologatório da lista de candidatos para a abertura da farmácia da A. e a sua consequente anulação contenciosa, em virtude de tal despacho padecer do vicio de violação de lei, foi adequado a provocar o encerramento da farmácia e dos dois postos de medicamentos, bem como os danos morais alegados e provados pela A., constituindo estes danos uma consequência normal, típica ou provável daquele despacho e da sua consequente anulação por vício de violação de lei, sendo que o mesmo despacho é abstractamente adequado, em termos gerais, a causar os danos alegados pela A..

  1. - Tal como resulta do art. 2º, do D.L. 48051, são as ofensas resultantes do acto administrativo ilícito praticado, e não do acto administrativo praticado, que estão abrangidas pela previsão do referido normativo legal.

  2. - A jurisprudência administrativa é praticamente unânime ao afirmar que o art. 563.º do C.C. consagra a teoria da causalidade adequada, devendo, no entanto, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, adoptar-se a sua formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Enneccerus-Lehmann.

  3. - De harmonia com esta formulação negativa, a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, subsistindo até o nexo de causalidade adequada quando o facto ilícito não produza ele mesmo o dano, mas seja causa adequada de outro facto que o produza, na medida em que este facto posterior tenha sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável nos termos do curso normal dos acontecimentos (vide Acs. do STA de 27.06.2001, de 04.07.2000 de 13.05.99, de 05.11.98, de 13.10.98, de 21.01.98, de 29.02.96, de 28.09.93, de 03.11.92, de 24.03.92, de 29.05.91 e de 21.01.87, in www.dgsi.pt/jsta.nsf, cujos sumários se juntam com as presentes alegações).

    1. - No caso dos autos existe nexo de causalidade adequada entre o despacho homologatório contenciosamente anulado, por padecer do vicio de violação de lei, e os danos patrimoniais e morais alegados e provados pela A., pelo que, ao não ter entendido assim, violou o Tribunal "a quo" o disposto nos arts. 2º, 6º do D.L. 48051, de 21.11.1967, 483º, 493º e 563º do C.C., bem como procedeu a uma errada qualificação jurídica dos factos considerados provados e a uma errada determinação das normas jurídicas aplicáveis, devendo, como tal, os Senhores Juízes Conselheiros revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que dê provimento à acção.

  4. Se o Tribunal recorrido considerou não existir nestes autos qualquer nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado e os danos alegados e provados pela A., deveria ter declarado nulo todo o processo, já que não convidou a A. a aperfeiçoar o seu petitório, assim absolvendo a R. da instância e não do pedido, pois não podia ter conhecido deste, como acabou por suceder.

  5. Ao ter absolvido a R. do pedido e não da instância, obviou o Tribunal recorrido a que a A. pudesse propor nova acção sobre o mesmo objecto, de harmonia com o disposto no art. 289º / 1 do C.P.C., com o que foram violados os arts. 193º, nº 1, nº2, al. a), 202º, 206º, nº 2, 288º, nº 1, al. e), 289º, nº 1, 493º, nº 2, 494º, al. b) e 660º, nº 1 do C.P.C., ex vi do art. 72º, nº 1 da LEPTA.

  6. - Antes de a A. ter sido condenada como litigante de má fé, deveria ter sido notificada para ser ouvida acerca da intenção do Tribunal em condená-la como tal. Ao não tê-lo feito, violou o Tribunal recorrido o princípio constitucional do contraditório, já que a interpretação conforme com a Constituição do art. 456º do C.P.C. impõe que a parte seja ouvida sobre a intenção da sua condenação como litigante de má fé (vide Ac. do STA da 21.03.2001, in www.dsgi.pt/jsta.nsf, cujo sumário se junta às presentes alegações), requerendo-se, pois, aos Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros que declarem a inconstitucionalidade do disposto no art. 456º, nºs 1 e 2 da C.P.C., na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal "a quo" (vide ainda, no mesmo sentido, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 440194, de 07.06.94, in Acs. do TC, 28º-319).

  7. - Não há lugar a condenação por litigância de má fé quando estão em causa a interpretação e aplicação de regras de direito (vide, neste sentido, os Acs. do STJ, de 20.07.82, in BMJ, 319º-301, do STJ, de 24.04.91, in A.J., 18º-28, da RP, de 11.02.93, in BMJ, 424º-735, do TC nº 376/91 e nº 200/94, de 01.03.94, in, respectivamente, D.R., II Série, de D2.04.92 e de 30.05.94).

  8. - A ter afirmado que a A. reduziu os pedidos na réplica, depois de a R. ter invocado os factos em questão na contestação, quando a A. já havia tido tempo mais do que suficiente para narrar a realidade posterior a 28 de Maio de 1999, e sem que se saiba se a A. reduziria os pedidos caso a R. os não tivesse invocado na contestação, o julgador condenou a A. como litigante de má fé com base em simples conjecturas, as quais não podem fundamentar uma tal decisão (vide, neste sentido, o Ac. da RL de 14.11.80, in C.J., 5º-12).

  9. - De harmonia com a alínea EE) da especificação, em 28 de Maio de 1999, a farmácia e os respectivos postos de medicamentos foram reabertos, provisoriamente, com o conhecimento e a concordância da Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais, isto é, esteve ilegalmente aberta até 24 de Setembro de 1999, data em que foi concedido à A. novo alvará, na sequência da abertura de novo concurso para a instalação de nova farmácia, ao qual a A. concorreu e que ganhou.

  10. - Face a ordem jurídica nada existia, nem a farmácia, nem os postos de medicamentos, já que nenhum alvará tinham que os titulasse ou que permitisse a sua abertura ao público, tendo a respectiva reabertura provisória sido ilegal, apesar de ter ocorrido com a concordância e conhecimento da R..

  11. - Face ao princípio da obrigatoriedade e da prevalência das decisões judiciais consagrado no art. 205, nº 2 da C.R.P., devem Vossas Excelências declarar a inconstitucionalidade das normas constantes do art. 456º, nº 1, als. a) e b), quando interpretadas no sentido de se considerar que um acto inexistente, ou ilegal, violador de uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (a abertura provisória ilegal da "não farmácia" da A. com o conhecimento e a concordância da R.), tem de ser alegado num processo, sob pena de se considerar haver-se deduzido um pedido sem fundamento e terem-se omitido factos relevantes para a decisão da causa.

  12. - Veio a A. na réplica reduzir o pedido que houvera feito no petitório, não em virtude da reabertura ilegal provisória da "não farmácia" alegada pela R. na respectiva contestação, mas antes devido ao facto de haver ganho o concurso aberto para a instalação de nova farmácia, o que fez com que alguns dos danos alegados pela A. na petição inicial tivessem deixado de ter razão de ser e de possuir suporte fáctico e legal (cfr. artigos 153º e 154º da réplica).

  13. - Ao ter condenado a A. como litigante de má fé, pelo facto de esta só ter vindo reduzir o seu pedido na réplica, violou o Tribunal "a...

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