Acórdão nº 01598/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2004
Magistrado Responsável | SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 02 de Março de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Estado Português, recorreu para este Supremo Tribunal da sentença proferida no TAC de Lisboa que julgou parcialmente procedente a acção ordinária intentada por A... e mulher, condenou o réu a pagar aos autores a quantia de € 4.092,00, acrescida de juros de mora à taxa anual de 7%, até efectivo pagamento.
Os réus, A... e mulher, interpuseram recurso subordinado da mesma decisão.
O Ministério Público, formulou as seguintes conclusões: a) ao contrário do que julgou a douta sentença recorrida, o liquidatário judicial não incorreu em omissão ilícita justificativa de indemnização do locador, por não ter arrolado o direito ao arrendamento, nem ter denunciado ou negociado com o senhorio o respectivo contrato , nem essa omissão representa a violação tópica de interesses objectivamente descrita na lei, quando reportada aos direitos do locador; b) também não está provado que o novo contrato de arrendamento se concretizaria e perduraria pelo prazo de 13 meses, contrato esse que sempre seria nulo - cfr. art. 294º do C.Civil - porque visava uma utilização do locado não permitida legalmente, pelo que a sua frustração não integraria dano indemnizável; c) e não ocorre igualmente o nexo de causalidade entre a conduta do liquidatário judicial e o dano, já que aquela não obstaria à resolução do contrato de arrendamento, nem à celebração do novo contrato pelos autores, os quais serão inteiramente culpados pelos prejuízos que alegaram, e não apenas em 50%, como foi decidido; d) foram violados os artigos 2º, n.º 1 e 6º do Dec. Lei 48051, de 21-11-67; 483º, n.º 1, 294º e 570º do Código Civil e 134º, 145º e 169º, n.º 1, 2 e 3 todos do CPEREF.
e) por conseguinte, deve revogar-se a sentença recorrida, na medida em que é desfavorável ao Estado e julgar-se a acção totalmente improcedente.
Nas contra alegações os autores defenderam a manutenção da sentença.
No recurso subordinado os autores formularam as seguintes conclusões: a) o M. Juiz do 4º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos, por douta sentença de 27 de Maio, declarou finda a falência em discussão; b) esta decisão não foi notificada aos senhorios da falida, aqui recorrentes; c) em 25 de Outubro de 1996, os senhorios tomaram conhecimento da decisão através do advogado signatário q1ue, então, consultou os autos de falência; d) em 5 de Dezembro seguinte, os senhorios requereram ao ilustre Magistrado Judicial, a restituição do estabelecimento locado à falida, pois, por um lado, o processo estava findo e, por outro, o liquidatário judicial, não obstante ter apreendido as chaves, não incluiu o arrendamento na relação dos bens da massa falida; e) o M.Juiz proferiu despacho no qual concedeu ao liquidatário judicial o prazo de 5 dias para fazer a entrega aos senhorios do estabelecimento em questão, o que não cumpriu; f) este despacho não foi notificado aos ora recorrentes; g) por isso, só passados cerca de 4 meses, é que os autores tomaram conhecimento do contexto do citado despacho judicial, outra vez, através do seu advogado que, para tanto, consultou o processo; h) em face disso, os recorrentes, em 29-5-97, apresentaram novo requerimento, pedindo, mais uma vez a restituição do estabelecimento, invocando, então, avultados prejuízos patrimoniais que o acto do liquidatário lhes estava a causar; i) mas, o estabelecimento só foi entregue aos recorrentes, em 11 de Junho de 1997; j) o Tribunal Colectivo deu como provado que: "os autores, em fins de Maio de 1996, tiveram oferta de renda de 240.000$00 por mês" - resposta ao quesito 2º. "a restituição do prédio do estabelecimento, em 11 de Junho de 1997, causou aos autores um prejuízo de 3.120.000$00" - resposta ao quesito 3º.
k) a resposta ao quesito 3º não configura um juízo conclusivo, mas inequívoca matéria de facto por representar ocorrência concreta da vida real; e não pode ser alterado por a tal se opor a disposição do art. 712º do C.P.Civil.
l) os recorrentes agiram como proprietários interessados diligentes, não contribuindo, de modo algum, para o agravamento dos danos provocados pela omissão do liquidatário judicial; m) este actuou com negligência grosseira, a raspar o dolo directo, e, por isso, impunha-se ao Tribunal a aplicação das sanções, nestes casos, previstas na lei, pelo menos, quando não cumpriu ostensivamente a decisão do M.mo Juiz que, da 1ª vez, lhe ordenou a entrega do estabelecimento aos senhorios; n) a falta de notificação da sentença que declarou finda a falência e do 1º despacho que ordenou a restituição do estabelecimento aos senhorios, concorreu sem dúvida para o agravamento dos danos causados aos senhorios; o) deve revogar-se, pois, a sentença, na parte desfavorável aos autores, julgando-se a acção totalmente procedente com todas as legais consequências.
No recurso subordinado o M.P. não contra - alegou.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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Fundamentação 2.1. Matéria de facto A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1- Os autores são proprietários e legítimos possuidores de uma garagem inscrita no artigo 4399 da matriz urbana, construída no logradouro do prédio sito na rua ..., n..., freguesia de ..., concelho de Matosinhos, a que corresponde o artigo matricial 802 - alínea A) da matéria assente; 2- Em 6 de Setembro de 1991, os autores deram essa garagem de arrendamento à sociedade ..., pelo prazo de um ano, com início em 1 de Abril de 1991, pela renda anual de 1.500.000$00, paga em duodécimos de 125.000$00 no dia 1 do mês anterior ao que respeitasse - alínea B) da matéria assente; 3- Foi estipulado que o arrendado se destinava ao exercício da indústria de estamparia, confecções e representações comerciais da arrendatária, tudo conforme consta do contrato de arrendamento junto a folhas 18 a 22 dos autos, dado por reproduzido - alínea C) da matéria assente; 4- À data da declaração de falência da arrendatária, a renda mensal era de 150.525$00 - alínea m da matéria assente; 5- A arrendatária, por se encontrar em situação de dificuldades económicas graves, propôs acção especial de recuperação da empresa, cujo processo correu seus termos pela 1ª secção do 6° Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Porto (TCP) - alínea E) da matéria assente; 6- Nesse processo, foi nomeado Gestor Judicial o Dr. ... - com escritório no ..., número ..., sala ..., ... andar, no Porto - alínea F) da matéria assente; 7- por sentença datada de 28 de Setembro de 1994, transitada em julgado, foi decretada a falência da...
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