Acórdão nº 0485/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução26 de Setembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA) A..., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC) recurso contencioso do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Cascais (E.R.), de 20.06.94, a que imputou vícios de violação de lei e de forma.

    Através da douta sentença proferida nos autos, a fls. 263-286, foi o recurso julgado improcedente.

    Não se conformando com tal sentença, dela interpôs o recorrente o presente recurso.

    Alegando o recorrente, formulou ao final as seguintes conclusões: 1ª Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o DL 445/91 é aplicável ao licenciamento de todas as obras de construção civil, o que inclui necessariamente as obras de construção civil já realizadas - cfr. texto nºs.1 e 2; 2ª. O art. 61° do DL 445/91 não admite quaisquer excepções à regra do deferimento tácito, para além das que constavam do seu n°.2, nem estabelece distinções consoante se trate de obras não iniciadas ou já iniciadas (v. art. 266° da CRP e art. 3° do CPA) - cfr. texto nºs. 3 a 5; 3ª. A não se considerar aplicável a regra do deferimento tácito prevista no art. 61° do DL 445/91, sempre se teria de concluir pela aplicação das regras gerais do procedimento administrativo, maxime, o disposto no art. 108° do CPA - cfr. texto nºs. 4 e 5; 4ª. A pretensão do ora recorrente foi assim tacitamente deferida em 93.08.23, ex vi do disposto nos arts. 19° e 61° do DL 445/91 (cfr. art. 29° do normativo citado) e no art. 108° do CPA - cfr. texto nºs. 5 e 6; 5ª. Dos termos, tipo legal e circunstâncias em que o acto sub judice foi praticado, não resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência e efeitos do deferimento tácito da pretensão do recorrente, pelo que, inexistindo voluntariedade na produção do efeito revogatório, falta desde logo um dos elementos essenciais do acto em análise, que é nulo (v. arts. 123° e 133°/1 do CPA) - cfr. texto nºs. 7 a 9; 6ª. O despacho sub judice revogou ilegalmente anterior acto tácito constitutivo de direitos, violando frontalmente o art. 77°/b) da LAL e os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não se verifica in casu qualquer ilegalidade do acto revogado, que nem sequer foi invocada - cfr. texto nºs . 10 e 11; 7ª. A pretensa razão invocada para o indeferimento - parecer desfavorável da CIAPPSC, emitido ao abrigo do DL 292/81, de 13 de Outubro - não integra a previsão do art. 63° do DL 445/91, uma vez que a norma nele invocada - art. 1° do DR 9/94, de 11 de Março -, não era aplicável à pretensão do ora recorrente e, além disso, não era devida a audição daquela entidade - cfr. texto nºs 12 a 14; 8ª. O DL 292/81, de 15 de Outubro, que impõe a audição da CIAPPSC, viola o art. 167°/c) da Constituição (versão originária), pois, apesar de tratar de matéria da competência reservada da Assembleia da República (v. art. 66° da CRP), foi editado por um diploma do Governo, sem ter havido qualquer autorização prévia (v. art. 168° da CRP, versão originária; cfr., em sentido idêntico, Acs. TC n° 368/92, DR, 1ª Série, de 93.01.06, p.p. 26 e segs.; n° 152/92, DR, 2ª Série, de 92.07.28; n° 334/91, DR, 2ª Série, de 91.11.20; n° 197/91, DR, 2ª Série, de 91.09.13) - cfr. texto n°. 15; 9ª. O DL 292/81, de 15 de Outubro, violou os arts. 167°/h) e 243° da Constituição (versão originária), pois o art.7° do referido diploma limita as atribuições do município e as competências dos respectivos órgãos, estabelecendo mesmo uma forma de tutela integrativa de mérito, alterando a competência decisória nos procedimentos que abrange - cfr. texto n°. 16; 10ª. O DL 292/81, de 15 de Outubro, estabeleceu restrições ao direito fundamental de propriedade, limitando as potencialidades edificativa dos imóveis abrangidos sem qualquer indemnização (v. art. 62°/1 da CRP), o que, além de violar o referido direito fundamental, integra matéria da competência reservada da Assembleia da República (v. arts. 17º, 18°, 167/c) da CRP, 168° e 201°/1/b) da CRP - versão originária) - cfr. texto nºs. 17 a 19; 11ª. O despacho sub judice enferma de manifesta falta de fundamentação (v. art. 268° /3 da CRP e arts. 124° e 125° do CPA), pois: a) Não contém, em si, quaisquer razões de facto e de direito do indeferimento da pretensão do recorrente, sendo certo que os pareceres de que, eventualmente, se apropriou, além de serem absolutamente irrelevantes, não contêm quaisquer razões de facto daquele indeferimento, invocam normas que não são aplicáveis in casu e não concretizam por qualquer forma a violação das normas jurídicas alegadamente violadas; b) Dele não constam quaisquer fundamentos de facto e de direito da revogação implícita de anterior acto consultivo de direitos, não admitindo a lei qualquer fundamentação implícita - cfr. texto n º s . 20 a 27; 12ª. A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento na parte em que decidiu não conhecer das ilegalidades referidas, tendo violado clara e frontalmente o art. 268°/3 da CRP, o art. 83° do DL 100/84, de 29 de Abril, os arts. 124° e 125° do CPA e os arts. 63°/1/g) e 3 do DL 445/91, de 20 de Novembro - cfr. texto nºs. 20 a 27; 13ª. O acto sub judice enferma de manifesta incompetência, dado que não foram nem podiam ser validamente subdelegadas no Vereador recorrido as competências atribuídas nos arts. 1° e 2º do DL 445/91, de 20 de Novembro, à Câmara Municipal de Cascais - cfr. texto n º s . 28 a 30; 14ª. O despacho sub judice violou ainda o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de propriedade e iniciativa privada do recorrente, bem como os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade, segurança, confiança, boa fé e respeito pelos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que é nulo (v. art. 133º/2/d) do CPA), ou, pelo menos, anulável - cfr. texto n° s . 31 a 35; 15ª. A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 13°, 17°, 18°, 62°, 66°, 167°, 207°, 243° e 266° da CRP, no art. 4°/3 do ETAF, nos arts. 1°, 2°, 19°, 61° e 63º do DL 445/91, de 20 de Novembro e nos arts. 3°, 35°, 105°, 124°, 125°, 133°, 140° e 141° do CPA.

    A entidade recorrida contra-alegou, defendendo a legalidade do acto recorrido.

    A Exm.ª Procuradora da República neste Supremo Tribunal Administrativo, através do seu parecer de fls. 359 e verso, pronunciou-se no sentido de que o recurso jurisdicional não merece provimento, fundamentalmente porque no caso não é invocável o regime da legalização de obras, sendo que, e ao contrário do que defende o recorrente, a sentença recorrida (a cujos fundamentos adere) não enferma de alguma das censuras que lhe vêm dirigidas pelo recorrente.

    Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

  2. FUNDAMENTAÇÃO 1. De Facto.

    A sentença recorrida deu como assente a seguinte Matéria de Facto (M.ª de F.º): Em 83.10.28, deu entrada na Secretaria da Câmara Municipal de Cascais, o requerimento a que coube o nº 5573 em que o ora recorrente, A... pedia a concessão de uma licença de construção para "uma moradia que pretendia construir num lote de terreno com a área de 4.760 m2, situada na Quinta da ..., freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais".

    Em 84.01.13, através do Ofício nº 478, a CMC comunicou ao requerente que por despacho de 84.01.10 fora o respectivo pedido indeferido, porque o requerente, solicitados determinados elementos por convocação feita em 83.11.10 (homologação do sistema de pré-fabricação, comprovação da área do lote apresentada, etc.), não os apresentou.

    Em 93.07.12, deu entrada na Secretaria da CMC o requerimento a que coube o nº 5717, com o seguinte teor: "A..., contribuinte nº. ...5, residente na Quinta ..., nº ... - 2750 Cascais, pretendendo mandar legalizar uma moradia, garagem e anexo de harmonia com o projecto que junta, sito na morada acima indicada com a área de 4760 m2, confrontando do Norte com Dr. ..., do Sul com Restaurante "...", do Nascente com Estrada Nacional n° 247 e do Poente com Quinta da ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.... Secção 34 da Freguesia de Alcabideche, requer a V. Exa. na qualidade de proprietário se digne conceder-lhe a necessária legalização".

    "0 projecto foi elaborado pelo Eng. ... residente na ..., lote ... - .... - 2750 Cascais. " "Junto se entregam 2 colecções para a .J.A.E. e 1 colecção para a C.I.A.P.P.S.C." Junto com o requerimento seria entregue pelo requerente uma Certidão da Conservatória do Registo Predial de Cascais referente a um terreno que confrontaria por todos os lados com a Quinta da Marinha, uma Memória Descritiva e Justificativa que explicava a construção que havia sido erigida, uma planta de localização, o projecto de arquitectura e uma série de fotografias mostrando a moradia já construída à beira da praia do Guincho (cfr. proc. inst.).

    Em 93.08.20, recebido o requerimento na secretaria e devidamente instruído pela DAP em 93.08.16, foram as colecções enviadas pelo requerente remetidas para a J.A.E. e para a C.I.A.P.P.S.C..

    Em 31.08.1993 o recorrente foi notificado de que nessa data, o seu pedido de legalização fora remetido à J.A.E. e à C.I.A.P.P.S.C..

    Em 93.11.22, a C.I.A.P.P.S.C. pelo Ofício 1191, datado de 93.11.17, a APPSC comunicou à CMC o seguinte: "Face ao disposto no nº 1 do art. 17° do Decreto Lei n° 193/93 de 24 de Maio, foi homologado pelo Sr. Presidente do Instituto da Conservação da Natureza, em 5 de Novembro de 1993, o seguinte parecer: De acordo com as normas urbanísticas em vigor na Área de Paisagem Protegida de Sintra - Cascais o terreno em causa insere-se numa Área Prioritária para a Conservação da Natureza na qual é interdita a implantação de novas construções.

    A construção legal existente no local constitui uma intrusão na paisagem, resultante de um processo de aprovação tácita, não obstante o parecer desfavorável da Área de Paisagem Protegida de Sintra - Cascais.

    No presente caso não é apresentada qualquer...

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