Acórdão nº 025978 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelMENDES PIMENTEL
Data da Resolução19 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo : A..., residente na Rua ..., lote ..., ... - -Esposende, inconformado com o acórdão da Secção de fls. 85-89 v º que, revogando sentença do TT de 1ª Instância de Braga, julgou improcedente esta impugnação judicial contra liquidação de IRS relativa ao ano de 1997, vem até nós invocando estar o mesmo em oposição com o decidido no acórdão da mesma Secção de 08.XI.2000 - proc.º n.º 24723.

No acórdão interlocutório de fls. 108-111, de 5 de Dezembro último, julgou-se verificada tal oposição de acórdãos, por isso que se ordenou o prosseguimento do recurso.

Notificado de tal acórdão, apresentaram os recorrentes a sua alegação sobre o objecto do recurso, rematada com as seguintes conclusões:INa solução do caso dos autos haverá que ter em conta a nulidade do "acto pressuposto da liquidação e, em consequência, a nulidade desta mesma, nos termos do artº 133° do CPA, por impossibilidade de cumprimento da exigência efectuada pela AF - e acolhida no douto acórdão recorrido - com referência ao dia 31 de Dezembro de 1996, que aqui, expressamente se invoca para os efeitos do n° 2 do artº 134° do mesmo CPA.

IIAs normas constantes do n° 3 do artº 25º e n° 6 do artº 80º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) bem como do artº 44° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) estão sujeitas ao princípio constitucional da legalidade tributária de reserva de lei formal, o que implica que a competência para a definição dos pressupostos dos benefícios fiscais cabe à Assembleia da República ou ao Governo, este sob autorização legislativa, pelo que todo o critério de decisão da AF quanto a ónus; encargos ou obrigações dos contribuintes tem, necessariamente, de constar de lei fiscal, não sendo admissível que a AF defina quaisquer dos seus elementos caracterizadores, sob pena de inconstitucionalidade formalIIIAliás, a AF nunca questionou a competência da autoridade de saúde que emitiu o atestado apresentado pelos recorrentes, tendo sido ela própria a estabelecer quem tinha competência para o efeito, através da circular nº 28/90, de 22.6, da Direcção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI), tal como não apontou ao atestado apresentado qualquer vício formal ou substancial susceptível de afectar a sua força probatória ou sequer questionou que o atestado não respeitasse a lei vigente à data da respectiva avaliação, ou seja, a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 30.9;IVA AF apenas entendeu que os atestados emitidos por deficiência de natureza oftalmológica - e só neste casos, numa manifestação mais uma vez discriminatória em relação a deficiências de outra natureza - foi emitido supostamente segundo determinado critério de avaliação, não coincidente com o critério que ela própria entendeu - apenas para aqueles casos - que deveria ter sido seguido pela autoridade de saúde;VNa ausência de lei específica para a avaliação de incapacidade para efeitos de acesso aos benefícios fiscais, a solução seguida, que jamais alguém questionou, foi o recurso à TNI aprovada pelo Decreto-Lei n° 341/93, de 30.9, muito embora tivesse sido criada para efeitos do cálculo de incapacidades e reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, sendo que é a própria unidade do sistema jurídico que reclama o recurso à mesma, perante a omissão das normas da lei tributária quanto ao critério de definição concreta. da deficiência fiscalmente relevante para o fim em vista;VI.

Face ao que foi ora exposto e como bem decidiu o douto acórdão-fundamento, a AF não podia deixar de ter por verificado o pressuposto de que depende o reconhecimento do beneficio fiscal em causa, sendo a AF obrigada, por isso, a actuar em conformidade com esse facto e estando impedida, consequentemente, de exigir novo atestado médico, como o fez;VIIActuando como actuou, a AF agiu como se lhe coubesse, a ela própria, definir o critério legal de verificação de incapacidade, impondo-o à própria autoridade de saúde competente, extravasando, manifestamente, dos poderes e competências que tem, numa manifestação usurpadora de funções de outros serviços do Estado;VIIIA entrada em vigor do Decreto-Lei nº 202/96, de 23.10, em nada alterou este estado de coisas, pois ele mesmo limita na sua retroactividade, deixando, expressamente, intactos os casos já avaliados antes da sua entrada em vigor - cf. nº 2 do artº 7°;IXPois, este diploma é inovador e não meramente interpretativo, tendo entrado em vigor em 30 de Novembro de 1996 e tendo o próprio legislador nele logo fixado o âmbito e o grau da sua retroactividade no seu artigo 7°, pelo que, tudo quanto vá para além desse grau de aplicação aos processos de avaliação de incapacidade (e não a quaisquer outros) pendentes - é ilegal, por violação manifesta do princípio geral do tempus regit actum consagrado no artigo 12° do Código Civil e em que se esteja o douto acórdão-fundamento;XComo resulta claro da norma do nº 2 do artº 7° do referido diploma, este não anulou as avaliações feitas anteriormente à sua vigência nem veio consagrar qualquer obrigatoriedade da sua confirmação, como seria de esperar se a intenção do legislador fosse a de que o diploma deveria abranger as avaliações anteriormente feitas;XIAssim, os recorrentes, que já tinham feito a prova da sua Incapacidade permanente superior a 60% perante a AF, não tinham que fazer nova prova da sua incapacidade;XIINa verdade, à data em que entrou em vigor o Decreto-Lei nº 202/96, já havia nascido na esfera jurídica dos recorrentes o direito ao benefício fiscal em causa nos autos, porque já se encontrava comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (a incapacidade permanente igual ou superior a 60%) pelo atestado médico respectivo, passado pela entidade competente, no domínio da lei vigente e de acordo com esta;XIIIA aplicação dos critérios do Decreto-Lei n° 202/96 à situação dos recorrentes - diploma que a AF não invoca nos fundamentos dos actos então impugnados - no caso dos autos implicaria, pois, a aplicação retroactiva do mesmo, como tal, de forma ilegal, porque contrária ao seu próprio normativo e em desconformidade e com violação dos supra invocados princípios constitucionais;XIVA exigência nas referidas circunstâncias de novo atestado médico resultaria na revogação ou anulação de um direito já adquirido pelos recorrentes e na consequente violação do princípio constitucional da protecção da confiança dos particulares;XVComo já foi decidido por esse Supremo Tribunal, ainda que o direito ao benefício fiscal em causa tenha por fonte a lei e não o referido acto de avaliação, este acto integra ainda o processo constitutivo do referido direito, pois configura uma pronúncia pericial indispensável e determinante da verificação do facto constitutivo, sem a qual o titular do direito, não fica constituído naquele e não o poderá exercer, não se tratando, assim, de um mero acto instrumental, sem valoração própria;XVIO acto de avaliação da deficiência goza de autonomia relativamente ao acto tributário de liquidação, pela distinta natureza dos elementos normativos que visa concretizar, o que não exclui uma relação de prejudicialidade, pelos efeitos modificativos que pode produzir naquele, sendo que a actividade posterior exigida ao titular do direito para que ele se torne eficaz é que já não se situa no campo da constituição do direito, mas sim no campo do seu exercício, não havendo que confundir os requisitos de constituição de um direito com os requisitos da sua eficácia;XVIIA AF está sujeita ao principio da legalidade e da tipicidade tributárias, devendo inteira obediência à Constituição e à lei, não podendo desconhecer e desrespeitar o valor e os limites do caso decidido ou caso resolvido, pondo em causa, em qualquer momento, a estabilidade dos actos administrativos e valores fundamentais do direito como são a certeza e a segurança;XVIIIO acto administrativo que promana do exame pericial e atesta uma certa incapacidade permanente concreta, em face do acto tributário subsequente praticado pela AF constitui um acto autónomo que, em direito tributário, é um acto prejudicial em sentido técnico;XIXA AF não tem competência em matéria de saúde, não estando o atestado médico passado pela entidade competente sujeito à livre apreciação daquela;XXCom o requerimento dirigido pelo interessado à autoridade de saúde para avaliação do seu grau de incapacidade inicia-se um procedimento administrativo, no qual tem lugar uma prova pericial, que culmina com um acto administrativo praticado pela autoridade de saúde, constitutivo de direitos para o contribuinte e de posse do qual o mesmo contribuinte vai reivindicar o seu direito aos benefícios fiscais junto da AF;XXIO acto da autoridade de saúde, como acto prejudicial que é, pertencendo a outra autoridade diferente da autoridade fiscal, precedendo o acto tributário, implica que quem pratica este deve conformar-se com a decisão dada pela autoridade de saúde, dado o carácter técnico das questões ou interesses em causa, devendo impugná-lo contenciosamente, no caso de entender que o mesmo padece de invalidade, por se tratar de acto susceptível de impugnação judicial directa, independente do acto prejudicado, sob pena de preclusão do respectivo conhecimento e do poder de o impugnar sem que a lei, directamente, o permita;XXIISe o acto prejudicial é estranho à AF, cabe recurso contencioso do mesmo para os Tribunais Administrativos;XXIIINo caso, nem a lei previu a invalidade nem a AF nem ninguém impugnou contenciosamente o referido acto prejudicial no prazo legal, nem ninguém o revogou ou arguiu de falso, pelo que o mesmo se firmou na ordem jurídica como um caso decidido ou caso resolvido, com valor de caso julgado, estando a AF legalmente obrigada a respeitá-lo integralmente;XXIVO acto da autoridade de saúde, como acto administrativo que é, goza da presunção de verdade e de legalidade, sendo...

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