Acórdão nº 046143 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Março de 2002

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução06 de Março de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A...

e B..., residentes em Chousa de Cima, Fiães, Santa Maria da Feira, interpuseram, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação do indeferimento tácito da Junta de Freguesia de Fiães do requerimento em que solicitavam a certificação a favor da Recorrente mulher, "através da emissão pelo respectivo Presidente do competente alvará, a concessão e o direito ao uso da sepultura no Cemitério de Fiães, onde estão enterrados D..., E.... e F...".

Para tanto invocaram que o acto impugnado padecia de vícios de violação de lei, por violação expressa dos artºs 1.º, n.º 2, 27º, n.º 1, al. l), e 89.º, todos do DL 100/84, de 29/3, de desvio de poder e dos princípios constitucionais da legalidade e da prossecução do interesse público, e de vício de forma, por falta de fundamentação.

A Autoridade Recorrida respondeu em defesa da manutenção do recorrido indeferimento, alegando que o mesmo não padecia de nenhum dos vícios que lhe foram apontados, uma vez que, por um lado, fora praticado no âmbito dos seus poderes discricionários e, por outro, se justificava por inexistir prova suficiente que lhe permitisse resolver o conflito de interesses entre os Recorrentes e os Recorridos Particulares, os quais se arrogam, em simultâneo, da titularidade da concessão e do direito ao uso da sepultura em causa. Tanto mais quanto é certo que há 20, 30 ou 40 anos atrás "não era hábito nem prática corrente o registo das concessões cemiteriais." Por seu turno, os Recorridos Particulares ao responderem reclamaram a titularidade do direito ora em questão, visto terem-no adquirido legitimamente em data anterior à elaboração dos testamentos invocados pela Recorrente, e, porque assim, pugnaram pelo não provimento do recurso e consequente manutenção na ordem jurídica do acto impugnado.

A fls. 101 a 103 foi proferida sentença a rejeitar liminarmente o recurso "por falta de objecto, por falta de produção do impugnado acto administrativo de indeferimento tácito, por irrecorribilidade", sentença essa que foi revogada pelo Acórdão deste Tribunal de fls. 127 a 135.

Foi, então, proferida a sentença recorrida (fls. 142 a 153) que negou provimento ao recurso por considerar que o acto recorrido não violava a lei, não sofria de falta de fundamentação e não padecia do vício de desvio de poder.

Não violava a lei, porquanto "se bem que se tenha formado acto tácito de indeferimento da pretensão dos Recorrentes, estes não imputam ao indeferimento a violação de qualquer normativo, princípio geral, regulamento ou contrato administrativo, porquanto apenas se limitam a enunciar quais as normas e princípios jurídicos de onde se infere a formação de acto tácito de indeferimento." Não sofria de falta de fundamentação uma vez que "não se configurando o indeferimento tácito um verdadeiro acto administrativo, mas apenas uma "fictio juris" para efeitos de recurso contencioso, o mesmo não está sujeito à obrigatoriedade de fundamentação. Aliás a exigência de fundamentação é logicamente incompatível com a figura do acto tácito de indeferimento.

" E, finalmente, não padecia de desvio de poder porque "o indeferimento tácito da pretensão dos Recorrentes não implicou o deferimento da pretensão dos Recorridos particulares, ou qualquer outra, donde não poder inferir-se que o comportamento da Recorrida pública tivesse visado a prossecução de um fim diverso do fim legal que a lei lhe concede no exercício de poderes discricionários postos a seu cargo." Inconformados com tal decisão os Recorrentes agravaram para este Supremo Tribunal para o que formularam as seguintes conclusões : 1ª.

- Os recorrentes apresentaram em 11/12/1995 na Junta de Freguesia de Fiães um requerimento dirigido ao Exm.º Sr. Presidente da mesma Junta, mediante o qual requereram fosse passado Alvará que certifique a seu (da recorrente A...) favor o direito ao uso da sepultura onde estão enterrados D..., E... e F.., e que sirva de titulo, para todos os efeitos legais, da concessão em beneficio da requerente.

  1. - A Junta de Freguesia de Fiães tem o dever legal de deliberar sobre tal requerimento no prazo de 60 dias, pelo que, não o tendo feito até à data, a falta de decisão equivale, para efeitos de recurso contencioso, a indeferimento tácito.

  2. - Através de testamentos celebrados em 23.08.1973, D... e E... legaram à recorrente A..., prima delas, uma sepultura no cemitério de Fiães, na qual se encontram depositados os restos mortais das testadoras e de seus familiares.

  3. - Aquelas D... e E... foram, enquanto vivas, as legais concessionárias do terreno cemiterial onde está implantada aquela sepultura, tendo recebido de seus pais e por via sucessória a concessão e o respectivo direito ao seu uso.

  4. - Os testamentos a favor da requerente A... são perfeitamente válidos e susceptíveis de produzir o efeito jurídico pretendido, uma vez que formalizam a transmissão mortis causa de uma sepultura que contém os restos mortais das testadoras a favor de uma prima, isto é, de uma familiar próxima escolhida pelas concessionárias transmitentes para cuidar e manter acesa a sua memória neste mundo, sendo que estas não possuíam sequer ascendentes ou descendentes vivos.

  5. - Na verdade, estando em causa uma sepultura que contém os restos mortais dos concessionários, só a transmissão da concessão a favor de familiares próximos é capaz de não chocar nem ofender a memória das pessoas ali depositadas, evitando-se a prevenção do interesse público e o espírito de perpetuidade que caracteriza a concessão do direito de utilização de terrenos cemiteriais.

  6. - Desde o ano de 1963, altura em que foi construída a sepultura em apreço, até à morte das testadoras, estas sempre dela cuidaram, a enfeitaram e a arranjaram como se fosse sua, tendo dela disposto, com ânimo de donas, através dos mencionados testamentos, e acabando por ali ser sepultadas, assim como já o tinham sido a irmã delas, G..., e o marido da D..., F....

  7. - Do mesmo modo, após o falecimento da última das testadoras, ocorrido em 1986, e até 1992, os recorrentes continuaram a utilizar publicamente como sendo sua a mesma sepultura, adornando-a e enfeitando-a a seu gosto, bem como prestando culto aos seus familiares lá enterrados, perfeitamente convencidos que lhes pertence o direito à sua utilização e que, como tal, ali virão um dia a ser sepultados.

  8. - O terreno cemiterial que foi objecto da escritura de compra e venda outorgada em 04.06.1963 entre as referidas testadoras, o marido de uma delas e C... , é um terreno de domínio público sob administração da Junta de Freguesia de Fiães, no qual já haviam sido sepultados os pais dos "transmitentes" e que, na altura, se destinava a receber os restos mortais dos próprios "transmitentes" (como efectivamente aconteceu), os quais não têm qualquer ligação familiar ou de especial afectividade com o "adquirente".

  9. - Assim sendo, a transmissão entre vivos da sua utilização (ou seja, da concessão), perante a omissão do respectivo Regulamento, exigia a prévia autorização ou a aprovação da mesma Junta, o que não aconteceu, nem há referência a que tal autorização ou aprovação tenham sido. solicitadas, tendo apenas sido celebrado um contrato civil entre intervenientes particulares.

  10. - De qualquer forma, face aos exactos termos da compra e venda celebrada, aquela autorização, ainda que tivesse sido solicitada, nunca poderia ser concedida pela Junta de Freguesia de Fiães, sob pena de violação do interesse público subjacente aos cemitérios e de transgressão do carácter familiar que orienta a concessão de terrenos para construção de sepultura.

  11. - De facto, a aprovação da transmissão de uma concessão de terreno cemiterial com a reserva de os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT