Acórdão nº 1421/06.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução13 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Síntese dos termos essenciais da causa e dos recursos S... - Investimentos Imobiliários, Ldª, propôs uma acção ordinária contra o Banco ..., SA, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 378.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde 9.12.05 até integral pagamento.

Alegou que por escritura pública de 17.10.05 vendeu ao réu a fracção autónoma identificada na petição inicial pelo preço total de 1.178.000,00 €, dos quais 800.000,00 € pagos no acto da escritura. Do remanescente do preço, o pagamento das parcelas de 318.000,00 € e 60.000,00 € ficou condicionado à obtenção de determinadas autorizações por parte do condomínio do prédio, uma até 30.11.05 e a outra até 31.3.06. O réu, porém, sob a alegação de que as condições não se verificaram, não pagou as duas referidas parcelas do preço, o que a autora contesta, por considerar que a não obtenção das autorizações do condomínio ficou a dever-se ao comportamento do réu, que negou a colaboração indispensável para o efeito, tudo com o intuito de se subtrair aos pagamentos devidos.

O réu contestou, impugnando os factos em que a autora baseia a alegação de ter sido por falta de cooperação sua que não obteve a autorização de que dependia o pagamento de 318.00,00 €, e atribuindo às condições contratualmente estabelecidas natureza resolutiva (e não, como a parte contrária, suspensiva). Em reconvenção pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 261.777,78 € a título de redução do preço, acrescida de juros de mora desde a notificação da contestação, bem como indemnização pelos prejuízos resultantes da abertura do balcão com um atraso de mais de 3 meses, a liquidar em execução de sentença. Para tanto alegou que ao iniciar obras no interior da fracção deparou com a oposição do condomínio, que o contactou afirmando ser necessária a sua autorização, dependente da aceitação do respectivo projecto, prometido pela autora, e que tinha havido obras clandestinas na fracção, com ocupação e incorporação de partes comuns, antigamente destinadas a carvoeiras. Por isso, e a fim de conseguir a autorização do condomínio, celebrou com ele um acordo em 27.3.06 que envolveu a restituição da parte comum, com a área de 70 m2, ficando deste modo a fracção comprada como tendo a área de 315 m2 reduzida a 245 m2. Daí que o preço deva ser proporcionalmente reduzido, o que pede com base naquele que foi fixado na escritura.

Na réplica a autora defendeu a improcedência da reconvenção, alegando que vendeu a fracção tal como a adquiriu, nunca tendo tido conhecimento de qualquer ocupação de partes comuns, ocorridas há muitos anos sem oposição de ninguém. E afirmando que, se for condenada no pedido reconvencional, tem direito de regresso sobre quem lhe vendeu a fracção autónoma, requereu a intervenção acessória provocada de Se... – Sociedade de Empreendimentos Imobiliários e Urbanísticos, SA, e do condomínio do prédio.

Indeferido o chamamento do condomínio e deferido o da Se..., SA, esta contestou, alegando que também adquiriu a fracção no estado em que antes se encontrava ao Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Imorenda, gerido por ... - Gestão de Fundos de Investimentos, SA, sem ter feito obras ou alterações, e defendendo, por isso, a improcedência de qualquer direito de regresso sobre si. Pediu, por seu turno, a intervenção acessória provocada deste Fundo, que, citado, alegou ter igualmente adquirido a fracção no estado em que se encontrava, concluindo, assim, pela improcedência do reconhecimento de qualquer direito de regresso da autora.

Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Ambas as partes apelaram.

Por acórdão de 10/5/10 a Relação decidiu: 1º) Julgar a apelação da Autora parcialmente procedente; assim, alterou a sentença na parte em que esta julgara improcedente o pedido por não verificação da 2ª condição estipulada na escritura de compra e venda de 17.10.05, e condenou o réu a pagar à autora a quantia de 60.000,00 €, com juros de mora à taxa legal desde 31.3.06 até integral pagamento; 2º) Julgar improcedente a apelação do réu/reconvinte.

De novo inconformadas, autora e réu recorreram para o STJ.

A autora insiste na condenação do réu nos termos definidos na petição inicial; o réu, por seu turno, sustenta que deve ser absolvido do pagamento de 60.000,00 € decretado pela Relação e a autora condenada a pagar-lhe 261.177,78 €, com juros legais de mora desde a data da contestação/reconvenção.

Autora e réu apresentaram contra alegações, defendendo a improcedência do recurso da parte contrária.

Tudo visto, cumpre decidir.

II.

Fundamentação As conclusões úteis - úteis no sentido de aptas, se procedentes, a determinarem modificação mais ou menos extensa do acórdão recorrido - são, em resumo, as seguintes: Revista da Autora: 1ª) De diversa correspondência junta aos autos e em particular dos factos 1), 6) e 8) resulta, logicamente, que em caso algum a condição suspensiva do pagamento poderia conduzir ao não pagamento integral do preço de 1.1178.000,00 €; 2ª) Segundo a interpretação do contrato que se impõe à luz dos artºs 236º e 237º do CC, as condições suspensivas estabelecidas na escritura de 17/10/05 não poderiam nunca conduzir ao não pagamento do remanescente do preço, mas apenas, quando muito, ao atraso nesse pagamento (a ocorrer, em tal caso, quando as condições se verificassem ou estivessem reunidos os pressupostos equivalentes ao respectivo cumprimento); 3ª) Eram meramente indicativos os prazos constantes da escritura de 17/10/05 para a obtenção das autorizações do condomínio, já que ambas as partes sabiam que as condições acabariam por verificar-se, como veio a suceder e se retira do acordo que o réu celebrou com o condomínio em 27/3/06, junto a fls 178/180; 4ª) O réu agiu contra a boa fé porque congeminou uma actuação ao arrepio de toda a conduta anterior e logo em 5/12/05 comunicou à recorrente que iria tomar em mãos o processo de autorização do condomínio para a colocação de reclamos e alteração da fachada; 5ª) Ao proceder conforme se refere na conclusão anterior e ao comunicar a uma das condóminas que a recorrente já não o representava, o réu impediu-a de cumprir a condição respeitante ao pagamento de 378.000,00 €, que deve, assim, ter-se por verificada, nos termos do artº 275º, nº 2, do CC; 6ª) Caso não prevaleça o entendimento expresso nas precedentes conclusões deverá reconhecer-se que a desproporção entre o preço que as partes fixaram por acordo ao longo das negociações e o efectivamente pago traduz uma situação de abuso do direito (artº 334º do CC).

Revista do Réu: 1ª) A recorrida não alegou nem provou que tenha efectuado qualquer diligência para o cumprimento da segunda condição, ou que o recorrente, por qualquer forma, tenha obstaculizado essa sua actuação; 2ª) O acórdão recorrido conclui que o recorrente impediu a verificação da segunda condição, mas não que agiu de modo contrário à boa fé, como exige o artº 275º, nº 2, do CC, questão a respeito da qual é de todo omisso; 3ª) A situação ajuizada configura uma venda de bem parcialmente alheio, uma vez que a autora o vendeu como bem próprio, impondo-se, por isso, a aplicação do regime previsto no artº 902º do CC e, por remissão deste, do artº 292º do mesmo diploma; 4ª) Assim, estando provado que o negócio seria sempre concluído apesar da parte viciada, e uma vez que o recorrente, tendo comprado uma fracção com 315 m2 de área, a viu reduzida em 70 m2, deve ser-lhe restituído o valor de 261.777,78 €, correspondente à redução proporcional do preço.

Dado que as questões postas nas conclusões dos recursos são em grande medida comuns, vamos apreciá-los conjuntamente, para evitar repetições inúteis, e seguindo a ordem por que as sintetizámos, que é a lógica.

  1. Matéria de Facto 1) No seguimento de negociações, em 6/7/05, o réu apresentou à autora uma proposta de compra, pelo preço de 1.240.000€, da loja com cave e rés-do-chão, correspondente à fracção "B" do prédio situado em Lisboa, no gaveto da Praça de Londres, nº 3 a 3-E, com a Avenida de Roma, nº 2 a 2-E.

    2) Nessa proposta, o réu referia ser essencial para o Banco a obtenção, pela autora, da declaração de condóminos com a assinatura de pelo menos 2/3 da permilagem do prédio e correspondente a, pelo menos, 50% dos condóminos.

    3) Essa proposta adiantava ainda que era condição essencial a efectivação da escritura pública até ao dia 26/7/05.

    4) A declaração dos condóminos enviada pelo Banco réu à autora tinha a seguinte redacção: “Os condóminos abaixo identificados (...) declaram que autorizam o Banco ... S.A. (...) a executar na fracção autónoma designada pela letra "B" correspondente a Loja, e destinada a comércio, de acordo com as licenças que para o efeito obtiver, por sua conta e risco, sem prejuízo da segurança e estabilidade do prédio, as obras exteriores consideradas necessárias para instalar e desenvolver na mencionada fracção a sua actividade, de modo a manter a funcionalidade e imagem comercial actualizada, nomeadamente a adaptação das respectivas fachadas do edifício ao nível da referida fracção, substituição de vidros, colocação de caixilharias, pela colocação nos vãos da zona ocupada pela loja supra identificada de reclamos luminosos horizontais monoface e bifaces de seu nome e comércio, bem como a instalação de máquinas de operações bancárias, cofre nocturno, grelhas de ventilação e componentes do sistema de ar condicionado no local tido tecnicamente como mais adequado. Os condóminos signatários desde já manifestam vontade de que o conteúdo desta declaração...

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