Acórdão nº 01095/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução24 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) I. O PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO INFARMED e A…, identificado nos autos, recorrem jurisdicionalmente para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do TAF de Coimbra, de 10.03.2009 (fls. 483 e segs.) pela qual foi julgado parcialmente procedente o recurso contencioso interposto por B…, com os sinais dos autos, e, consequentemente, declarado nulo o despacho do ora 1º recorrente, de 22.04.1993, que, considerando caducado o direito da recorrente contenciosa ao alvará da Farmácia C…, sita na Golegã, atribuiu ao ora 2º recorrente, adquirente de uma oitava parte do estabelecimento à Farmacêutica D…, a totalidade da propriedade da referida farmácia e averbou o mesmo adquirente como seu proprietário e director técnico.

O Presidente do CA do INFARMED formula na sua alegação de recurso as seguintes conclusões: 1. Andou mal o Tribunal a quo ao declarar nulo o despacho recorrido de 22/04/1993, porquanto aquele não padece de vício de usurpação de poderes ou de violação de lei por violação do conteúdo essencial do direito de propriedade da Recorrida sobre a farmácia C….

  1. O n.º 1 da Base IV da Lei n.º 2125 prevê uma situação de transmissão da propriedade de farmácia mortis causa de farmacêutico a herdeiros não farmacêuticos ou não alunos em farmácia.

  2. O direito adquirido deve ser transmitido a terceiro farmacêutico no prazo de 2 anos, contados da abertura da sucessão ou do trânsito em julgado de processo de inventário obrigatório, porque os herdeiros do farmacêutico falecido não serão ou não poderão ser plausivelmente farmacêuticos e porque o interesse público subjacente à Lei n.º 2125 não consente delongas na atribuição definitiva da propriedade da farmácia.

  3. O n.º 4 da mesma Base apenas vem derrogar este princípio para tutela dos próprios herdeiros por a intransmissibilidade da farmácia não lhes ser imputável.

  4. Assim, a situação prevista no n.º 1 da Base IV da Lei n.º 2125 é a constituição, por transmissão mortis causa, de um direito de propriedade temporário na esfera jurídica dos herdeiros.

  5. Consequentemente, se os herdeiros não cumprirem ditames previstos naquele normativo, não só o próprio alvará caducará mas também se extinguirá o seu direito de propriedade temporário sobre a farmácia pelo decurso do tempo.

  6. Logo, podia a Autoridade Recorrida conhecer e invocar extrajudicialmente a caducidade do direito de propriedade dos herdeiros - cfr. artigos 333.º e 303.º do CC.

  7. Tal poder adviria ainda do próprio poder concedido por lei à Autoridade Pública para fiscalizar a propriedade das farmácias e apreender os alvarás caducos com vista à tutela do especial interesse público subjacente a todo o regime previsto na Lei n.º 2125 e, em especial, à definição definitiva, nos prazos previstos na lei, da titularidade da propriedade da farmácia.

  8. O prazo de caducidade previsto no n.º 1 da Base IV da Lei n.º 2125 não se conta da maioridade de menor herdeiro mas sim da data da homologação da partilha quando ocorra.

  9. Das Bases III e IV da Lei n.º 2125 resulta que é intenção clara da lei definir, dentro dos prazos aí prescritos, o proprietário definitivo da farmácia. As delongas que a lei aceita nessa definição estão expressamente nela previstas e são razoáveis.

  10. De outro modo, seria admitir indefinidamente situações de propriedade de farmácias por não farmacêuticos, contra as particulares características da propriedade da farmácia e os limites de interesse público a que as mesmas se sujeitam.

  11. A tutela dos menores, tal como qualquer outra situação de relevância jurídica, não deve ser tida por absoluta, podendo ceder em situações delimitadas.

  12. O fim da Base IV da Lei n.º 2125 não é tutelar menores mas sim, decorrido um período razoável para que os herdeiros assumam ou possam assumir a propriedade definitiva da farmácia, ou para que então, quando assim não possa suceder, a transmitam a terceiros, desencadear os mecanismos adequados para que se atribua a farmacêutico, imediatamente, a propriedade definitiva da farmácia.

  13. Pelo que também não pode aqui valer a tese segundo a qual o exercício do poder paternal ao abrigo do artigo 1889.º do CC é uma faculdade, nem pode a tese invocada na sentença recorrida ser alicerçada no artigo 329.º do CC, bem como, não pode aqui valer qualquer analogia com o n.º 4 da Base III da Lei n.º 2125, sob pena de se equipararem situações diferentes.

  14. Assim se conclui que a propriedade da Recorrida sobre a farmácia C… caducou em 1986.

  15. Pelo que o acto recorrido não é nulo por vício de usurpação de poder e por violação de lei por violação do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade da Recorrida, nos termos do artigo 133.°, n.º 2, alíneas a) e d) do CPA e dos artigos 47.°, 62.°, n.º 1, 69.°, n.ºs 1 e 2, 70.°, n.º 1, 202.° e seguintes e 266.°, n.º 1, todos da CRP, e 9.°, n.º 1 da LOFTJ, tal como a sentença recorrida lhe assaca.

    O recorrente A… formula na sua alegação de recurso as seguintes conclusões: I. Dizem as presentes alegações respeito ao recurso interposto por A….

    1. Com efeito, não pode o mesmo conformar-se com a decisão do Tribunal a quo na parte em que declara nulo o despacho do INFARMED de 22 de Abril de 1993, por este não padecer de vício de usurpação de poderes ou de violação do conteúdo essencial do direito de propriedade da Recorrida sobre a Farmácia C… porquanto, III. O prazo de caducidade previsto no n.º 1 da Base IV da Lei n.º 2125/65 não se conta da maioridade de menor herdeiro, mas sim da data da homologação da partilha, quando ocorra.

    2. Tal assim sucede porque o interesse público subjacente à Lei nº 2125/65 não permite demoras na atribuição definitiva da propriedade da farmácia.

    3. Desta forma, o que vem plasmado no n.º 1 da Base IV da Lei n.º 2125/65 é a constituição, por transmissão mortis causa, de um direito de propriedade temporário na esfera jurídica dos herdeiros.

    4. No seguimento do que dispõe aquele artigo, se não for cumprido pelos herdeiros o estipulado, não só o próprio alvará caducará mas também se extinguirá o seu direito de propriedade temporário sobre a farmácia pelo decurso do tempo a que estavam adstritos.

    5. O INFARMED tem o poder de fiscalizar a propriedade das farmácias e apreender os alvarás caducos com vista à tutela do especial interesse público subjacente a todo o regime previsto na Lei n.º 2125/65 e, em especial, à definição (definitiva), nos prazos previstos na lei, da titularidade da propriedade da farmácia.

    6. Resulta das Bases III e IV o propósito claro em definir, dentro dos prazos aí mencionados, qual o proprietário definitivo da farmácia, sendo que as únicas demoras que a lei aceita nessa qualidade estão expressamente previstas.

    7. Se assim não fosse, teríamos de acolher por tempo indeterminado situações relativas à propriedade de farmácias por quem não fosse farmacêutico.

    8. Admitir uma situação dessas choca gravemente contra as características peculiares da propriedade da farmácia, bem como com os limites de interesse público a que as mesmas se subordinam.

    9. O intuito da Base IV da Lei n.º 2125/65 não é tutelar menores mas sim definir um prazo razoável para que os herdeiros assumam ou possam assumir a propriedade definitiva da farmácia.

    10. Quando assim não aconteça, ou não possa ocorrer, devem transmitir a respectiva propriedade a terceiros, fazendo operar os procedimentos adequados para que a propriedade definitiva da farmácia seja entregue a farmacêutico.

    11. Desta forma, e para o caso em apreço, não pode imperar a posição que defende que o exercício do poder paternal ao abrigo do art. 1889.º do Código Civil é uma faculdade, da mesma forma que a sentença recorrida não pode ser fundamentada no art. 329.º do mesmo diploma.

    12. Bem como não pode aqui valer qualquer analogia com o n.º 4 da Base III da Lei n.º 2125, sob pena de se estar a equiparar situações totalmente diferentes.

    13. Assim se conclui que a propriedade da Recorrida sobre a Farmácia C… caducou em 1986 e que andou bem o INFARMED ao declarar a caducidade dos seus direitos, o que fez no exercício das suas competências legais em obediência ao principio da legalidade.

    14. Pelo anteriormente exposto, e ao contrário da sentença agora recorrida, o acto recorrido não é nulo por vício de usurpação de poder e/ou por violação do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade da Recorrida nos termos das alíneas a) e d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA e dos arts. 47.°, n.º 1 do art. 62.°, dos n.ºs 1 e 2 do art. 69º, n.º 1 do art. 70º, 202.º e seguintes e nº 1 do art. 266.° da CRP e n.º 1 do art. 9.° da LOFTJ.

    A recorrida B… apresentou as suas contra-alegações relativas ao recurso do INFARMED e ao recurso de A…, nos termos de fls. 612 e segs. e 686 e segs., respectivamente, em ambas terminando por pedir a confirmação da sentença por esta, ao declarar nulo o identificado despacho do Presidente do CA do INFARMED, ter, em seu entender, feito correcta administração da justiça.

    * A Ema Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu nos autos o seguinte parecer: “ (...) A sentença recorrida considerou nulo o acto contenciosamente impugnado, com fundamento na verificação dos vícios de usurpação de poder e de violação de lei por violação dos Direitos Fundamentais à propriedade privada, à especial protecção do Estado à Recorrente enquanto menor, e à livre escolha da profissão (art°s 62º, nº 1, 68º e 70º, nº 1 da Constituição).

    A nosso ver, tal como invocam os ora Recorrentes, os referidos vícios não se verificam.

  16. Quanto ao vício de usurpação de poderes A usurpação de poder é o vício que consiste na prática por um órgão da Administração de acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial (cfr. M. Caetano, "Manual de Direito Administrativo", vol. I, pág. 498, F. Amaral "Direito Administrativo", vol. III, pág. 295 e Acs. de 20.03.2003, Proc. n° 01280/02 e de 29.04.2003, Proc. n° 043/03).

    O despacho impugnado ordenou que se...

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