Acórdão nº 03059/00 de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução09 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 A "ADEGA COOPERATIVA ..., C.R.L" (adiante Impugnante ou Recorrida) impugnou judicialmente a liquidação de Imposto Especial de Consumo (IEC) sobre o Consumo de Bebidas Alcoólicas, do montante de esc. 648.800$00, que lhe foi efectuada pela Alfândega de Aveiro com fundamento na falta de comunicação, até ao 2.º dia útil seguinte ao da ocorrência, da perda de 965 litros de aguardente bagaceira nova.

Na petição inicial, a Impugnante alegou, em síntese e na parte que ora nos interessa No que respeita a outro fundamento da impugnação, a falta de fundamentação, a Impugnante conformou-se com a sentença recorrida.

(1), o seguinte: - «inexiste in casu a possibilidade de se haver constituído uma dívida aduaneira por incumprimento do disposto no nº 3 do Artº 28º do Dec.Lei nº 104/93 de 5 de Abril» As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.

(2) uma vez que, da leitura conjugada daquele preceito legal com o n.º 1 do art. 19.º do Decreto-Lei n.º 52/93, de 26 de Fevereiro, resulta que as perdas referidas naquele preceito (e que geram a obrigação de comunicação à estância aduaneira até ao 2.º dia útil seguinte ao da ocorrência) só podem ser as que se verificarem durante o transporte entre entrepostos fiscais; - ora, a perda verificada não ocorreu durante o transporte, mas quando a aguardente estava armazenada nas instalações da Impugnante; - ainda que assim não se considere, foi impossível à Impugnante determinar com exactidão o momento da ocorrência, uma vez que a perda ocorreu em virtude de uma pequena fenda no depósito onde a aguardente estava depositada e que «só foi detectada algum tempo depois de haver sido constatado que por baixo do depósito em questão havia alguma humidade que não fazia de modo algum prever que houvesse uma perda de 965 litros»; - porque «era absolutamente impossível determinar com exactidão o momento da ocorrência», também «impossível sempre seria à impugnante fazer qualquer comunicação»; - sem prescindir, a estar a Impugnante obrigada a comunicar a ocorrência, tal comunicação nunca lhe seria exigível antes de ter apurado a totalidade das perdas, o que só sucedeu em 30 de Novembro de 1995, pois para tal apuramento era imprescindível mudar a aguardente, o que a Impugnante só podia fazer desde que autorizada pela seguradora; - logo que, com a seguradora, apurou o montante das perdas, fez a pertinente comunicação à Estância Aduaneira.

1.2 O Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação impugnada.

Para tanto, considerou a Juíza do Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, em síntese, o seguinte: - a invocada perda de aguardente tem enquadramento legal no art. 14.º do Decreto-Lei n.º 52/93, de 26 de Fevereiro, cujo n.º 2 remete para o art. 1.º, n.º 2, do mesmo diploma e, este, para o Decreto-Lei n.º 104/93, designadamente para o art. 28.º, n.º 3; - assim, quando se verifique uma perda por caso fortuito, como no caso - em que houve ruptura do depósito por avaria do mesmo -, o depositário pode beneficiar da franquia por perda, desde que esta seja comunicada à estância aduaneira competente até ao 2.ºdia útil imediato ao da ocorrência, nos termos do referido n.º 3 do art. 28.º do Decreto-Lei n.º 104/93; - no entanto, este preceito «tem que ser entendido em termos razoáveis», pois «se o que ocorreu foi um tufão ou um incêndio, certamente nos dois dias úteis imediatos haverá que apanhar os escombros e começar a contabilizar as perdas»; «Assim, neste caso a única interpretação razoável do citado normativo é que a comunicação [se] deve fazer até ao 2.º dia útil imediato ao do apuramento das perdas. Só assim pode ser por duas ordens de razões, primeiro porque o legislador não pode obrigar o cidadão a cumprir obrigações impossíveis e, depois, porque esta comunicação tem como objectivo a manutenção rigorosa do controlo das existências dos entrepostos», finalidade que só é atingida através do apuramento das perdas e não da sua simples verificação; - assim, porque dos autos não consta qualquer elemento que permita concluir que a Impugnante podia e devia ter apurado mais cedo qual o volume de aguardente perdida e porque a comunicação à estância aduaneira foi efectuada até ao 2.º dia útil imediato ao do apuramento da perda, a impugnação judicial deve proceder.

1.3 A Fazenda Pública, através do seu representante junto do Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, veio interpor recurso dessa sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso que foi admitido e subiu imediatamente, nos próprios autos.

1.4 A Recorrente alegou e formulou as seguintes conclusões As alegações e respectivas conclusões foram rectificadas, sendo as que constam de fls. 127 a 135. (3): «1ª Não ficou provado, através de "prova documental irrefutável" que a alegada avaria no depósito da aguardente integra a noção de "caso fortuito ou de força maior" a que se refere o art. 14º do D.L. nº 52/93 de 26 de Fevereiro, aplicável às bebidas alcoólicas por remissão legal do art. 28º nº 1 do D.L. nº 104/93 de 5 de Abril.

2ª Tanto mais que a requerente admite, em requerimento a fls. 31, que calcula que a perda do líquido se terá iniciado a 4 de Outubro de 1995, sem ter tomado qualquer diligência para o evitar, deixando, pelo contrário, evoluir a situação até que tomasse os contornos de um sinistro, apenas comunicado à Alfândega no dia 5 de Dezembro do mesmo ano, ou seja, cerca de três meses depois.

3ª O que, à partida, parece difícil de integrar a noção comunitária de "caso fortuito ou de força maior", tal como foi por diversas vezes repetida pelo Tribunal de Justiça das Comunidades, em grande número de acórdãos, de que é exemplo o acórdão proferido no proc. 11/70 (International Handelgeselischaft), ou seja, «a noção de força maior "não se limita à impossibilidade absoluta, mas deve ser compreendida no sentido de circunstâncias anormais, estranhas ao operador, e cujas consequências só poderiam ser evitadas mediante sacrifícios excessivos, apesar de todas as diligências empregadas", o que parece, de todo, não ter acontecido no presente caso.

4a Todavia, não teve a Administração aduaneira a necessidade de iniciar o processo de apreciação dos factos face à referida excepção, mas tão só constatar que, para efeitos de benefício da franquia de imposto no âmbito do art. 28º do D.L. nº 104/93, onde se incluem os casos de força maior por força da remissão legal prevista no nº 1, não procedeu a recorrente ao cumprimento da comunicação prevista no nº 3 do referido artigo, a qual se aplica em qualquer caso, ou seja, para efeitos de benefício de qualquer franquia por perdas, fundamentando, em conformidade a respectiva liquidação.

5a Assim, ainda que se admitisse, sem conceder, provado o caso fortuito ou de força maior, não poderia a recorrente opor, como justificação ao cumprimento tardio da obrigação prevista no art. 28º nº 3 do D.L. nº 104/93, as suas obrigações contratuais assumidas com a seguradora "S..., S.A.", no sentido de não alterar ou remover os vestígios do sinistro, pois aquelas apenas são válidas no âmbito das respectivas relações bilaterais não podendo prevalecer ao cumprimento da lei (art. 280º Código Civil), nem às condições estabelecidas para benefício da excepção de caso...

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