Acórdão nº 86/2004-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SARMENTO BOTELHO |
Data da Resolução | 02 de Junho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO: (A) intentou contra Tate & Lyle (Portugal) - Importação e Exportação, L.da a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se declare que rescindiu o contrato de trabalho com justa causa e que se condene a R. a pagar-lhe a indemnização que se apurar até à data da sentença, a qual ascendia, à data da propositura da acção, a 4.910.240$00, e ainda os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou nomeadamente: - que foi admitida pela R. em 2 de Dezembro de 1981 mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado,; - que ultimamente auferia a retribuição mensal de 245.512$00, desempenhando as funções de chefe de escritório na sede da R. sita na Av. 5 de Outubro, n.º 204, 2.º andar, em Lisboa, local composto por dois apartamentos em bom estado de conservação, com uma área total de 96,6 metros quadrados, onde trabalhava desde 23 de Abril de 1993 e que distava apenas quatro quilómetros da sua residência, sita na Praça das Novas Nações, em Lisboa.
- que tal local era servido por múltiplos transportes públicos, com bons e diversificados equipamentos, permitindo-lhe dispensar a seu pai e à mulher deste a assistência diária de que estes necessitavam durante o intervalo para o almoço.
- que é casada e tem filhos e que toda a sua vida familiar se situa em Lisboa e que no início de 2000 teve conhecimento de que a R. iria mudar as instalações para Santa Iria da Azóia, no concelho de Loures e que, tendo visitado o novo local, verificou que se situava numa zona altamente poluída, no interior de um complexo industrial, num pequeno anexo de uma refinaria de açúcar, a cerca de 20 quilómetros da sua residência, que o espaço que lhe era destinado era constituído por uma pequena divisão com cerca de 14 metros quadrados que teria de partilhar com mais dois colegas e que, mesmo de carro, nunca demoraria menos de 60 minutos a fazer o trajecto casa-trabalho.
- Alega ainda que, depois de muito ponderar, concluiu que a transferência iria causar-lhe aumento significativo do tempo de trajecto casa-trabalho-casa, grave perturbação e desestabilização da sua vida familiar, agravamento significativo das condições de prestação do trabalho e aumento objectivo de factores lesivos da sua saúde e potenciadores de doenças, razões pelas quais não aceitou a transferência, tendo rescindido o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, comunicando a sua decisão por carta de 10 de Fevereiro de 2000, tendo os efeitos da rescisão sido deferidos por acordo para 10 de Abril de 2000.
*Regularmente citada em 14 de Fevereiro de 2001, a R. contestou, excepcionando a competência material do tribunal e a caducidade do direito de rescisão do contrato por parte da A. e, por impugnação, alegou designadamente: - que a autora era gerente da ré; - que a ré mantinha um pequeno escritório em Lisboa, pagando uma renda de 350.000$00, mas que pertence a um grupo de empresas que tem instalações próprias em Santa Iria da Azóia; - que a A. tem vindo a acompanhar todas as mudanças de instalações da R. e que tem um veículo da R. à sua disposição para uso profissional, com o qual se deslocava para o trabalho, sendo todas as despesas com manutenção e gasolina suportadas pela R.; - que de manhã e de tarde o percurso para o novo local não excederia os 25 minutos, uma vez que o fluxo principal de trânsito é feito em sentido contrário, sendo certo que a A., como gerente, não tinha horário de trabalho; - que a A. tem seis irmãos, todos eles com obrigação de acompanhar o pai e que a A. continuaria a ter a maior flexibilidade nessa situação, estando dispensada de comparecer quando tal apoio fosse urgente e inadiável; - que em termos de aquisição de medicamentos o problema não existe em virtude de existirem farmácias abertas até às 20 horas sem pagamento de qualquer taxa de serviço e que em termos de confecção de refeições a rotina de milhares de mulheres em Portugal é preparem-nas de manhã para o marido e para os filhos; - que a mudança correspondeu à transferência total do estabelecimento em que a A. prestava serviço, que o novo espaço de trabalho da A., com uma área de cerca de 15 metros quadrados era apenas destinado à A. e a outra funcionária, tinha janela para o exterior, não sendo exíguo, mal iluminado, nem afectado pelo ruído da fábrica ou pela poluição.
*A A. respondeu, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.
*Elaborado o despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de incompetência material, relegando-se para decisão final a qualificação do contrato e a apreciação da excepção de caducidade.
*A matéria de facto assente e a base instrutória foram fixadas sem reclamações.
*Procedeu-se a julgamento com o devido formalismo, tendo sido decidida a matéria de facto, também, sem reclamações.
* Foi oportunamente proferida sentença que julgou acção totalmente procedente e, em consequência, declarou que a A. rescindiu o contrato de trabalho com justa causa e condenou a R. a pagar à A. a indemnização no montante de 26.941,39 euros (vinte e seis mil novecentos e quarenta e um euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde 14 de Fevereiro de 2001.
* A Ré não se conformou com tal decisão e dela interpôs recurso de apelação, concluindo, assim: (...) B) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO QUESTÕES A DECIDIR: 1. Saber se há lugar à alteração da matéria de facto que vem fixada da 1.ª instância.
-
Saber se a Autora estava ligada à Ré por contrato de trabalho ou por simples mandato, enquanto gerente daquela.
-
Saber se o Tribunal do Trabalho era o competente, em razão da matéria, para o conhecimento da acção, em face da resposta que merecer a alínea anterior.
-
Saber se já tinha operado a caducidade para a A. rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa, caso se conclua pela existência deste contrato.
-
Saber se a A., ao rescindir unilateralmente o seu contrato de trabalho com a Ré, tem direito à indemnização prevista no n.º 2 do art.º 24.º da LCT (a fixar nos termos do n.º 3 do art.º 13.º da LCCT), face à factualidade que vier a ser fixada por este tribunal de recurso.
* *1. Da alteração da matéria de facto.
Pretende a recorrente, nas suas alegações de recurso que sejam alteradas as respostas aos quesitos 7.º e 8.º e que a matéria constante dos quesitos 14.º e 15.º não seja tida em consideração por ter natureza conclusiva e só poder ser provada por documentos, inspecção ou peritagem ao local.
Tais quesitos tinham a seguinte redacção e mereceram do tribunal as seguintes respostas: Quesito 8.º - Foi nos inícios de Fevereiro de 2000 que foi feita à Autora a comunicação a que se alude na al. I) da matéria de facto assente? - cfr. fls. 110.
Resposta: Provado - cfr. fls. 254.
Para melhor compreensão desta resposta ao quesito 8.º, reproduz-se, aqui, a al. I, da matéria de facto assente: «Foi comunicado pela Ré à Autora que se deveria apresentar nas novas instalações para aí prosseguir o desempenho das novas funções.» Quesito 9.º - Nessa comunicação referia-se que a Autora devia apresentar-se a partir de 31 de Março de 2000? Resposta: Provado - cfr. fls. 254.
No que respeita às respostas a estes dois quesitos os documentos particulares de fls. 207 a 212, não impugnados, não têm a virtualidade de poder alterar as mesmas, no sentido pretendido pelo recorrente, pois, como bem refere a M.ma Juiz do tribunal recorrido, não se pode concluir dos mesmos "que em 24/01/2000 (vd. "email" da A. ao Senhor (B) e resposta deste a fls. 207 a 212") a decisão da referida mudança de instalações estivesse decisivamente tomada (é o próprio (B) que fala ser essa uma das decisões tomadas ou a ser tomadas), embora dê para perceber que iria ser em breve tomada, como foi, nos inícios de Fevereiro seguinte".
É que, efectivamente, estamos perante duas realidades distintas: uma, o conhecimento pela Autora da mudança de instalações da Ré e que ela já conhecia quando envia o "email" acima referido ao Senhor (B), em 24/01/2000; a outra, o conhecimento, por parte dela, da data em que devia apresentar-se nas novas instalações, por comunicação da Ré, em inícios de Fevereiro de 2000, como vem provado.
Improcedem, assim, as pretendidas alterações às respostas aos quesitos 8.º e 9.º.
*Quesito 14.º - A zona onde se situam as novas instalações da Ré era altamente poluída sendo sinal dessa poluição um pó preto que habitualmente cobria casas e veículos? Resposta: Provado - cfr. fls. 255.
Quesito 15.º - Essa perigosa forma de poluição, com graves implicações para a saúde das pessoas era motivada não só pelos gases libertados pelos escapes dos inúmeros veículos pesados que aí circulavam, mas também e essencialmente, pelas emissões gasosas da própria refinaria, emissões essas que alegadamente não respeitavam os limites máximos legalmente permitidos e cujo desrespeito foi objecto de...
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