Acórdão nº 4477/2000.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALO SILVANO
Data da Resolução30 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I-A clausula de irrevogabilidade numa procuração tem que exprimir uma regulação de interesses que justifiquem tal vinculação, ou seja, tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, na qual o mandatário tem direito a uma prestação de que o mandante é devedor; II-Sendo concedidos poderes a representante para vender a si próprio ou a terceiro, pelo preço e condições que entender a parte que lhe pertence dos lotes a constituir ou dos prédios rústicos devidamente identificados que constituirão um loteamento, tudo conforme for mais conveniente para o cumprimento do contrato de urbanização e contrato promessa anteriormente outorgado, não existe abuso de representação se ele adquire para si um dos prédios.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça: 1-Relatório AA e marido, BB, intentaram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra: 1º) CC, 2º) Sociedade DD de Arquitectura,3ºs)EE, FF, GG, HH e esposa, II, JJ e marido, KK ,LL e esposa, MM, NN e marido, OO, PP e esposa, QQ;4º) RR do Minho;5º) SS, Formulando em 29 items pedidos (fls.64 a 67 e 221/222),que se resumem, em síntese, no seguinte: - Se condenem os 1º, 2º e 3ºs réus a distratar a escritura de compra e venda outorgada em 20/5/96 e que constitui fls 112 a 116 dos autos e a reconhecerem o seu direito de preferência, enquanto comproprietários de 3/64 do prédio descrito na CRP de Braga sob o nº0000000, na venda dos restantes 61/64 de que são titulares sua mãe e irmãos, agora 3ºs réus; - Se condene o réu CC a indemnizá-los por montante equivalente ao preço dos lotes por ele vendidos a terceiros de boa fé, em valores actualizados, bem como em quantia idêntica ao valor do lote mais pequeno do loteamento, por danos morais e materiais sofridos pelos autores; - Se condene ainda o mesmo réu CC a restituir-lhes todos os lotes do “Loteamento Dª TT”, à excepção dos que tiverem sido vendidos a terceiros de boa fé e se ordene o cancelamento do registo a favor do mesmo réu da aquisição daqueles lotes de terreno; - Se declare ineficaz o contrato-promessa que constitui fls 81 a 85 dos autos; - Se declare nula a doação feita em 26/5/99 pelo primeiro réu ao Município de Braga de uma parcela de terreno com 34.532m2 e a subsequente doação feita pela mesma autarquia a favor do RR do Minho e se condene este réu a “largar mão, em favor dos autores, do prédio descrito na CRP de Braga sob o nº00000, ordenando-se também o cancelamento do registo de tais doações.

Alegam para tal que o primeiro réu promoveu a execução de um loteamento e interveio nos actos cuja anulação e ineficácia agora reclamam, sem ter poderes para tal e à revelia do propósito subjacente ao contrato-promessa de 26/5/93 de fls 81 e segs, por todos acordado.

Em contestação o réu RR do Minho alegou que a doação do terreno foi uma contrapartida da aprovação do loteamento e, de qualquer modo, traduz o cumprimento da vontade do anterior dono, Dr. FF, falecido marido da ré NN e pai da autora e dos restantes terceiros réus.

No mais, impugna a existência de qualquer vício dos actos visados pelos autores e conclui pugnando pela improcedência da acção.

Na sua contestação a ré RR pediu a improcedência da acção, dizendo ser alheia a qualquer controvérsia sobre a propriedade do terreno que lhe foi doado pelo promotor do loteamento, tendo-se limitado a conferir os pressupostos formais e substanciais do seu licenciamento, emitindo o necessário alvará, após tal verificação.

Os 3ºs réus contestaram arguindo a ilegitimidade activa dos autores, por preterição de litisconsórcio necessário, bem como a caducidade do direito à pretendida anulação da escritura de 20 de Maio de 1996, por ter decorrido mais de um ano desde que os autores tiveram conhecimento de tal negócio.

E alegaram ainda que a escritura impugnada de 20/5/96 foi outorgada pelo réu CC, em representação dos autores por estes lhe terem conferido poderes para tal, através da procuração de fls 90 a 92, passada na mesma data em que foi feito o aditamento ao contrato-promessa de 26 de Maio de 1993 (fls 81 a 85) e após terem recebido a quantia de 7.800.000$00, prevista em tal aditamento e que posteriormente, em 5/6/98,os autores receberam o montante de 20.500.000$00, voltando a reafirmar que consideravam integralmente cumprido o contrato-promessa (e aditamento), o que significa que foram os próprios autores que atribuíram ao primeiro réu os necessários poderes para os actos em que ele interveio em sua representação, maxime, na escritura de 20 de Maio de 1996.

Alegaram ainda os 3ºs réus que o contrato-promessa de 1993 tem vindo a ser integralmente cumprido pelos outorgantes, apenas tendo sido alterados, com o acordo de todos, alguns procedimentos a fim de os ajustar às finalidades visadas pelas partes.

Houve réplica dos autores respondendo à matéria das excepções e ampliaram o pedido formulado na petição, pela forma constante de fls 396 a 398-2º volume.

Na tréplica (fls.417 e 428 e ss) apresentada, os réus sustentaram a incompetência absoluta do tribunal comum para conhecimento da matéria atinente à ampliação do pedido operada na réplica.

No despacho saneador (fls. 690 a 703-4º volume) decidiu-se da incompetência em razão da matéria para conhecer os pedidos formulados contra a ré RR, incluindo os da ampliação formulada na réplica, de várias outras questões processuais e decidiu-se também do mérito da acção julgando-se a mesma improcedente.

Dessa decisão foi interposto recurso para a Relação onde se confirmou a sentença de 1ª instância, tendo vindo a ser interposto recurso para este Supremo Tribunal, que decidiu anular esta decisão e ordenado a selecção da matéria de facto a fim de os autos prosseguirem seus termos.

Após instrução dos autos e julgamento veio a ser proferida sentença, vindo a acção a ser julgada improcedente e os réus absolvidos dos pedidos.

Inconformados com o decidido, apelaram os autores (sendo na Relação apreciados também os agravos pendentes ) vindo na Relação a ser confirmada a sentença proferida em 1ª instância.

Deste acórdão vieram os autores interpor recurso admitido como de revista para este Supremo Tribunal, onde formulam as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso: A- Impugna-se a decisão proferida nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães; B- No texto e na alínea VI da síntese final do acórdão da Relação, a única frase de 24 linhas em que constam os poderes da procuração foi amputada da parte final em que constam as instruções da representada; C- O uso dos poderes gerais para vender imóveis ficou subordinado ao cumprimento do contrato de 26/05/1993; D- Assim sendo, os poderes da procuração têm que ser enquadrados no âmbito desse contrato de 26/05/1993; E- O procurador apenas recebeu poderes gerais para vender porque a procuração, como nela consta, só podia ser usada com uma finalidade: o cumprimento do contrato de 26/05/1993; F- Não obstante, o procurador usou esses poderes para uma finalidade oposta às instruções da mandante: impedir o cumprimento do contrato de 26/05/1993; pelo que abusou dos poderes; G- Tal abuso foi praticado conscientemente e com conhecimento dos restantes Réus; H- O procurador violou uma primeira condição suspensiva que tinha sido estabelecida na Cláusula Oitava do contrato de 26/05/1993 quando praticou actos de disposição de bens antes da emissão do alvará de loteamento em nome dos Autores e dos 3ª a 10° Réus; I- O procurador violou outra condição suspensiva estipulada, também, na Cláusula Oitava quando procedeu à cessão da posição contratual da S.... DD para ele próprio, antes da emissão do referido alvará e sem o consentimento dos Autores, que foram os contraentes-cedidos; J- E, ao transferir para a sua própria esfera jurídica o loteamento violou outra condição suspensiva porque ele é um terceiro na qualidade de pessoa singular.

K - Com efeito, quer ao aceitar o contrato de mandato acordado com os Autores quer ao assinar o contrato de 26/05/1993, o Réu CC age na qualidade de representante orgânico da S.... DD.

L- Ao interpretar o texto da procuração e do aditamento a Relação violou o nº 2 do artigo 236 do Código Civil pois não teve em conta, na decisão proferida, que o mandatário conhecia a vontade real da mandante, claramente expressa na parte final do Aditamento e da Procuração que consistia em conferir poderes genéricos para vender desde que essas disposições de bens fossem feitas SE e QUANDO o contrato de 26/05/1993 as autorizasse.

M- Ao interpretar o disposto no artigo 258 do Código Civil no sentido de que basta averiguar a natureza dos poderes formais para se decidir pelo abuso, ou não, dos poderes representativos, a Relação violou esta disposição legal, pois não teve em conta, na decisão que a expressão, nela contida, de 'limites dos poderes' integra as noções de poderes formais e de instruções decorrentes do contrato de mandato subjacente.

N- Participam-se ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça os indícios de fraude fiscal pois o procurador ao proceder àquilo a que ele apelida de "alterações ao contrato inicial' , e ao adquirir um terreno rústico, quando o...

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