Impugnação com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas63-75

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O interessado tem o direito de impugnar de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei. 138

Ora, além de outros, podem ser lesivos:

- a determinação da matéria tributável por métodos indirectos quando não dê lugar a liquidação do tributo

e

- o indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial, de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liquidação.

Não podia deixar de ser assim, postados que estamos num Estado de Direito.

Já iremos ao concreto, adiando tão-só para deixar vincado que esta possibilidade de recurso à impugnação deriva em directo da actual Constituição da República Portuguesa.

A qual confere aos cidadãos uma gama de direitos e garantias.

Particularmente ao nível dos administrados e, com mais acento concreto, dando-lhes para uso este preceito tão a calhar quanto à apreciação da aplicação de métodos indirectos:

«Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.» Page 64

Posta esta pequena introdução de carácter generalista, enfronhemo-nos em seguida no desenvolvimento da matéria que encima o presente número.

E, dir-se-á:

salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto recurso hierárquico 139 com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável. 140

O contribuinte apresentou as suas declarações de rendimentos/despesas, mas o Fisco entende alterá-los sob os termos já considerados nos números anteriores do presente trabalho.

Contudo o sujeito passivo não acata as alterações ou correcções de natureza quantitativa da lavra da Administração Tributária. 141

E então?

Recorre à impugnação. 142

Porque, já foi dito, o contribuinte ora impugnante detectou erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos. 143

E, queda-se por aqui a viabilidade da impugnação judicial?

Não se lhe poderá ancorar outro caso que não caia nas hipóteses enunciadas?

Parece que sim.

E quem o admite é a parceria Alfredo Sousa/José Paixão 144

Por exemplo, ilegalidade, resultante da incompetência material da entidade que determinou a avaliação indirecta.

Neste caso, não será de exigir, a prévia apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até porque, face ao n.º 14 do art. 91.º da LGT, ele não seria admissível.

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Esta «outra ilegalidade» como fundamento de impugnação tem assento no n.º 2 do preceito em anotação 145 e no n.º 4 do art. 86.º da LGT, mais abrangente do que o n.º 5, que é relativamente a ele uma restrição (qualquer ilegalidade de avaliação indirecta).

Esta «outra ilegalidade» levará à anulação da «avaliação indirecta» e à consequente anulação da liquidação.

Todavia, se o impugnante ou a Fazenda Nacional apresentarem pareceres periciais, conducentes à mesma quantificação da matéria colectável ou a quantificação inferior, e o juiz decidir em conformidade - por ter ordenado, até, «novas diligências de prova» -, a liquidação impugnada será mantida ou anulada parcialmente.

Se o juiz concluir pela dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário e, consequentemente, da matéria colectável efectuada por métodos indirectos, anulará o acto impugnado, a menos que tenha ocorrido a situação prevista no n.º 2 do art. 100.º.

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Será tempo agora de se enunciarem e comentarem algumas vertentes, princípios e particularidades no caso específico da impugnação.

Se o contribuinte segue a via impugnativa ponto é que lhe conheça as traves- -mestra.

E, desde logo, ter-se-á que atentar que o direito de impugnação não é renunciável, em princípio.

A irrenunciabilidade bem se justifica não fosse privar-se o contribuinte do direito fundamental que a este deve ser atribuído de tutela e recurso sobre os actos da Administração Tributária.

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Não obstante, a obstaculização à renúncia não é intransponível.

Casos existem em que a renúncia é admissível.

De pronto, assinalemos o já lá para trás mencionado caso tirado do n.º 4, do art. 86.º da L.G.T., com esta redacção:

«Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, 147 pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.» 148

Uma outra hipótese é a contemplada por José Casalta Nabais, 149 assim: «são situações em que se poderá falar da existência de verdadeiros contratos fiscais que são firmados entre o contribuinte e o Fisco e que lhe são propostos, de uma forma geral e abstracta pela lei e cuja consumação depende sempre do seu acordo expresso». 150

Como a exposição já vai algo pesada, antes de com a mesma continuar, seja-nos permitido aligeirar o texto, fazendo aqui e agora entrar uma anedota 151 e que é esta: o direito de impugnar ou de recorrer contenciosamente implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo e a possibilidade da sua execução.

O que encontrando-se consignado na Lei Geral Tributária, 152 mais não é que emanação deste dispositivo da nossa lei fundamental:

«Artigo 20.º Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

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2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»

Quem está aí que acredite?!

E se houver algum ingénuo, a realidade quotidiana se encarregará de o chamar à nudez crua da verdade.

Por nós, bastará olhar ao redor para se concluir pelo desmentido constante da celeridade da justiça. 153

Logo no tratamento, como na decisão da impugnação, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer. 154

Aqui temos, em toda a pujança o princípio do inquisitório ou da investigação: poder de ordenar as diligências que o tribunal entenda por necessárias e úteis à descoberta da verdade.

Para que aquele princípio não se fique pelo mero voto, é conferido ao órgão julgador força bastante para obrigar os particulares a prestar colaboração adentro do previsto e nos limites da lei de processo civil.

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Pois é:

«Artigo 519.º 155

Dever de cooperação para a descoberta da verdade

1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado,...

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