Acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2009, de 17 de Junho de 2009

Acórdáo do Tribunal de Contas n. 1/2009

FJ/25.MAI/PG

Recurso extraordinário n. 01/2009

(processos de fiscalizaçáo prévia n.os 957 e 962/2008)

I - Relatório

I.1 - Pelo Acórdáo n. 19/08 -16.Dez. -1.ªS/PL, proferido no processo de recurso ordinário n. 27/2008, a

  1. Secçáo do Tribunal de Contas confirmou a decisáo impugnada nesse recurso, recusando o visto a dois contratos de empréstimo celebrados entre o município de Alfândega da Fé e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Terra Quente, C. R. L.

Através destes contratos, registados como processos de fiscalizaçáo prévia n.os 957 e 962/2008, a instituiçáo de crédito identificada havia concedido ao município financiamentos no montante de € 561 907,00 e € 469 076,00 (total de € 1 030 983,00), pelo prazo de 15 anos.

I.2 - O Ministério Público veio interpor recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência do referido Acórdáo n. 19/08 -16.Dez. -1.ªS/PL, alegando que o mesmo consagrou uma soluçáo jurídica oposta à que foi perfilhada no Acórdáo n. 17/08 -9.Dez -1.ªS/PL.

I.3 - Alegou, em síntese, o recorrente que pelo Acórdáo n. 19/08 -16.Dez. -1.ªS/PL o Tribunal recusou o visto aos contratos de empréstimo, com fundamento em que o município se encontrava, à data da celebraçáo dos mesmos, numa situaçáo de «excesso» de endividamento líquido, enquanto que pelo Acórdáo n. 17/08 -9.Dez. -1.ªS/PL o Tribunal havia concedido o visto a situaçóes idênticas, por considerar que, nessa data, existia uma mera probabilidade de haver «excesso» de endividamento líquido, só podendo o Tribunal decidir com base numa certeza jurídica da verificaçáo desse excesso, impossível de prever no momento em causa.

Considerou, assim, o Ministério Público que se verificou oposiçáo de julgados, ao terem sido adoptadas, nos arestos referidos, soluçóes jurídicas opostas sobre a mesma questáo fundamental de direito: a de saber qual o momento relevante para aferiçáo do eventual excesso de endividamento líquido, previsto no n. 1 do artigo 37. da Lei das Finanças Locais (1).

I.4 - Notificado o município de Alfândega da Fé para se pronunciar, nos termos do artigo 99., n. 2, aplicável por força do artigo 101., n. 3, da Lei de Organizaçáo e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (2), veio o mesmo referir que subscrevia, na íntegra, os fundamentos da petiçáo de recurso apresentada pelo Ministério Público, aos quais aderiu.

I.5 - O procurador -geral -adjunto junto do Tribunal de Contas, notificado para o efeito previsto no n. 2 do artigo 102. da LOPTC, emitiu parecer no sentido da existência da oposiçáo de julgados, da prevalência dos fundamentos de recusa do visto constantes do Acórdáo recorrido e da fixaçáo de jurisprudência nos seguintes termos:

A - De harmonia com as disposiçóes conjugadas dos artigos 35., 36., 37., 38. e 39. da Lei n. 2/2007, de 15 de Janeiro (LFL), todos os municípios podem aceder ao crédito de curto, médio e longo prazo, quer para acorrer a dificuldades de tesouraria, quer para investimentos, devendo estes encontrar -se bem identificados no respectivo contrato.

B - Para além do limite geral a tais empréstimos, estabelecido pelo artigo 39. da LFL, nenhum município poderá aceder a empréstimos de médio e longo prazo (para investimentos), desde que se encontre em situaçáo de ultrapassagem do respectivo limite de endividamento líquido (limite especial), calculado de harmonia com o disposto no artigo 36. da LFL.

C - Esta soluçáo é imposta pelo disposto na parte final do n. 6 do artigo 38. e na parte final do disposto no n. 6 do artigo 39. da LFL - os quais devem ser conjugados com o disposto no artigo 37. do mesmo diploma legal.

D - A verificaçáo da ocorrência de uma tal situaçáo deverá ter lugar por aplicaçáo das regras impostas pelo artigo 36. da LFL com referência simultânea ao termo do exercício anterior ao do ano de celebraçáo do contrato de empréstimo e ao momento exacto em que este teve lugar - que é o momento determinante do regime legal aplicável.

I.6 - Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sáo as seguintes as questóes a resolver:

1) Se existe oposiçáo de julgados que justifique a fixaçáo de jurisprudência;

2) Em caso afirmativo, qual o sentido da jurisprudência a fixar;

3) Se a jurisprudência fixada determina a alteraçáo da decisáo tomada pelo Acórdáo recorrido.

II - Da existência da oposiçáo de julgados

II.1 - Pressuposto do recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência. - No que à 1.ª Secçáo do Tribunal de Contas diz respeito, e nos termos do disposto no artigo 101., n. 1, da LOPTC, é pressuposto do recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência que tenham sido proferidas no plenário da 1.ª Secçáo, em processos diferentes, duas decisóes, em matéria de concessáo ou recusa de visto, que, no domínio da mesma legislaçáo, e relativamente à mesma questáo fundamental de direito, assentem sobre soluçóes opostas.

No caso, foram proferidos dois Acórdáos (os Acórdáos n.os 17/08-9.Dez.-1.ªS/PL e19/08-16.Dez.-1.ªS/PL),ambos aprovados em plenário da 1.ª Secçáo, em processos

3770 diferentes, tendo o primeiro concedido o visto a contratos de empréstimo celebrados pelo município de Gouveia e o segundo recusado o visto a contratos de empréstimo outorgados pelo município de Alfândega da Fé. Como também determina o n. 1 do referido artigo 101., o recurso foi interposto da decisáo proferida em último lugar.

Resta, entáo, apurar se esses Acórdáos foram proferidos no domínio da mesma legislaçáo e se integram soluçóes opostas relativamente à mesma questáo fundamental de direito.

II.2 - Do Acórdáo fundamento. - Em 9 de Dezembro de 2008, o plenário da 1.ª Secçáo decidiu, por maioria, conceder o visto a três contratos de empréstimo celebrados entre o município de Gouveia e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vila Nova de Tazem, C. R. L., destinados ao financiamento de investimentos, revogando a decisáo de recusa de visto proferida em 1.ª instância.

A decisáo de 1.ª instância (3) havia considerado que os dados constantes do processo evidenciavam que o município de Gouveia apresentava, à data da decisáo, um excesso de endividamento líquido (4), e que os montantes em causa e os dados financeiros disponíveis nos processos náo permitiam perspectivar que, até final do ano, houvesse probabilidade de eliminaçáo desse excesso e de criaçáo de saldo positivo suficiente para suportar o endividamento resultante dos empréstimos.

Náo existindo norma legal que permitisse excepcionar os empréstimos em causa de cumprir e relevar para o limite de endividamento líquido, a contrataçáo dos mesmos violava, assim, o disposto no n. 1 do artigo 37. da Lei das Finanças Locais.

No Acórdáo em causa foi proferida uma declaraçáo de voto do seguinte teor:

[...] votei a decisáo com fundamento, além do mais, no facto de o município de Gouveia apresentar um excesso de endividamento líquido, em 31 de Dezembro de 2007 (5), náo consentido pelo artigo 37., n. 1, da Lei n. 2/2007, de 15 de Janeiro.

Interposto recurso, o Ministério Público deu parecer desfavorável ao seu provimento, por entender que a decisáo de recusa de visto deveria ser mantida, atendendo a que náo estava «comprovado que este município possa, em caso algum, ver restabelecido o seu limite máximo de endividamento líquido em 31 de Dezembro deste ano - o qual se encontrava ultrapassado já em 31 de Dezembro de 2007 e assim se manteve durante o ano de 2008, designadamente à data da contracçáo dos empréstimos, náo estando previstas receitas suficientes para, até final do exercício (6), tal situaçáo ficar devidamente sanada, através da reposiçáo do limite [...]».

No Acórdáo n. 17/08 -9.Dez. -1.ª S/PL, que culminou a decisáo do recurso, veio a considerar -se que o disposto no n. 1 do referido artigo 37. determina que o montante do endividamento líquido total de cada município e, consequentemente, o seu excesso, se afere no final de cada ano económico, e que só com os elementos contabilísticos aferidos a 31 de Dezembro de cada ano - no caso dos autos, a 31 de Dezembro de 2008 - se pode ter a certeza jurídica de que um município excedeu o seu limite de endividamento líquido total.

Considerou o Acórdáo que, aquém dessa data, o único juízo possível é um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança, que, mesmo que sério, náo é suficiente para fundamentar uma recusa de visto, nos termos da alínea b),

segunda parte, do n. 3 do artigo 44. da LOPTC (violaçáo directa de norma financeira). Isto porque, para que se possa concluir pela existência de um fundamento de recusa de visto, é necessário que o julgador tenha a certeza jurídica da existência de tal ilegalidade.

Concluiu -se, assim, no aresto, que a decisáo recorrida havia baseado a recusa de visto numa mera probabilidade de que o município de Gouveia iria ter, em 31 de Dezembro de 2008, excesso de endividamento líquido, e náo numa certeza jurídica, tendo, por isso, incorrido num erro de interpretaçáo do disposto no n. 1 do artigo 37. da Lei das Finanças Locais.

Em consequência, julgou -se procedente o recurso e decidiu -se conceder o visto aos contratos.

Como já se referiu, o Acórdáo fundamento foi aprovado por maioria. Efectivamente, um dos juízes que participou no colégio votou vencido, com a seguinte declaraçáo de voto:

Votei vencido, por considerar que o recurso náo merece provimento, revendo -me integralmente nos fundamentos constantes da decisáo recorrida, sendo de salientar que, no âmbito da fiscalizaçáo prévia, a fim de se aferir se foram excedidos os limites de endividamento a que alude o n. 1 do artigo 37. da Lei das Finanças Locais, deverá ter -se em conta a situaçáo que se apurar aquando da apreciaçáo do instrumento gerador da dívida (7)

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II.3 - Do Acórdáo recorrido. - Em 16 de Dezembro de 2008, o plenário da 1.ª Secçáo decidiu, por maioria, recusar o visto a dois contratos de empréstimo celebrados entre o município de Alfândega da Fé e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Terra Quente, C. R. L., igualmente destinados ao financiamento de investimentos, assim confirmando...

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