Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/2009, de 04 de Maio de 2009

Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 135/2009

Processo n. 776/08

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional.

I - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82. da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n. 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciaçáo e a declaraçáo, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 175., n. 4, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto -Lei n. 114/94, de 3 de Maio, na redacçáo dada pelo Decreto -Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao arguido náo é consentido, na fase de impugnaçáo judicial da decisáo administrativa que aplicou a sançáo acessória de inibiçáo de conduzir, discutir a existência da infracçáo.

Aduz o requerente que a referida interpretaçáo normativa foi, no âmbito da fiscalizaçáo concreta da constitucionalidade, julgada materialmente inconstitucional, por violaçáo dos artigos 20., n.os 1 e 5, e 268., n. 4, da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), através do Acórdáo n. 45/2008 e das decisóes sumárias n.os 295/2008 e 306/2008.

2 - Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54. e 55., n. 3, da LTC, o Primeiro -Ministro, em resposta, ofereceu o merecimento dos autos.

3 - Debatido o memorando apresentado pelo presidente do Tribunal, nos termos do artigo 63. da LTC, e fixada a orientaçáo do Tribunal, procedeu -se à distribuiçáo do processo, cumprindo agora formular a decisáo.

II - Fundamentaçáo

4 - Náo se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 281., n. 3, da CRP e

82. da LTC, tendo o Tribunal Constitucional julgado inconstitucional a interpretaçáo normativa em causa nas três decisóes identificadas pelo requerente - Acórdáo n. 45/2008 e decisóes sumárias n.os 295/2008 e 306/2008 - , juízo esse que, aliás, foi igualmente formulado nas decisóes sumárias n.os 208/2008, 243/2008, 320/2008, 333/2008, 351/2008, 384/2008, 389/2008, 508/2008 e 510/2008, sendo idêntico o critério normativo julgado inconstitucional em todas elas, apesar de, nalguns casos, serem diversos os preceitos legais a que tal critério foi reportado (a decisáo sumária n. 208/2008 foi reportada aos artigos 172., n. 5, e 175., n. 4, a decisáo sumária n. 320/2008 apenas ao artigo 172., n. 5, as três últimas aos artigos 172., n. 5, 173., n. 1, e 175., n. 4, e as restantes exclusivamente ao artigo 175., n. 4, todos do Código da Estrada).

5 - Na sua redacçáo originária, o Código da Estrada vigente, aprovado pelo Decreto -Lei n. 114/94, de 3 de Maio, permitia o pagamento voluntário das coimas pre-vistas para as contra -ordenaçóes nele definidas, pagamento que seria feito pelo mínimo da coima aplicável (artigo 154., n. 1) e que «implica[va] a condenaçáo do infractor na sançáo acessória correspondente, também pelo mínimo, sem prejuízo do disposto nos artigos 143., 144. e 145.» (artigo 154., n. 2), que, respectivamente, possibilitavam a dispensa da sançáo acessória (tendo em conta as circunstâncias da mesma e o facto de o condutor ser infractor primário ou náo ter praticado qualquer contra -ordenaçáo grave ou muito grave nos últimos três anos - artigo 143.), a sua atenuaçáo especial (com reduçáo para metade da sua duraçáo mínima e máxima, tendo em conta os mesmos factores - artigo 144.) ou a suspensáo da sua execuçáo (verificando -se os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensáo da execuçáo das penas - artigo 145.). O procedimento para aplicaçáo das sançóes era regulado no artigo 155., que previa que, antes da correspondente decisáo, as pessoas interessadas fossem notificadas dos factos constitutivos da infracçáo e das sançóes aplicáveis (n. 1), sendo, «quando possível, o interessado [...] notificado no acto de autuaçáo, mediante a entrega de um exemplar do auto de notícia, donde conste a possibilidade de pagamento voluntário pelo mínimo e suas consequências quanto à sançáo acessória, prazo e local para pagamento voluntário e para apresentaçáo de defesa»

(n. 2), devendo os interessados, no prazo de 15 dias a contar da notificaçáo, apresentar a sua defesa por escrito ou proceder ao pagamento voluntário (n. 3), dispondo o subsequente n. 4 que: «Os interessados que procedam ao pagamento voluntário da coima náo ficam impedidos de apresentar a sua defesa para efeitos do disposto nos artigos 143., 144. e 145.», ou seja, para efeitos de alcançar a

dispensa de aplicaçáo da sançáo acessória, a sua atenuaçáo especial ou a suspensáo da sua execuçáo.

Das alteraçóes ao Código da Estrada introduzidas pelo Decreto -Lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, resultou que, continuando a admitir -se o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo (artigo 153., n. 1), esse pagamento «determina o arquivamento do processo, salvo se a contra -ordenaçáo for grave ou muito grave, caso em que prossegue restrito à aplicaçáo da inibiçáo de conduzir» (n. 4 do artigo 153.). O artigo 155. passou a dispor que, «antes da decisáo sobre a aplicaçáo das sançóes, os interessados devem ser notificados:

a) Dos factos constitutivos da infracçáo;

b) Das sançóes aplicáveis;

c) Do prazo concedido para a apresentaçáo de defesa e o local;

d) Da possibilidade de pagamento voluntário da coima pelo mínimo, bem como do prazo e do local para o efeito, e das consequências do náo pagamento» (n. 1), podendo os interessados, no prazo de 20 dias a contar da notificaçáo, apresentar a sua defesa ou proceder ao pagamento voluntário (n. 2), dispondo o subsequente n. 3 que: «Os interessados que procedam ao pagamento voluntário da coima náo ficam impedidos de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracçáo e à sançáo de inibiçáo de conduzir aplicável».

O Decreto -Lei n. 265 -A/2001, de 28 de Setembro, relativamente aos preceitos em causa, limitou -se a transferir para o n. 5, sem alteraçáo de redacçáo, o n. 4 do artigo 153.; a acrescentar, no n. 1 do artigo 155., a exigência da mençáo à «legislaçáo infringida» [nova alínea b), tendo transitado as anteriores alíneas b), c) e d) para as novas alíneas c), d) e e)] na notificaçáo que deve ser feita ao arguido «após o levantamento do auto»; e, no n. 3 do artigo 155., a substituir a expressáo «interessados» por «arguido» («O arguido que proceda ao pagamento voluntário da coima náo fica impedido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracçáo e à sançáo de inibiçáo de conduzir aplicável»).

Finalmente, o Decreto -Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro, transferiu para os artigos 172. e 175. a matéria anteriormente regulada nos artigos 153. e 155., dispondo agora o n. 5 do artigo 172. que «o pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra -ordenaçáo for aplicável sançáo acessória, caso em que prossegue restrito à aplicaçáo da mesma» e o n. 4 do artigo 175. que «o pagamento voluntário da coima náo impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracçáo e à sançáo acessória aplicável».

Apesar de as normas referidas (artigos 154. e 155. da versáo originária, artigos 153. e 155. das versóes de 1998 e de 2001 e artigos 172. e 175. da versáo de 2005) estarem inseridas na regulamentaçáo da fase administrativa do procedimento contra -ordenacional em causa e, portanto, a «defesa» neles referida respeitar à defesa apresentada pelo arguido perante a autoridade administrativa competente para proferir a decisáo sancionatória, o certo é que a restriçáo desta defesa, primeiro, para os «efeitos do disposto nos artigos 143., 144. e 145.» (ou seja, para efeitos de alcançar a dispensa de aplicaçáo da sançáo acessória, a sua atenuaçáo especial ou a suspensáo da sua execuçáo) e, desde 1998, «à gravidade da infracçáo e à sançáo de inibiçáo de conduzir [ou sançáo acessória] aplicável» tem sido jurisprudencialmente entendida - como se demonstrou no

2514 Acórdáo n. 45/2008, com referência a diversas decisóes de tribunais de relaçáo - como implicando também uma restriçáo da defesa que o arguido pretenda deduzir perante os tribunais, no âmbito da impugnaçáo judicial da decisáo administrativa sancionatória.

6 - Diversamente do que ocorre nos processos de fiscalizaçáo abstracta sucessiva da constitucionalidade ou da legalidade originados em pedidos formulados ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 281. da CRP, em que compete ao Tribunal Constitucional determinar, aplicando as regras de interpretaçáo jurídica tidas por relevantes, qual o correcto conteúdo da norma questionada, náo estando vinculado a adoptar a leitura perfilhada pelo requerente, nos processos de «generalizaçáo» de juízos concretos de inconstitucionalidade e de ilegalidade, referidos no n. 3...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT