Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2008, de 18 de Junho de 2008

Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 304/2008

Processo n. 428/08

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

O Presidente da República requereu, nos termos do n. 1 do artigo 278. da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51., n. 1, e 57., n. 1, da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituiçáo da República das normas constantes dos artigos 22., n. 2, e 29., n. 1, do Decreto da Assembleia da República n. 204/X, recebido na Presidência da República no dia 5 de Maio de 2008 para ser promulgado como lei.O pedido de fiscalizaçáo de constitucionalidade apresenta, em síntese, a seguinte fundamentaçáo:

O Decreto n. 204/X opta pela deslegalizaçáo das competências das novas unidades da PJ, através da sua regulaçáo por portaria ministerial, o que suscita dúvidas de constitucionalidade;

Como a alínea u) do artigo 164. da CRP se refere ao «regime das forças de segurança» sem o qualificar como «geral», é legítimo extrair o entendimento segundo o qual, quer o regime geral, quer os regimes especiais correspondentes a cada força de segurança, devem integrar a reserva absoluta de competência parlamentar;

A integrar -se a estrutura organizativa da PJ na reserva de lei parlamentar é defensável que estejam incorporadas na mesma reserva as competências cometidas às suas unidades orgânicas, náo só porque o facto destas unidades comporem o modelo estrutural da mesma força policial as torna inseparáveis do objecto do seu regime jurídico, mas também porque esses serviços se encontram investidos de poderes funcionais para a prática de certos actos de polícia, os quais se projectam sobre direitos fundamentais e reclamam a sua regulaçáo em lei;

A vingar a linha interpretativa exposta, as normas do n. 2 do artigo 22. e do n. 1 do artigo 29. do decreto seriam inconstitucionais porque remeteriam para portaria a disciplina de uma matéria que a Constituiçáo integra na reserva absoluta de competência da Assembleia da República;

A náo ser acolhida esta interpretaçáo coloca -se, de todo o modo, a dúvida sobre se as mesmas regras náo integraráo, necessariamente, a reserva de acto legislativo (ou seja, a reserva de lei ou decreto -lei);

A norma contida no n. 2 do artigo 272. da CRP, ao determinar que «as medidas de polícia sáo as previstas na lei», enuncia um princípio de tipicidade legal dos actos de polícia susceptíveis de serem praticados por uma força de segurança, como a PJ;

A atentar nas competências cometidas pela legislaçáo vigente a certas unidades orgânicas da PJ, as mesmas implicam a adopçáo de medidas de polícia, com especial relevo para a prevençáo da criminalidade, pelo que a imposiçáo constitucional de tipicidade legal das medidas de polícia deve estender -se às normas que definem inovatoriamente as competências que habilitam a respectiva prática por parte dos serviços da PJ;

Se a tipificaçáo de actos de polícia susceptíveis de serem praticados por cada um dos serviços ou unidades da PJ deve constar de acto legislativo, por maioria de razáo devem assumir a mesma forma legal as normas jurídicas que fixem as competências para prática dos primeiros, dado constituírem o pressuposto necessário da sua emissáo;

Assim as normas previstas no n. 2 do artigo 22. e no n. 1 do artigo 29. parecem contrariar o n. 2 do artigo 272. da CRP, dado que deslegalizam indevidamente uma matéria que cabe na reserva de acto legislativo;

Sem conceder, relativamente ao entendimento nos termos do qual se estimou que a definiçáo das competências das unidades da PJ deve integrar, no mínimo, a reserva de lei, considera -se que, mesmo na hipótese de ser sustentada interpretaçáo diversa, a mesma deslegalizaçáo náo poderia, sob pena de inconstitucionalidade, ser operada por portaria ministerial;

Na verdade, toda e qualquer lei que se limite a definir a competência objectiva e subjectiva para a emissáo de regulamentos do Governo, conferindo -lhes um poder inovatório, sem que atribua aos mesmos regulamentos

independentes a forma de decreto regulamentar, viola o disposto nos n.os 6 e 7 do artigo 112. da CRP;

No caso em apreciaçáo, o n. 2 do artigo 22. do decreto, ao deslegalizar as normas que iráo estabelecer a competência das unidades da PJ, limitou -se a definir a competência subjectiva para a emissáo da portaria que irá reger essa matéria e a competência objectiva do acto regulamentar;

A regra do n. 2 do artigo 22. e, remissivamente, a do n. 1 do artigo 29. náo fixam qualquer tipo de critérios ou princípios conformadores de um regime material que permitam diferenciar as competências policiais de cada unidade da PJ, ou determinar o «sentido e os limites da intervençáo regulamentar», pelo que ao limitarem -se a remeter em branco para portaria a definiçáo das competências das novas unidades da PJ, sem fixarem qualquer outro critério que permita determinar o sentido e os limites das mesmas, autorizam que uma disciplina tendencialmente primária, própria do conteúdo típico de um regulamento independente do Governo, seja regida por portaria, contrariando o disposto nos n.os 6 e 7 do artigo 112. da CRP.

O Presidente da República concluiu o pedido de fiscalizaçáo de constitucionalidade nos seguintes termos:

Atenta a fundamentaçáo das dúvidas de constitucionalidade expostas no presente pedido, venho requerer ao Tribunal Constitucional que aprecie a constitucionali-dade das normas constantes do n. 2 do artigo 22. e do n. 1 do artigo 29. do Decreto n. 204/X da Assembleia da República, com fundamento:

a) Na violaçáo da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, estabelecida pelo disposto na alínea u) do artigo 164. da CRP;

b) Na violaçáo da reserva de lei ditada pelo n. 2 do artigo 272. da CRP, caso prevaleça a interpretaçáo segundo a qual a definiçáo da competência das unidades da PJ das quais decorra a prática de actos típicos de polícia náo integra a reserva absoluta de competência legislativa parlamentar; c) Na violaçáo da reserva do decreto regulamentar constante das normas dos n.os 6 e 7 do artigo 112. da CRP, caso proceda a interpretaçáo favorável à validade da deslegalizaçáo das normas que estabeleçam as competências das unidades da PJ.

Notificado para o efeito previsto no artigo 54. da LTC, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos.

Elaborado o memorando a que se refere o artigo 58., n. 2, da LTC, e tendo este sido submetido a debate, cumpre agora decidir de acordo com a orientaçáo que o tribunal fixou.

Fundamentaçáo

1 - Da delimitaçáo do objecto do pedido de fiscalizaçáo preventiva. - Na parte final do pedido dirigido ao Tribunal Constitucional pede -se que este aprecie «a constitucionalidade das normas constantes do n. 2 do artigo 22. e do n. 1 do artigo 29. do Decreto n. 204/X da Assembleia da República».

No referido artigo 29., n. 1, determina -se que «as competências, sede e área geográfica de intervençáo das unidades territoriais, regionais e locais da PJ sáo estabelecidas nos termos das portarias referidas nos n.os 2 e 3 do artigo 22.».

Da leitura da fundamentaçáo do pedido constata -se que apenas se suscitam dúvidas sobre a constitucionali-

3494 dade da remissáo para portaria em matéria de fixaçáo das competências das diversas unidades da PJ, nos termos do n. 2 do artigo 22. do Decreto n. 204/X, da Assembleia da República.

Náo há qualquer referência a dúvidas sobre a constitucionalidade da remissáo para portaria, nos termos do artigo 22., n. 3, do mesmo diploma, em matéria de definiçáo da sede e área geográfica de intervençáo de qualquer daquelas unidades.

O referido no artigo 2. do próprio pedido é também claro ao efectuar a apontada exclusáo de parte do artigo 29., n. 1, do Decreto n. 204/X, da Assembleia da República, do âmbito do pedido de fiscalizaçáo preventiva de constitucionalidade.

Deste modo deve apenas ser verificada a constitucionalidade do conteúdo normativo dos seguintes artigos do Decreto n. 204/X, da Assembleia da República:

Do artigo 22., n. 2;

E do artigo 29., n. 1, apenas na parte em que determina que as competências das unidades territoriais, regionais e locais da PJ sáo estabelecidas nos termos da portaria referida no n. 2 do artigo 22.

2 - Das normas a fiscalizar e seu enquadramento. - As normas cuja apreciaçáo de constitucionalidade se requer constam do n. 2 do artigo 22. e do n. 1 do artigo 29. do Decreto n. 204/X, da Assembleia da República, o qual aprova uma nova orgânica da Polícia Judiciária (PJ), revogando parcialmente o anterior diploma que actualmente rege tal matéria - o Decreto -Lei n. 275 -A/2000, de 9 de Novembro, na redacçáo conferida pela Lei n. 103/2001, de 25 de Agosto, pelo Decreto -Lei n. 304/2002, de 13 de Dezembro, e pelo Decreto -Lei n. 43/2003, de 13 de Março.

Os referidos preceitos têm a seguinte redacçáo:

Artigo 22.

Estrutura

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 - As competências das unidades da PJ sáo estabelecidas em portaria conjunta a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Artigo 29.

Unidades territoriais, regionais e locais

1 - As competências, sede e área geográfica de intervençáo das unidades territoriais, regionais e locais da PJ sáo estabelecidas nos termos das portarias referidas nos n.os 2 e 3 do artigo 22.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

No diploma em análise define -se a competência da PJ em matéria de prevençáo e detecçáo criminal (artigo 4.), remete -se para a Lei de Organizaçáo de Investigaçáo Criminal (apesar desta remissáo visar presumivelmente um diploma que se encontra ainda em discussáo na Assembleia da República, perante a ausência de qualquer mençáo expressa no decreto sob apreciaçáo que concretize essa intençáo, a remissáo tem de ser considerada para os artigos 3., n.os...

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