Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2009, de 21 de Julho de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 11/2009

Processo n. 305/09 - 3.ª - Fixaçáo de jurisprudência

Acordam no pleno das secçóes criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I

A) No processo n. 3867/07, da 5.ª Secçáo, do Supremo Tribunal de Justiça, o arguido Manuel Albert Soares, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário de fixaçáo de jurisprudência para o pleno das secçóes criminais, do acórdáo deste Supremo de 16 de Outubro de 2008, proferido nos referidos autos, apresentando as seguintes conclusóes:

1 - Pelo acórdáo recorrido proferido em 16 de Outubro de 2008, no processo n. 3867/07 -5, da 5.ª Secçáo do Supremo Tribunal de Justiça, foi julgado que a conduta do arguido que havia praticado os factos descritos na rubrica I.A.2 desta peça, era integradora da prática de um crime previsto e punido pelos artigos 22., 23., 73., 131. e 132., n.os 1 e 2, alíneas d) e i), do Código Penal, uma vez que o mesmo preenchia o conceito de autoria tal qual nos revela o artigo 26. do Código Penal, considerando -o autor mediato, náo obstante os executores náo terem querido nunca praticar o crime, nem táo -pouco chegado a ter praticado qualquer acto de execuçáo ou que, como tal, possa ter sido entendido, antes tendo logo denunciado a pretensáo do arguido às autoridades e, desde entáo, estas terem tomado conhecimento da mesma.

2 - Pelo acórdáo fundamento proferido em 31 de Outubro de 1996, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no recurso julgado no processo comum colectivo n. 97/95, do Tribunal de Círculo de Coimbra, foi considerado que a conduta do arguido que age dessa forma náo pratica qualquer crime, náo deve ser condenado uma vez que a lei portuguesa náo pune a tentativa de instigaçáo; na autoria mediata. 'O homem da frente' é um mero instrumento náo responsabilizável, sem domínio moral ou material do facto; náo há co -autoria, sem dolo de autor; porque o cônjuge de arguido náo morreu. a haver crime ele teria [de ser] necessariamente tentado e o que o arguido fez, para ser considerado acto de execuçáo, teria que proceder imediatamente o acto idóneo a produzir a morte.

3 - Entre os acórdáos verifica -se, pois, oposiçáo de julgamento relativamente à mesma questáo de direito, tendo ambos sido proferidos no âmbito da mesma legislaçáo, ou seja, do Código Penal vigente.

4 - A questáo a resolver é se as condutas dos arguidos referidas em ambos os acórdáos e sumariamente descritas nesta peça integram ou náo o conceito de autoria previsto no artigo 26. do Código Penal e como tal implica a condenaçáo dos agentes pela prática do crime da previsáo dos artigos 22., 23., 73., 131. e 132., n.os 1 e 2, alíneas d) e i), do Código Penal.

5 - Do acórdáo recorrido náo é admissível recurso

ordinário, tendo o mesmo transitado em julgado.

6 - O presente recurso é o próprio, é interposto tempestivamente, tendo para ele, o arguido, legitimidade.

7 - Devendo, na sua procedência, ser fixada jurisprudência obrigatória.

B) Cumprido o disposto no artigo 439. do CPP, a Digníssima Magistrada do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, veio pronunciar -se sobre a admissibilidade e regime do recurso e a alegada existência de oposiçáo de julgados, afigurando -se -lhe que «o recurso em causa é admissível uma vez que, como resulta da certidáo de fls. 59, o mesmo foi tempestivamente interposto (n. 1 do artigo 438. do CPP) por quem tem legitimidade para tanto, o arguido (n. 5 do artigo 43. do CPP).

Sendo que, no que diz respeito à exigível contradiçáo de julgados (n. 1 do artigo 437. do CPP), constituindo seus

requisitos soluçóes opostas dadas nas decisóes recorrida e indicada como fundamento à mesma questáo de direito e no domínio da mesma legislaçáo, crê -se também verificar -se.

E isto na medida em que, relativamente a uma situaçáo factual de contornos em tudo semelhantes, de modo antagónico pronunciaram -se as decisóes em confronto.»

Concordou, pois, com a admissáo do presente recurso para fixaçáo de jurisprudência, interposto pelo arguido Manuel Albert Soares, por se encontrarem reunidos os requisitos exigidos pela lei (artigo 437. e seguintes do CPP).

C) Foi o processo à distribuiçáo.

D) Em exame preliminar, o relator verificou a admissibilidade e o regime do recurso e afigurou -se -lhe existir oposiçáo entre os julgados, após o que, cumprida a legali-dade dos vistos, seguiu o processo para conferência.

E) Por acórdáo de 11 de Fevereiro de 2009, este Supremo Tribunal concluiu pela oposiçáo de julgados, pros-seguindo o recurso, nos termos da 2.ª parte do artigo 441., n. 1, e cumprindo -se o disposto no artigo 442., n. 1, ambos do CPP.

F) Recorrente e Ministério Público, foram notificados para apresentarem no competente prazo as alegaçóes escritas.

G) O Ministério Público apresentou as suas alegaçóes com as seguintes conclusóes:

  1. A lei portuguesa acolheu, no artigo 26. do Código Penal, um conceito extensivo de autor, de sorte que no referido normativo encontram -se previstas duas formas de autoria singular (imediata e mediata) e duas outras formas de autoria plural (co -autoria e instigaçáo).

  2. Na autoria mediata, náo passando o «homem da frente», o «autor material», de um simples instrumento do «homem de trás», logo sem domínio moral ou material do facto, segue -se que o arguido náo pode ser considerado autor mediato.

  3. Já que, numa situaçáo semelhante à prefigurada nos autos, mesmo que o «homem da frente» tome como sua a vontade do «homem de trás», é ainda a decisáo do primeiro, e náo a deste, que se projecta no facto de jeito que é nas suas máos, enquanto detentor do domínio da acçáo que, em última análise, repousa a decisáo de fazer (ou náo) progredir a realizaçáo do evento ilícito típico.

  4. E tanto assim é que, nos autos, náo tendo anuído à proposta formulada pelo arguido, os contactados, náo só náo deram início à execuçáo do crime (o que também náo era expectável que ocorresse), praticando actos do tipo dos previstos nas alíneas a) e b) do n. 2 do artigo 22. do Código Penal (o que era crucial que se verificasse, considerando que a questáo suscita -se no domínio da tentativa), como levaram ao conhecimento das autoridades policiais a existência do mencionado plano criminoso.

  5. De onde que náo possa o arguido ser considerado autor mediato.

  6. Como também náo pode considerar -se co -autor na medida em que, náo existindo co -autoria (nem autoria) sem dolo de autor, no caso retratado nos autos, náo só náo houve acordo entre o arguido e os contactados para execuçáo do crime projectado (pese embora tal acordo tivesse existido na representaçáo mental do primeiro), como também náo se verificou uma participaçáo conjunta na execuçáo do facto, posto que os contactados náo praticaram quaisquer actos idóneos à consumaçáo do crime e jamais tiveram a intençáo de fazê -lo.

  7. Simplesmente autor náo poderá, em suma, ser considerado o arguido uma vez que o escolho relativo à inexistência de actos de execuçáo das espécies previstas no

    4568 n. 2 do citado artigo 22. do Código Penal, tendentes ao preenchimento do tipo legal, sempre impediria o enquadramento da actividade do agente (consubstanciada em actos de natureza dos previstos no artigo 21. do Código Penal, náo puníveis) em tal forma de autoria.

  8. Sendo que instigador náo poderá igualmente considerar-se o arguido, posto que na conduta havida pelo mesmo por preencher ficou o elemento essencial determinaçáo, cerne desta forma de autoria, enquanto condicionadora da punibilidade da actividade, consoante se verifique ou náo.

  9. E isto é táo verdade que, conquanto o intento do arguido fosse efectivamente o de levar os contactados a praticarem o crime, estes, náo se deixando determinar por ele, de sua livre e espontânea vontade (como era suposto suceder, logo sem a intervençáo de terceiros), náo só decidiram náo dar início à execuçáo do crime, como ainda resolveram levar o caso ao conhecimento das autoridades policiais, com quem passaram a colaborar.

  10. Dai que, na ausência de uma norma do tipo da prevista no artigo 17. do Código Penal Espanhol, náo possa ser punida a conduta do agente que planeou e «encomendou» a morte de alguém a outros que, porém, nunca tendo anuído à proposta por ele formulada, náo só náo deram início à execuçáo do crime projectado, como até, demarcando -se disso, levaram o caso ao conhecimento da polícia, com quem passaram a colaborar.

  11. Entende -se, assim, que o conflito que se verifica deve resolver -se uniformizando a jurisprudência no sentido de que:

    Náo deve ser punido como autor mediato, co -autor, instigador (ou simplesmente autor) do crime tentado de homicídio voluntário o agente que planeou e 'encomendou' a morte de alguém a outros que, nunca tendo anuído à proposta formulada, náo praticaram quaisquer actos tendentes à execuçáo do crime projectado.

  12. Havendo, em consequência, de revogar -se o douto acórdáo recorrido por aplicaçáo de tal doutrina.

    H) O recorrente apresentou alegaçóes de fls. 164 a 172 dos autos, entendendo que deve ser fixada no sentido constante do acórdáo fundamento do STJ de 31 de Outubro de 1996.

    I) Foi o processo oportunamente remetido a vistos simultâneos dos restantes juízes, nos termos do artigo 442., n. 3, do CPP, após o que seguiu para julgamento, feito em conferência, nos termos dos artigos 443. e 444. do Código de Processo Penal.

    II - Sobre a oposiçáo de julgados

    Uma vez que a decisáo havida na secçáo criminal, sobre a questáo preliminar da verificaçáo da oposiçáo de julgados náo vincula o pleno das secçóes criminais, há que apreciar essa questáo.

    Apreciando:

    O acórdáo recorrido deu como provado:

    O arguido delineou um plano criminoso no sentido de proceder à eliminaçáo física da assistente, sua mulher, ou seja, matá -la.

    Para este efeito, o arguido resolveu contratar uma ou duas pessoas que fossem capazes de levar por diante os seus intentos, mediante o pagamento de um montante a combinar, sendo que todos os pormenores, nomeadamente o modo, local e data, para a boa prossecuçáo de tal plano, seriam determinados e ditados...

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