Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2010, de 09 de Julho de 2010
Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 7/2010
Processo n. 3976/06.0TTLSB.L1.S1 (Revista)
Acordam na Secçáo Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - No Tribunal de Trabalho de Lisboa, Transportes Sardáo, S. A., propôs, ao abrigo do disposto nos artigos 183. e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra ANTRAM - Associaçáo Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU - Federaçáo dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, posteriormente extinta e incorporada por fusáo na FECTRANS - Federaçáo dos Sindicatos de Transportes e Comunicaçóes, a presente acçáo especial de interpretaçáo de cláusulas de convençóes colectivas de trabalho, pedindo que se declare, «em sede de interpretaçáo da cláusula 74.ª, § 7, do contrato colectivo de trabalho vertical dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 16, de 29 de Abril de 1982 (cujo clausulado se mantém até à actualidade):
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Que o valor da retribuiçáo mensal prevista na cláusula 74.ª, § 7, se obtém com recurso à seguinte fórmula: rm74.ª,§7 = rh × 52 × 5: 12, sendo rm74.ª,§7 o valor mensal da remuneraçáo prevista na cláusula 74.ª, § 7, e rh o valor de duas horas de trabalho suplementar;
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Que é legítimo o empregador liquidar a remuneraçáo da cláusula 74.ª, § 7, multiplicando por 22 - número aproximado de dias de trabalho por mês - o valor correspondente a duas horas de trabalho suplementar, dado esse montante estar próximo, por excesso, do valor exacto daquela retribuiçáo mensal;
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Subsidiariamente, se náo for atendida a pretensáo expressa nas duas alíneas precedentes, que a retribuiçáo mensal prevista na cláusula 74.ª é igual ao valor de duas horas de trabalho suplementar a multiplicar por 22.»
Alegou, em síntese, que:
As rés outorgaram o contrato colectivo de trabalho do sector dos transportes, publicado nos aludidos números do Boletim do Trabalho e Emprego, sendo que a 1.ª ré é uma associaçáo empresarial, de que a autora é filiada, e a segunda é uma associaçáo sindical que integra o Sindicato dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte (STTRUN), no qual se encontram filiados diversos trabalhadores da autora;Existem divergências na interpretaçáo da cláusula 74.ª, n. 7, relativamente à remuneraçáo dos trabalhadores deslocados no estrangeiro, entendendo a autora e a 1.ª ré, diversamente do que têm sustentado alguns trabalhadores, com o apoio do STTRUN, que essa remuneraçáo especial (duas horas de trabalho extraordinário por dia) deve ser multiplicada por 22 dias, e náo por 30 dias de calendário, porque a remuneraçáo especial visa compensar maior penosidade de trabalho prestado no estrangeiro, o qual pressupóe normalmente a prestaçáo de trabalho extraordinário de difícil controlo, daí estabelecer -se uma remuneraçáo fixa que visa compensar eventual prestaçáo de trabalho a mais nos dias úteis, e, assim sendo, a multiplicaçáo deve ser por 22 dias de trabalho, em similitude com o regime de isençáo de horário de trabalho;
Além do mais, o CCT náo afasta o regime do trabalho suplementar em dias de descanso e feriados (cláusula 41.ª), e, caso haja tal prestaçáo, os trabalhadores sáo já mais bem remunerados por via desta disposiçáo;
Assim, a cláusula 74.ª, n. 7, remunera o trabalho extra-ordinário em dias úteis e a cláusula 41.ª os dias de descanso semanal e feriados, sob pena de duplicaçáo.
Foram citadas as outorgantes do CCT para alegarem e apresentarem os seus meios de prova, nos termos do artigo 184. do Código de Processo do Trabalho, tendo ambos usado dessa faculdade.
A ANTRAM, apoiando -se em parecer de ilustre jurisconsulto que fez juntar aos autos, aderiu à tese da autora, sobre a fórmula de cálculo do n. 7 da cláusula 74.ª, segundo o qual as duas horas de trabalho extraordinário se reportam ao dia normal de trabalho.
Por seu turno, a FESTRU sustentou que a norma em causa deve ser interpretada no sentido de as duas horas de trabalho extraordinário se referirem a 30 dias, dado que a remuneraçáo especial, nela consignada, náo depende da prestaçáo efectiva de trabalho, sendo sempre paga, visando compensar a penosidade acrescida nas condiçóes de trabalho, sendo que o elemento literal náo impede que recebam ainda a remuneraçáo do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, estes sim dependentes de prestaçáo efectiva; e defendeu que a fórmula de cálculo do valor da hora normal se encontra expressamente prevista na cláusula 42.ª do CCT: (rn × 12): (52 × n. h trabalho normal).
Proferido despacho saneador com valor de sentença, nele se dirimiu a controvérsia, com a soluçáo vertida no segmento dispositivo assim redigido:
Julgo parcialmente procedente o pedido da autora, e em sede de interpretaçáo da cláusula 74.ª, § 7, do CCTV publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 9, de 8.03.80, e Boletim do Trabalho e Emprego, n. 16, de 29.04.82:
a) Declaro que o valor da retribuiçáo mensal aí previsto se obtém com recurso à seguinte fórmula: (remuneraçáo normal × 12): (52 × n. de horas de trabalho semanal);
b) Declaro que a retribuiçáo mensal aí prevista de duas horas de trabalho extraordinário por dia se referem a 22 dias.
2 - Apelou a FECTRANS - Federaçáo dos Sindicatos de Transportes e Comunicaçóes, com êxito, visto que o Tribunal da Relaçáo de Lisboa julgou precedente o recurso, «alterando a sentença recorrida e interpretando da seguinte forma o n. 7 da cláusula 74.ª do CCTV publicado
no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 16, de 29 de Abril de 1982:
A retribuiçáo mensal de duas horas de trabalho extraordinário por dia prevista na cláusula 74.ª, n. 7, do CCTV publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 16, de 29 de Abril de 1982, refere -se a 30 dias.»
Veio a autora pedir revista do acórdáo que assim decidiu, tendo da respectiva alegaçáo extraído as seguintes conclusóes:
A. Contrariamente ao juízo formulado no acórdáo recorrido, trabalho extraordinário, na terminologia da convençáo de trabalho em causa, é trabalho prestado em dias de trabalho fora do período normal, náo sendo assim designado o trabalho prestado em dias de descanso e feriados.
B. A cláusula 74.ª, n. 7, náo se destina a compensar maior penosidade e esforço acrescido da actividade de motorista TIR.
C. Náo é exacto que o direito a essa especial retribuiçáo náo depende da prestaçáo efectiva de qualquer trabalho extraordinário, e que 'a referência a trabalho extraordinário tem a ver apenas com afixaçáo do respectivo montante' [fruto de se querer ver nela algo mais do que um modo especial de retribuir trabalho prestado fora do horário normal de trabalho, mas difícil de verificar e pagar tal e qual].
D. Da similitude da cláusula 74.ª, n. 7, com o regime de isençáo do horário de trabalho, do qual foi decalcada (náo sujeiçáo aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, sem prejuízo do direito aos dias de descanso e aos feriados, tendo o trabalhador isento de horário de trabalho direito a uma retribuiçáo especial correspondente a determinado número de horas de trabalho suplementar por dia), resulta, como bem decidiu a 1.ª instância, tratar -se dos dias em que náo está sujeito aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, isto é, dos dias de trabalho, ou dias úteis - que é o critério seguido no regime de isençáo de horário de trabalho.
E. A cláusula 74.ª, n. 7, náo é devida em relaçáo a todos os dias do mês pelo facto de ser uma retribuiçáo mensal (logo, regular e periódica), ou de ser susceptível de criar no espírito do trabalhador a...
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