Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2008, de 11 de Dezembro de 2008

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 11/2008

Processo n. 4822/07 -3

Fixaçáo de jurisprudência

Relato n. 200.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

António Carlos Fialho Mendes veio, ao abrigo do artigo 437., n.os 1 e 4, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência, para o Pleno das Secçóes Criminais, invocando as seguintes razóes:

1) Por Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2007, objecto do presente recurso, considerou -se que o prazo de 30 dias previsto no n. 6 do artigo 328. do Código de Processo Penal para retoma da audiência adiada, sob pena de perder a eficácia a produçáo de prova já realizada, apenas se dirige aos casos de orali-dade pura de audiência e náo de oralidade documentada;

2) Pelo Acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto de 13 de Março de 1991, entendeu -se que o princípio da continuidade da audiência na previsáo do actual Código de Processo Penal náo sofre qualquer excepçáo derivada do registo da prova.

Respondeu o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 439., n. 1, do Código de Processo Penal, requerendo o prosseguimento dos autos.

No exame preliminar considerou -se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdáo recorrido e o acórdáo para fixaçáo de jurisprudência.

Oportunamente, realizou -se a conferência a que alude o artigo 441. do Código de Processo Penal, na qual se decidiu ser o recurso admissível atenta a oposiçáo de julgados e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442. e seguintes do Código de Processo Penal, considerando a necessidade de fixar jurisprudência.

O Ministério Público apresentou alegaçóes, subscritas pela Ex.ª M.ma Procuradora-Geral-Adjunta,defendendoo entendimento de que:

1) Tomado no seu sentido subjectivo ou formal, o princípio da imediaçáo «determina que o juiz deverá tomar contacto imediato com os elementos de prova, ou seja, através de uma percepçáo directa ou pessoal», a qual proporciona uma maior possibilidade de apreensáo e compreensáo dos elementos trazidos ao conhecimento do Tribunal, que sáo sempre mediatizados pelo acto de personalidade que a prova por declaraçóes implica;

2) Os princípios da oralidade e da concentraçáo cumprem, concomitantemente com o princípio da plenitude da assistência (ou da identidade) do juiz, a funçáo de realizaçáo da imediaçáo. Sáo instrumentais do princípio da imediaçáo;

3) Mas para que a imediaçáo produza os seus frutos e náo venha a ser desvirtuada, é necessário que o referido contacto oral entre o Tribunal e os participantes processuais se concentre no tempo, assim se procurando evitar que as vantagens decorrentes da imediaçáo e da oralidade náo sejam defraudadas devido às normais limitaçóes da memória humana;

8700 4) Iniciada uma audiência de julgamento, ela deve decorrer sem quebras de continuidade, sem interrupçóes ou adiamentos, por forma a permitir ao Tribunal uma percepçáo viva, directa e global, náo fragmentária ou atomística, do material base da decisáo a proferir;

5) A regra da continuidade da audiência de julgamento é, assim, um dos meios de fazer actuar o princípio da concentraçáo. Por isso, um adiamento náo pode ser táo dilatado no tempo que venha a colocar em causa a apreciaçáo unitária da prova, a reter enquanto durar a audiência;

6) O Código de Processo Penal de 1986 veio trazer um reforço efectivo dos princípios da imediaçáo, da oralidade e da concentraçáo;

7) No relatório do Novo Código de Processo Penal salientam -se, como promotoras da desejável aceleraçáo processual, «a nova disciplina em matéria de prazos, com cominaçóes que se espera eficazes», e a estruturaçáo da audiência de julgamento e «o seu desenvolvimento em termos de continuidade e concentraçáo reforçada»;

8) Nos termos do artigo 328., a audiência de julgamento tem de decorrer sem quebras de continuidade, sendo, porém, admitidas algumas situaçóes de interrupçáo e de adiamento. Contudo, os adiamentos absolutamente necessários náo podem ser táo espaçados que coloquem em causa uma correcta apreciaçáo unitária da prova. Compreende -se, por isso, que a lei tenha também previsto a preclusáo da prova já realizada quando o adiamento excedesse 30 dias;

9) A documentaçáo das declaraçóes orais constituía um princípio geral. Contudo, na versáo original do Código de Processo Penal de 1986, estando em causa audiência perante o Tribunal Colectivo ou o Tribunal do Júri, só haveria lugar a documentaçáo das declaraçóes prestadas oralmente em audiência se o Tribunal dispusesse de «meios técnicos idóneos a assegurar a reproduçáo integral daquelas»;

10) Compreendia -se que assim fosse. Por um lado, era uma decorrência da conhecida insuficiência dos meios técnicos de gravaçáo magnetofónica; por outro lado, dos acórdáos finais proferidos pelo Tribunal do Júri e pelo Tribunal Colectivo náo era admissível recurso para o Tribunal da Relaçáo, mas apenas recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, estando, por seu lado, os poderes de cogniçáo do Supremo, em sede de questáo de facto, restritos à verificaçáo da suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada, da existência ou náo de contradiçáo insanável na fundamentaçáo ou do cometimento ou náo de erro notório na apreciaçáo da prova, podendo apenas concluir pela existência de qualquer destes vícios com base no texto da decisáo recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum;

11) A documentaçáo das declaraçóes prestadas oral-mente em audiência náo se propunha um único objectivo.

Com a referida documentaçáo visava -se:

  1. Permitir ao Tribunal da Relaçáo, em sede de matéria de facto, o controlo do julgamento levado a cabo pelo Tribunal Singular;

  2. Colocar também ao serviço do Tribunal Colectivo e do Tribunal do Júri um meio de controlo da prova perante eles produzida;

    12) A partir de meados da década de 90 - sobretudo na decorrência das exigências que a entrada em vigor do Decreto -Lei n. 39/95, de 15 de Fevereiro, implicava -, os tribunais começaram a dispor dos meios técnicos de gravaçáo magnetofónica em ordem a assegurar a repro-

    duçáo integral das declaraçóes prestadas oralmente em audiência;

    13) As alteraçóes introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n. 59/98, de 25 de Agosto, espelham a adopçáo e crescente apetrechamento dos meios de gravaçáo magnetofónica em todos os tribunais;

    14) Estando reunidas as condiçóes para a criaçáo de um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdiçáo na apreciaçáo da matéria de facto, relativamente aos crimes mais graves - puníveis entáo com pena de prisáo superior a cinco anos e cujo julgamento era da competência do Tribunal Colectivo -, passou a prever -se a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relaçáo, em sede de matéria de facto, prevenindo -se assim também uma declaraçáo de inconstitucionalidade, por violaçáo das garantias de defesa consagradas no artigo 32., n. 1, da Constituiçáo, das normas conjugadas dos artigos 433. e 410., n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, versáo original, que a evoluçáo da jurisprudência do Tribunal Constitucional entáo fazia prever;

    15) Estando implementados em todos os tribunais os meios técnicos idóneos a assegurar a reproduçáo integral das declaraçóes prestadas oralmente em audiência, com as alteraçóes ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n. 48/2007, de 29 de Agosto, culmina -se o percurso encetado em meados dos anos 90: determina -se agora que a documentaçáo das declaraçóes orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de nulidade;

    16) Com o aludido imperativo pretende -se, por um lado, garantir um verdadeiro e efectivo 2. grau de jurisdiçáo na apreciaçáo da matéria de facto; por outro, procura -se que o tribunal disponha sempre - seja singular, colectivo ou do júri - de um meio de controlo da prova perante si produzida;

    17) No n. 6 do artigo 328. determinam -se:

  3. O prazo de duraçáo máxima de um adiamento - 30 dias; b) A consequência de náo ter sido retomada a audiência decorrido que seja esse prazo de duraçáo máxima de adiamento. Contemplam -se, por isso, duas realidades diversas, com implicaçóes distintas;

    18) A norma prevista no n. 6 do artigo 328., evocando as palavras da exposiçáo de motivos da proposta de lei n. 21/IV, sob o n. 33, é uma norma disciplinadora, «visando a prossecuçáo do princípio da continuidade, verdadeiro garante da aceleraçáo processual nesta fase»;

    19) Ao tempo da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, o apetrechamento dos tribunais com os meios técnicos idóneos a assegurar a reproduçáo integral das declaraçóes prestadas oralmente em audiência estava ainda muito longe de se ter iniciado;

    20) Tendo presente, nomeadamente, os casos de julgamentos com prova complexa e as consabidas limitaçóes da memória humana, que o decurso do tempo potencia, aceita -se que a lei considerasse um período superior a 30 dias favorável ao esquecimento do conteúdo das declaraçóes prestadas oralmente em audiência, bem como das impressóes vivas colhidas quando da sua produçáo, e adverso à apreciaçáo, que se pretende global e náo atomista, da prova produzida;

    21) Compreende -se, por isso, que, embora negando o princípio da celeridade, se tenha dado prevalência ao princípio da imediaçáo, de que o da concentraçáo é instrumental, e se tenha cominado com a perda de eficácia da produçáo de prova já realizada sempre que a audiência náo pudesse ser retomada no aludido prazo de 30 dias;

    22) Mesmo que o juiz, na marcaçáo da data para a continuaçáo de audiência adiada, náo tivesse infringido a norma constante da primeira parte do artigo 328., n. 6 - o adiamento náo pode exceder 30 dias - , se náo fosse possível, por qualquer motivo, ainda que ponderoso, retomar a audiência no aludido prazo de 30 dias, perdia eficácia a produçáo da prova realizada;

    23) E aceita -se que assim fosse, pois o adiamento náo pode ser táo espaçado que, por implicar a possibilidade de frustraçáo de uma apreciaçáo...

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