Acórdão n.º 408/2008, de 24 de Setembro de 2008

Acórdáo n. 408/2008

Processo n. 291/08

Acordam na 2ª Secçáo do Tribunal Constitucional

Relatório

Por despacho n. 3071/2003 (2.ª série) do Secretário de Estado das Obras Públicas datado de 15 de Janeiro de 2003, publicado no D. R.

n. 38, 2.ª série, de 14 de Fevereiro de 2003, foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência a expropriaçáo das parcelas de terreno designadas como "n. 21 e 21A", com a área total de 7942 m2 (6887 m2 + 1055 m2), a destacar do prédio situado no lugar de Fojo, freguesia de Labruge, concelho de Vila do Conde, a confrontar actualmente de Norte e Nascente com domínio público e a Sul e Poente com Manuel Azevedo Quintas, prédio esse inscrito na matriz predial sob o artigo rústico n. 71 da Repartiçáo de Finanças desta cidade e descrito na CRP de Vila do Conde sob o n. 22324 do Livro B -58, necessária à execuçáo da obra IC1 - Porto -Viana do Castelo (IP9).

Por autos de 31/10/02 e 12/03/03 foram concretizadas as posses administrativas de tais parcelas de terreno pela entidade expropriante.

Por náo ter sido possível uma expropriaçáo amigável iniciou -se um processo de expropriaçáo por utilidade pública (n. 1091/04.0TBVCD, do 2. Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde), em que é expropriante "EUROSCUT Norte - Sociedade Concessionária da SCUT do Norte Litoral, S. A.", e expropriados Manuel Azevedo Quintas e mulher Maria Carolina Moreira Ramos.

Efectuadas as respectivas vistorias ad perpetuam rei memoriam, procedeu -se de seguida à arbitragem nos termos legais, na qual, por unanimidade, o valor total da indemnizaçáo a atribuir aos expropriados foi fixado em € 27.797,00.

Por decisáo de 19 -4 -2004 foi adjudicado à entidade expropriante o direito de propriedade sobre ambas as parcelas de terreno supra descritas e identificadas.

Da decisáo arbitral interpuseram recurso os expropriados, defendendo que as parcelas aqui em causa, à data da DUP, valiam € 158.840,00.

O processo decorreu os seus ulteriores termos processuais e procedeu-se à avaliaçáo prevista nos artigos 61. e ss. do Código das Expropriaçóes de 1999 (C. das Exp.) tendo os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados apresentado um único laudo no qual consideraram como justa a indemnizaçáo de € 158.840.00. Pela perita da entidade expropriante foi apresentado outro laudo, no qual indicou como valor justo o de €. 40.249,24.

Em 14 -8 -2006 foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixar, a título de indemnizaçáo a pagar pela expropriante àqueles o montante global de € 157.938,49, quantia esta a actualizar desde a data de declaraçáo de utilidade pública (14/02/03) até à decisáo final com trânsito dos autos.Desta sentença foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal da Relaçáo do Porto que, por acórdáo de 21 -1 -2008, concedeu parcial provimento ao recurso, tendo fixado a indemnizaçáo devida aos expropriados no valor de € 152.379,09.

Deste acórdáo foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n. 1, do artigo 70., da LTC, nos seguintes termos:

"2. No acórdáo recorrido decidiu -se que podia considerar -se o jus aedificandi na avaliaçáo de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN), ao abrigo da parte final do n. 3 do artigo 27. do Código das Expropriaçóes (CE/99).

3 - Na verdade, nele se escreveu que «[...] as expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona [...] enquadram -se "... nas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo", a que se refere tal segmento da norma».

4 - Resumindo o entendimento seguido, considerou -se que:

Assim se valoriza o solo de acordo com o seu aproveitamento económico normal que possuiria, abstraindo -se da condicionante imposta pelo plano municipal, sob pena de violaçáo dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (CRP = 13. e 17.)

.

5 - Ora, salvos o devido respeito e melhor opiniáo, a tese acolhida pelo douto acórdáo é inconstitucional.

Na verdade, 6 - do princípio constitucional da justa indemnizaçáo decorre, para o legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em consideraçáo, quer a "vertente do interesse público" quer o "princípio da igualdade de encargos" entre os cidadáos;

7 - Seguindo de perto a argumentaçáo desenvolvida no douto Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 118/2007, dir -se -á que o princípio da igualdade se desdobra em dois níveis de comparaçáo: no âmbito relaçáo interna e no domínio da relaçáo externa;

8 - No âmbito da relaçáo interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnizaçáo, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriaçáo.

9 - No domínio da relaçáo externa, comparam -se os expropriados com os náo expropriados, devendo a indemnizaçáo por expropriaçáo ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

10 - Ora, nestes autos como naqueles em que foi proferido o citado douto Acórdáo n. 118/2007, é precisamente em relaçáo a este domínio da relaçáo externa que a interpretaçáo normativa efectuada pela decisáo recorrida coloca em crise aquele princípio:

De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional sáo expropriados exclusivamente para construçáo de uma via de comunicaçáo - uma das limitadas utilizaçóes que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n. 2 do artigo 9. do Decreto-Lei n. 196/89, de 14 de Junho.

Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm -se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidáo edificativa.

Assim sendo, considerar -se como terreno apto para construçáo [no caso dos autos dir -se -ia: "como terreno com expectativas de aptidáo construtiva"], como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriaçáo destinada a uma das limitadas utilizaçóes legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário náo pode construir, por força da sua integraçáo na RAN, conduz náo só à atribuiçáo de uma indemnizaçáo que náo corresponde ao seu "justo valor" - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde náo entrem em consideraçáo factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relaçáo a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que náo tenham sido contemplados com a expropriaçáo

.

11 - Na verdade, tal como se alegou no recurso de apelaçáo interposto:

[...] as eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno desafectado da RAN náo podem reflectir -se na justa indemnizaçáo, tal como se decidiu, entre outros, no douto Acórdáo do Tribunal Constitucional proferido em 20 de Abril de 2004 - Acórdáo n. 275/2004, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Junho:

- a integraçáo de um terreno na RAN «determina, na prática, náo só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de

desafectaçáo para que tal solo possa vir a ser destinado à construçáo imobiliária;

- no caso de expropriaçáo de terrenos integrados na RAN, náo há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnizaçáo, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que náo existe, nem nasce com a expropriaçáo

.

Que essas "supostas" expectativas náo podem contribuir para a determinaçáo do terreno, aliás, resulta da imposiçáo expressa do artigo 23. do CE/99, de que a justa indemnizaçáo se reporte ao valor real e corrente do bem «à data da publicaçáo da declaraçáo de utilidade pública, tendo em consideraçáo as circunstâncias e condiçóes de facto existentes naquela data».

No dizer destes Srs. Peritos, como se referiu, apesar de estarem classificados na RAN, «eram no entanto solos valorizados pelas expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com igual classificaçáo receberam» (fls. 132).

Essas ditas "fortes expectativas" têm, no entanto, um nome: Especulaçáo».

12 - Na verdade, o critério fixado no Código das Expropriaçóes para alcançar a compensaçáo integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparaçáo com outros cidadáos, náo sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (artigo 23./1 do CE/99) - também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido náo em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo (Neste sentido, Fernando Alves Correia, «A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriaçóes por Utilidade Pública e o Código das Expropriaçóes de 1999», publicado na Revista de Legislaçáo e Jurisprudência, Ano 132., n. 3905 e 3906, pág. 233).

13 - O valor de mercado normativamente entendido corresponde ao «valor de mercado normal e habitual, náo especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcçóes, as quais sáo ditadas por exigências da justiça» (Cf. Autor e obra citados).

14 - Assim, por violaçáo dos princípios da igualdade (no âmbito da relaçáo externa) - consagrado no artigo 13. da CRP - e do princípio da justa indemnizaçáo - condensado no seu artigo 62./2 - seria inconstitucional a norma contida no n. 3 do artigo 27. do Código das Expropriaçóes (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construçáo.

15 - A recorrente suscitou a questáo da inconstitucionalidade de tal norma, nessa interpretaçáo, nas 1ª e 3ª conclusóes do recurso de apelaçáo interposto.

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