Acórdão n.º 442/2007, de 11 de Setembro de 2007

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdão n.º 442/2007 Processo n.º 815/2007 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I -- Relatório 1 -- O presidente da República requereu, em 30 de Julho de 2007, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), do n.º 1 do artigo 51.º e do n.º 1 do artigo 57.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (lei geral tributária), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com o disposto nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º, 26.º, n.º 1, 52.º, 266.º e 268.º da CRP das normas constantes dos artigos 2.º e 3.º do Decreto n.º 139/X, da Assembleia da República, de 5 de Julho de 2007, que «Altera a lei geral tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário e o Regime Geral das Infracções Tributárias», recebido na Presidência da República em 23 de Julho de 2007, para ser promulgado como lei.

O pedido assenta nos seguintes fundamentos: «1.º A parte final da norma do n.º 10 do artigo 89.º -A da lei geral tributária, agora acrescentada pelo ar- tigo 2.º do decreto em apreço, determina que as deci- sões definitivas de determinação da matéria colectável são comunicadas não apenas ao Ministério Público, mas também, tratando -se de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, à tutela deste para efeitos de averiguações no âmbito da respectiva competência. 2.º Trata -se de uma disposição que suscita fundadas dúvidas de constitucionalidade, em face do artigo 13.º da Lei Fundamental, uma vez que estabelece para os funcionários ou titulares de cargos sob tutela de entidade pública, na sua mera qualidade de contribuintes, um regime distinto do aplicável aos demais cidadãos, sem que pareça existir um fundamento material bastante para tal diferenciação. 3.º O decreto ora submetido a promulgação procede ainda, no seu artigo 3.º, a duas alterações ao Código de Procedimento e de Processo Tributário surgindo, também aqui, fundadas dúvidas de constitucionalidade quanto à redacção prevista para os n. os 2 dos artigos 69.º e 110.º daquele Código. 4.º Com efeito, as normas dos artigos 69.º, n.º 2, e 110.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário vêm associar ao exercício de um direito de reclamação ou de impugnação contenciosa por parte de um administrado a consequência inelutável de, sem o seu consentimento, a administração fiscal aceder a informação e documentos bancários que integram a sua reserva de intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). 5.º Parece verificar -se, assim, uma restrição des- proporcionada não apenas do direito à reserva da in- timidade da vida privada como também do princípio do acesso ao Direito e aos tribunais, acolhido no ar- tigo 20.º da Constituição, enquanto corolário do prin- cípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º, com consequente violação do artigo 18.º, ambos da Lei Fundamental. 6.º Ao ligarem o direito de reclamação ou impugna- ção contenciosa ao levantamento do sigilo bancário as normas sub judicio vêm pôr em causa, de uma forma que parece destituída de fundamento, o direito que a todos os cidadãos assiste de reclamarem de decisões das autoridades -- artigo 52.º da Constituição -- e, bem assim, o direito que o artigo 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental atribui aos administrados de impugnarem quaisquer actos administrativos que os lesem, sendo ainda questionável se as citadas normas não afectam o princípio da boa fé da administração contido no ar- tigo 266.º da CRP. 7.º Afigura -se, por conseguinte, que a possibilidade de acesso a elementos de natureza bancária, aberta pelo simples facto de o particular ter reclamado ou impugnado uma dada situação tributária, não só não surge rodeada de um conjunto necessário de garantias e mecanismos de salvaguarda como configura, em si mesma, uma restrição desproporcionada e irrazoável dos direitos conferidos pelas normas dos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 26.º, n.º 1, 52.º, 266.º e 268.º da Constitui- ção.» Em anexo ao pedido foi remetido um memorando da Assessoria para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da Presidência da República. 2 -- O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 30 de Julho de 2007 e o pedido foi admitido na mesma data. 3 -- Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da lei geral tributária (LTC), o presidente da Assembleia da República veio apresentar resposta na qual oferece o merecimento dos autos e junta cópia dos Diários da Assem- bleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao Decreto n.º 139/X. 4 -- Elaborado o memorando a que alude o artigo 58.º, n.º 2, da LTC e fixada a orientação do Tribunal, importa decidir conforme dispõe o artigo 59.º da mesma lei.

II -- Fundamentação 5 -- São duas as questões que o Tribunal deve apre- ciar.

A primeira refere -se à apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República.

A segunda concerne à apreciação da constitucionalidade das normas constantes do artigo 3.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República.

  1. Apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República 6 -- O artigo 2.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República pretende adicionar um novo número ao ar- tigo 89.º -A da lei geral tributária (LGT) que, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 53 -A/2006, de 29 de Dezembro, estatui o seguinte: «Artigo 89.º -A Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados 1 -- Há lugar a avaliação indirecta da matéria co- lectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o ren- dimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela. 2 -- Na aplicação da tabela prevista no n.º 4 tomam- -se em consideração:

    a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer ele- mento do respectivo agregado familiar;

    b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos an- teriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por enti- dade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo;

    c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar. 3 -- Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea

    f) do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados. 4 -- Quando o sujeito passivo não faça a prova re- ferida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera -se como ren- dimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na ca- tegoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas

    a) e

    b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos Manifestações de fortuna Rendimento padrão 1 -- Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 250 000. 20 % do valor de aquisição. 2 -- Automóveis ligeiros de passa- geiros de valor igual ou superior a 50 000 e motociclos de valor igual ou superior a 10 000. 50 % do valor no ano de ma- trícula, com o abatimento de 20 % por cada um dos anos seguintes. 3 -- Barcos de recreio de valor igual ou superior a 25 000. Valor no ano do registo, com o abatimento de 20 % por cada um dos anos seguin- tes. 4 -- Aeronaves de turismo . . . . Valor no ano do registo, com o abatimento de 20 % por cada um dos anos seguin- tes. 5 -- Suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a 50 000. 50 % do valor anual. no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte: 5 -- No caso da alínea

    f) do artigo 87.º, considera -se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento su- perior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação. 6 -- A decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo é da competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de delegação. 7 -- Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes. 8 -- Ao recurso referido no número anterior aplica -se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146.º -B do Código de Procedimento e de Processo Tributário. 9 -- Para a aplicação dos n. os 3 a 4 da tabela, atende- -se ao valor médio de mercado, considerando, sempre que exista, o indicado pelas associações dos sectores em causa.» A alteração resultante do artigo em referência é do se- guinte teor: «Artigo 2.º Aditamento à lei geral tributária É aditado um n.º 10 ao artigo 89.º -A da lei geral tributária, aprovada pelo Decreto -Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, na redacção actual, com a seguinte redacção: `Artigo 89.º -A [...] 1 -- . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 --...

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