A segunda via autonómica, 1

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas86-87
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A SEGUNDA VIA AUTONÓMICA, 1 (
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«Não é água nem terra, mas lama», G
IORDANO
B
RUNO
, ano de 1584, Acerca do Infinito,
do Universo e dos Mundos.
Todos nos lembramos do que aconteceu recentemente em matéria de criação de leis nos
Açores: ficou à mostra, de uma maneira bem simples, que a aprovação das leis nos
Açores dependem de estados de espírito e de vontades nem sempre quantificáveis e
fundamentadas para a criação ou não de uma lei. E é justo perguntar se nos Açores
aprova-se ou não se aprova uma lei pela simplíssima consideração de que se gosta ou
não se gosta?, ou se gostar ou não gostar não será uma matriz autonómica deste século
que ressaltava desde há muito mas que neste caso é exemplar?
Isso tem paralelo na história. Foi sobretudo com o liberalismo que se iniciou a prática
de governar através de leis gerais e iguais para todos. Naquele tempo as leis eram feitas
como quem escreveria um testamento ou uma carta. Por exemplo, foi à luz duma
sombra de salgueiro que Mouzinho da Silveira, na Ilha Terceira, escreveu as primeiras
leis administrativas portuguesas depois publicadas quando se encontrava em S. Miguel.
Com o tempo, com a evolução das sociedades e do próprio Direito, das democracias e
dos direitos do homem, não foi possível manter esse tipo de actuação: passou a existir
técnicos a apoiar o trabalho dos governos e dos parlamentares. E, mais recentemente,
até nasceu uma nova ciência, da legística, a qual se preocupa com todo o tipo de
consequência que uma lei possa criar. Razão pelo qual, portanto, na feitura das leis
aplicam-se regras especiais da construção do Direito.
Não é mais possível criar leis como se fazia há duzentos anos. Também não é mais
possível a criação do Direito através apenas dum único homem. A criação de lei através
de gostar ou não gostar quedou-se com o fim da monarquia, sobretudo com o fim da
monarquia constitucional.
Nem a época em que vivemos nem a própria existência de autonomia legislativa
permitem que se crie Direito pelo mero instrumento de gostar ou não gostar da matéria.
(
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) Publicado em 02-08-2009.

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