Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 25/2022/A de 23 de junho de 2022

Data de publicação24 Junho 2022
Número da edição80
ÓrgãoAssembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
SeçãoSérie 1

Portugal e muitos países europeus debatem-se com crises sanitárias que, quer durante a pandemia, quer posteriormente, em pleno tempo de recuperação, vieram realçar a incapacidade de resposta do setor público e também, inclusivamente, do privado. A desorçamentação, a falta de estratégia e planeamento, o deficit de pessoal e o envelhecimento de classes profissionais estão possivelmente entre as causas fundamentais dessa crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A Região Autónoma dos Açores (RAA) não foge a esta regra, agravada pelas condições geográficas em que se insere. Urge, pois, com celeridade, investir nas infraestruturas e no parque tecnológico, na fixação de profissionais e apelar a mais um esforço suplementar, se é que tal ainda é possível, do pessoal no ativo, para que, até à melhoria desta situação, continue a dar a melhor resposta possível à nossa comunidade em cuidados de saúde.

E ainda que as condições económicas e financeiras do Estado sejam, desde há muito, periclitantes, a ajuda europeia e as escolhas políticas devem centrar-se na melhoria deste panorama a médio prazo. A prioridade e consequentes opções políticas orçamentais só podem ser, pois, no sentido de privilegiar a saúde da nossa população. É o que se exige a quem nos governa.

Os médicos fazem parte de uma carreira especial da Administração Pública. Segundo o acordo coletivo de trabalho (ACT) médico em vigor, o período normal de trabalho médico é de 8 horas diárias e 40 horas semanais, organizadas de segunda-feira a sexta-feira, sendo o trabalho em serviços de urgência, externa e interna, unidades de cuidados intensivos, unidades de cuidados intermédios e prolongamentos de horário nos centros de saúde organizado de segunda-feira a domingo.

Ainda de acordo com o mesmo ACT, para os trabalhadores médicos integrados em serviços de urgência, externa e interna, unidades de cuidados intensivos, unidades de cuidados intermédios e prolongamentos de horário nos centros de saúde, considera-se «período de trabalho noturno» o compreendido entre as 20 horas e as 8 horas do dia seguinte.

Relativamente ao trabalho extraordinário, aquele que é feito para além do normal horário de trabalho, o trabalhador médico é obrigado a realizar a prestação de trabalho extraordinário, salvo quando, havendo motivos atendíveis e inadiáveis, expressamente solicite e obtenha a sua dispensa pelo tempo indispensável, sendo o limite anual da duração de trabalho extraordinário de 150 horas.

Nas instituições de saúde, habitualmente, o trabalho extraordinário, de acordo com o Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, é efetuado em regime presencial ou em regime de prevenção, sendo este último remunerado a 50 % do valor anterior.

Os médicos acima dos 55 anos estão dispensados de realizar serviço de urgência e os que ultrapassem os 50 anos de idade de fazer trabalho noturno.

Por último, a legislação impede que os médicos prestem serviços, a título individual ou por empresa, nas mesmas instituições com as quais possuam uma relação jurídica de emprego.

A sustentação do nosso Serviço Regional de Saúde (SRS) sempre passou e passa, infelizmente, mas inevitavelmente, pelo recurso ao trabalho extraordinário, situação agravada pela falta de profissionais.

Genericamente, o trabalho extraordinário deve constituir apenas um regime de recurso, para situações excecionais e imprevisíveis, justificável quando tal seja imprescindível para o normal funcionamento de uma organização e não pode ser um modus operandi sistemático para evitar a contratação de pessoal.

No caso concreto dos médicos, acaba por ocorrer de uma forma previsível e regular, habitualmente ao nível do serviço de urgência, quer por escassez involuntária de profissionais, quer por escassez deliberada desses mesmos profissionais, neste caso, entenda-se, possivelmente pelo facto de não ser eficiente uma dotação excessiva de clínicos em determinados serviços e em determinadas instituições de saúde, exclusivamente para completar escalas dos serviços de urgência.

Na verdade, se o ratio de uma determinada especialidade para uma determinada população for tecnicamente de quatro ou cinco elementos, facilmente se entenderá que ou se admitem oito médicos, quatro ou três a mais do preconizado, o que é um número excessivo para desenvolver a atividade existente, mas que permite a cobertura dos dias de urgência em horário normal, ou se admitem somente os quatro ou cinco previstos e suficientes, mas então haverá necessidade de recurso ao trabalho suplementar para cobrir integralmente todos os sete dias da semana. Isto não ocorre por norma com outras classes.

A RAA é o paradigma desta crua realidade e haveria inúmeros exemplos a dar: seriam precisos oito médicos na Unidade de Saúde de Ilha (USI) do Corvo, com cerca de 400 habitantes e para um ratio recomendado de médico por habitante de um para 1500, para evitar o trabalho extraordinário, mudada a legislação, tal como, sabendo que deve existir uma urgência psiquiátrica para 250 000 habitantes, deveria haver oito psiquiatras no Hospital do Santo Espírito para apenas cerca de 60 000 habitantes, de modo a possibilitar essa mesma cobertura integral, ou seriam necessários oito gastroenterologistas no Hospital...

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