Requerimento inicial

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas23-72

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Adoptamos seguir passo a passo a tramitação de um concreto e determinado processo de inventário, por assim entendermos ser didacticamente mais perceptível e capaz de lhe evidenciar as singularidades em relação aos denominados processos comuns.

O que o diferencia dos demais.

Ele que é essencialmente uma medida de protecção destinada a evitar prejuízos e a distribuir fiel e equitativamente todo o património duma herança.

E, como assim, o que nele interessa sobretudo apurar é toda a verdade de molde a que a partilha seja efectivada com inteira igualdade e plena justiça.

Ele que, mais concretamente, se destina a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.

Como quer que seja, o processo de inventário,18 inicia-se com um pedido, uma petição ao tribunal.

Eis, então:

A) Início do processo

TRIBUNAL ... DE ...

No fundo, o requerimento ou promoção é muito idêntico a uma petição inicial,19 pelo menos, em certos aspectos.

Comporta-se, por vezes, como um autêntico articulado, quiçá, na função que desempenha.

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E, para já, se dirá que esta peça tem que ter, inevitavelmente, um endereço. Com tantos tribunais, quer do ponto de vista territorial, quer no ângulo da matéria e da hierarquia, perder-se-ia esta peça se não contivesse, à guiza de carta, a indicação do destinatário.

Tal como nas missivas há que indicar bem a direcção não vá perder-se no caminho, não chegar onde se quer, voltar para trás. Seria, por exemplo, o caso de um tribunal já não existir.20

Só que, neste caso, contrariamente ao que acontece nas epístolas, saber aqui a quem se deve dirigir o requerimento inicial, é bem mais complicado e aponta-nos o sofisticado problema da competência.

Vejamos:

Desde logo, indagar-se-á, deve o inventário instaurar-se num tribunal português ou num estrangeiro?

É questão de competência internacional. Evidente que tal problema só se levanta quando algum ou alguns dos elementos essenciais da partilha do acervo hereditário, se encontram em conexão com a jurisdição de vários estados.

É, por exemplo, o caso de o de cujus21 ter sido um cidadão norueguês, que residia em Viana do Castelo e deixou bens em Los Angeles.

O inventário está conexionado com 3 jurisdições: com a Norueguesa por força da nacionalidade do inventariado, a Portuguesa pelo elemento domiciliário e com a Estadunidense pelo património.

É o art. 65.º do C.P.C., mais concretamente, as als. a) a d), do seu n.º 1, que apontam os factores de atribuição de competência internacional.

A leitura deste normativo faz-nos deambular pelos princípios da coincidência, da causalidade, da reciprocidade e da necessidade.

Advirta-se que a lesão das regras da competência internacional conduz à incompetência absoluta do tribunal, podendo ser suscitada, oficiosamente,22 em qualquer estado do processo.23

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A síntese do que vimos referindo pode retirar-se do Ac. RL, de 1/2/83 (BMJ, 331.º, 595):

Conjugando os arts. 65.º, n.º 1, alínea a) e 77.º, n.º 2, alínea a), ambos do Cód. Proc. Civil, é de concluir que só em relação aos bens situados em Portugal, o Tribunal português tem competência internacional para a sua partilha e consequentemente, para o seu arrolamento.

Com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, a troca de serviços, de mercadorias e a livre circulação de pessoas, veio tornar de maior acuidade o problema da competência internacional e, com o assento do Tribunal das Comunidades,24 pôr em causa algumas das delimitações territoriais internacionais, alargando-as, dando-lhes uma «nuance» diversa.

Aliás, tem-se vindo a revelar tão importante o papel deste areópago internacional, tão, insistentemente, procurado, que cedo ficou assoberbado e daí a criação de um Tribunal de 1.ª instância, para descongestionamento.

Até ao momento esta questão só se punha em reduzidos casos, mormente, quando os intervenientes no processo ou algum deles, fossem estrangeiros ou quando a acção respeitasse a bens situados fora do território nacional.

Agora, porém, tudo mais se dilui, pela alteração da situação: o que é ser estrangeiro, que bens estão situados aquém ou além fronteiras?25

Resolvida a questão sobre se o tribunal competente deve ser português ou estrangeiro, logo se nos depara um outro problema, ainda de competência, mas desta feita, interna.

É, agora, a vez de nos debruçarmos sobre as competências em razão da matéria, em razão do valor, em razão de hierarquia e em razão do território.

Deve o inventário, desta feita já no plano interno, ser introduzido nalgum tribunal especial ou no tribunal comum?

Para a resposta a esta indagação, atentar-se-á nos arts. 66.º e 67.º do C.P.C.. As causas que não sejam atribuídas por lei a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais.

O inventário há-de requerer-se no tribunal comum. A infracção das regras de competência em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal que, nos termos do disposto no art. 102.º do C.P.C., pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada, oficiosamente, pelo tribunal em qualquer estado de processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado, proferida sobre o fundo da causa.

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Falemos agora sobre a competência em razão do valor. É que «os tribunais inferiores»26 conhecem das causas que a lei submete à sua jurisdição, até ao limite do valor, expressamente, designado.27 No caso concreto, não tem interesse o problema da competência em razão do valor, uma vez que, sempre o inventário se abrirá no tribunal de 1.ª instância, seja qual for o valor.

Todavia, não se deixará de dizer que a infracção das regras de competência em razão do valor, tem como consequência a incompetência relativa do tribunal.

Também não se lobriga qualquer problema no respeitante à competência em razão da hierarquia. Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões.

A escala hierárquica, na ordem jurisdicional portuguesa é a seguinte: Supremo Tribunal de Justiça, Relações e Tribunais Judiciais de 1.ª Instância.

O processo de inventário inicia-se no Tribunal de 1.ª Instância, como é óbvio. Embora sem importância para o processo de inventário, sempre se informará que a infracção das regras de competência em razão da hierarquia ocasiona a incompetência absoluta do tribunal, podendo ser arguida pelas partes, mas devendo ser, oficiosamente, suscitada pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado, proferida sobre o fundo da causa.28

De novo nos teremos de socorrer da lei adjectiva para determinar qual o tribunal, territorialmente, competente para a abertura do processo de inventário.

A competência dos tribunais em razão do território é tratada do art. 73.º ao art. 89.º do C.P.C..

Não cabe no âmbito deste trabalho uma escalpelização sobre a competência dos tribunais em razão do território.

Aliás, nem tal aqui seria preciso. É que o art. 77.º do C.P.C. é líquido quando, desde logo, em seu n.º 1, nos atira com a regra geral: «o tribunal do lugar da abertura da sucessão é competente para o inventário e para a habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra».

Só há que saber onde se abre a sucessão, para sem mais, se determinar qual o tribunal competente para a entrega da promoção.

Passemos à lei substantiva: o art. 2031.º do C.C., pontifica que «a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele».

É evidente que quando a lei civil fala no «último domicílio», é como se escrevesse «último domicílio no país».

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O domicílio de que nos fala o Código Civil é, evidentemente, o domicílio civil, na perspectiva que nos é dada pelo art. 82.º e segs. daquele diploma.

É o domicílio voluntário geral e não certos outros domicílios especiais.29 O domicílio pode ser voluntário ou legal, decorrendo o primeiro da residência habitual, na certeza de que se o inventariado tiver residido, alternadamente, em diversos lugares se tem por domiciliado em qualquer deles.30

Na falta de residência habitual do de cujus, este considera-se como havendo tido domicílio no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar ao tempo do óbito.31

Domicílio legal ou necessário é o atribuído, legalmente, a certas pessoas em função de particularidades relevantes: é o domicílio dos interditos e menores,32 dos empregados públicos,33 dos agentes diplomáticos portugueses,34 etc..

No caso, aliás, frequente, do finado ter residência habitual em lugar diverso daquele que a lei considerou como seu domicílio necessário, põe-se a questão de saber qual desses domicílios deverá prevalecer para determinação do tribunal, territorialmente, competente. Questão em redor da qual não é unânime o ponto de vista dos que a afrontaram para a solucionar, pois uns deram preferência ao domicílio necessário, enquanto que outros sustentaram que cumpria atender ao lugar onde o inventariado tiver a sua residência habitual.

Ante esta questão, Lopes Cardoso,35 entende que o primeiro não é subsidiário do segundo, antes se lhe prefere atentas as circunstâncias especiais que o determinam, circunstâncias que a lei teve em conta ao fixá-lo.

Na hipótese do de cujus ter tido dois domicílios legais, deve dar-se prevalência àquele em que, de facto, residia, isto por força do art. 87.º do C.C..

E se o inventariado faleceu fora do país?36 Agora e aqui, a regra já não será a do último domicílio, antes e sim a da situação dos bens.

Aberta a sucessão fora do país, observar-se-á o seguinte: Deixou o de cujus bens em Portugal?

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É competente para o inventário o tribunal do lugar da situação dos imóveis, ou da maior parte deles; na...

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