Recriar a vida contratual e servir ao ser humano: comunicação e informação nos contratos de adesão

AutorRafael Augusto de Moura Paiva
CargoDoutorando em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Investigador Associado do Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra
Páginas17-101
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RPDC , Setembro de 2011, n.º 67
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
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RECRIAR A VIDA CONTRATUAL
E SERVIR AO SER HUMANO:
COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
NOS CONTRATOS DE ADESÃO
1. Noções Iniciais: Teoria Geral do Direito Civil
Sendo o facto jurídico aquele ao qual o Direito confere reconhecimento, não lhe
sendo indiferente [contrariamente ao que ocorreria quanto (i) ao cair de uma pluma
ou (ii) à utilização de uma gravata de certa cor, respectivamente factos não-jurídicos de
natureza natural e social], os actos jurídicos possuem a particularidade de derivarem
Rafael Augusto de Moura Paiva
Doutorando em Direito Civil na Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra
Investigador Associado do Centro de Estudos de
Direito do Consumo de Coimbra
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de uma “acção humana cujo efeito jurídico se prende à vontade do agente” (diferente-
mente dos acontecimentos fortuitos ou de ordem natural juridicamente relevantes, mas
involuntários, como o nascimento, o decurso do tempo ou a morte)1.
Dentro da categoria dos actos jurídicos lato sensu situam-se os os simples actos ju-
rídicos (ou actos jurídicos stricto sensu) e os negócios jurídicos (Rechtsgeschäft). Estes
são actos jurídicos integrados por uma ou mais declarações de vontade (unilaterais no
primeiro caso, bilaterais ou plurilaterais no segundo), com vista à produção de determi-
nados efeitos prático-jurídicos (normalmente de carácter patrimonial), com ânimo de
que o Direito os tutele – e que o Direito efectivamente tutela porque e na medida em
que foram queridos2.
Enquanto no acto jurídico simples o efeito é produzido pela vontade do agente por
mais que esta não estivesse direccionada para esta produção (sendo somente ex lege e
não ex voluntate, como ocorre na gestão de negócios alheios ou na descoberta de tesou-
ro), no negócio jurídico “os efeitos são produzidos justamente porque foram queridos e
na medida em que o foram 3, como se verif‌i ca em relação ao testamento e ao contrato.
1 Clovis BEVILAQUA, Teoria Geral do Direito Civil, (Editora Rio e Livraria Francisco Alves/Rio de Janeiro,
1975), 212-214, referindo-se à doutrina de SAVIGNY, WINDSCHEID, KOHLER E SOHM; bem como Carlos
Alberto da MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil4, (Coimbra Editora/Coimbra, 2005), 354-357.
Convém lembrar que a vontade individual, só por si, não tem força para criar, modif‌i car ou extinguir
direitos: é preciso que ela se manifeste, segundo a ordem jurídica. Por este motivo, as declarações de
vontade surgem como “a força que mantém o mundo das relações jurídicas de ordem privada em
movimento ininterrupto”. A importância dada pelos juristas à vontade declarada e àquela que permanece
internamente guardada pelo agente é alvo de acesa controvérsia, sendo notórias as divergências verif‌i cadas
entre juristas franceses (privilegiando o que se quer ou o que se era querido, por mais que a declaração
não seja correspondente a tal vontade) e alemães (reconhecendo o valor daquilo que é efectivamente
declarado, sobretudo em atenção à segurança jurídica). O ordenamento civil português, fundado – como
é sabido – marcadamente sob as bases da escola germânica, mostra-lhe bastante f‌i delidade quanto ao
assunto (cf. art. 236 do Código Civil). No Brasil, é hoje possível mesclar ambos os aspectos – interno e
exteriorizado – da vontade, deixando a cargo do Juiz a tarefa de apreciação do que efectivamente deve
prevalecer, consoante o caso concreto (v. arts. 110 e 112 do Código Civil).
2 Francisco Manuel de Brito PEREIRA COELHO, “Contrato” – Evolução do Conceito no Direito Português,
em Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra vol. LXIV, (Coimbra, 1990), 62, citando
ORLANDO DE CARVALHO; BEVILAQUA, cit., 213*, valendo-se dos conceitos expostos por ENECCERUS,
KIPP e WOLFF.
3 MOTA PINTO, cit., 356: “A distinção entre negócios jurídicos e simples actos jurídicos assenta
precisamente neste critério da relação que intercede a vontade ou volição das partes dirigida a um
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Assim, o contrato é, antes de mais nada, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral,
formado pela integração de duas ou mais vontades, visando a produção de todo e qual-
quer efeito reconhecido pelo Direito4.
Ao conceito de contrato explicitado, costuma-se acrescentar um princípio tido como
basilar para a def‌i nição do seu regime: a “autonomia”. Esta signif‌i ca, em Direito, auto-
disciplina: é uma actividade e um poder de regulamentação de interesses – sendo o
interesse a relação entre aquele que sente necessidades e aquilo que é idóneo para as
satisfazer – pelos próprios interessados (opondo-se à ideia de heteronomia, na qual este
poder e esta actividade são provenientes de um terceiro ente, como as Leis ou as decisões
provenientes do Estado).
Da referida autonomia emana a liberdade contratual, isto é, a possibilidade que as
partes têm de celebrar contratos. Contudo, a partir daqui – conforme salientou, nos ensi-
namentos do curso de Doutoramento em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Coimbra, o Profesor Doutor SOUSA RIBEIRO – podem surgir problemas: se
é certo que a liberdade contratual vem ligada à liberdade em geral, também não se pode
negar que possui algumas especif‌i cidades que podem fazer “estremecer” esta ligação.
De facto, o exercício da liberdade contratual conforma a conduta futura do contraen-
te, acabando por implicar na perda de alguma liberdade ao vincular os interessados. Dito
resultado e os efeitos jurídicos produzidos”. Por conseguinte, a f‌i m de saber se estamos diante de um
negócio jurídico, convém portanto indagar se o efeito jurídico produzido pelo acto de manifestação da
vontade corresponde ao resultado querido pelo agente ou se antes os efeitos esperados eram outros.
Somente no primeiro caso haverá negócio.
4 PEREIRA COELHO, cit., 6 e 66. Não se pode ignorar que esta integração de duas ou mais vontades pode
não existir no chamado “negócio consigo mesmo” (cf. arts. 261 do Código Civil português e 117 e 665
do brasileiro), celebrado pelo representante a agir por si e pelo representado (ou mesmo na situação de
“dupla representação”, quando age por dois representados diversos). Este negócio é visto com restrições
pela ciência jurídica, face aos perigos que encerra, por dedicar-se a uma só pessoa a integração de interesses
diversos, o que pode vir a não suceder (v.g. porque o representante age só no seu interesse ou favorece o
interesse de um dos representados, em prejuízo do outro, em vez de representar em igualdade o interesse
de ambos). Ver Gustavo TEPEDINO, Maria Helena BARBOZA e Maria Celina BODIN DE MORAES, Código
Civil Interpretado conforme a Constituição da República – Vol. I2, (Renovar/Rio de Janeiro, São Paulo e
Recife, 2007), 239-242; bem como Jônatas MILHOMENS e Geraldo MAGELA ALVES, Manual Prático dos
Contratos8, (Forense/ Rio de Janeiro, 2006), 76-78.

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