Recomendação n.º 4/2020

Data de publicação23 Outubro 2020
SeçãoSerie II
ÓrgãoEducação - Conselho Nacional de Educação

Recomendação n.º 4/2020

Sumário: Recomendação sobre «A condição dos assistentes e dos técnicos especializados que integram as atividades educativas das escolas».

A condição dos assistentes e dos técnicos especializados que integram as atividades educativas das escolas

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelos Conselheiros Carlos Percheiro, Fernando Almeida e Francisco Miranda Rodrigues o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 24 de setembro, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a presente Recomendação que é complementada pelo Relatório Técnico disponível em www.cnedu.pt.

Introdução

A designação pessoal não docente integra um conjunto muito diversificado de agentes que exercem as suas funções no âmbito da educação e do ensino não superior no sistema educativo português. As suas habilitações académicas e/ou profissionais são muito díspares e as suas funções refletem um leque de competências muito distintas, amplamente diferenciadas nas suas exigências, nível de complexidade e responsabilidade, não obstante o contributo único e significativo de cada profissional para o sucesso, bem-estar e inclusão das crianças e jovens na educação escolar.

Este grupo, apesar da diversidade de profissionais que o compõe, com carreiras anteriormente dispersas, integra agora apenas três carreiras, tendo em conta a última transição (Decreto-Lei n.º 121/2008, de 12 de julho): Assistente Operacional (AO); Assistente Técnico (AT); Técnico Superior. A carreira de Técnico Superior engloba um amplo conjunto de profissionais com habilitação superior, que designaremos doravante por Técnicos Especializados (TE), nomeadamente psicólogos, formadores em Língua Gestual Portuguesa (LGP), intérpretes em LGP, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, animadores socioculturais, mediadores, fisioterapeutas, psicomotricistas, técnicos de serviço social e outros, como nutricionistas ou audiologistas.

Os referidos profissionais foram integrados em carreiras gerais, cujos conteúdos funcionais exigem formação em áreas específicas de natureza profissional. Os TE, em particular, são colocados através do diploma legal que estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados (Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho). A responsabilidade pelo emprego deste pessoal é também variável, tendo o recrutamento dos AO e dos AT sido até ao momento da responsabilidade regional/local, e o de alguns TE da responsabilidade da escola e/ou regional/local. Alguns serviços em matéria de saúde e serviço social são prestados às escolas por técnicos especializados, através de centros de recursos externos, nomeadamente os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI).

Durante longos anos, parte deste pessoal, em particular os AO, desempenhou uma "atividade desqualificada", de "apoio logístico às atividades de ensino" (Barroso, 1995: 20), na qual se evidenciavam ainda há vinte anos atrás as atividades de limpeza e arranjo das instalações dos estabelecimentos de ensino, com diferentes possibilidades e margens de autonomia, no seio de relações de saber e de poder, de contradições e de representações e estereótipos ligados à profissão (Almeida, Mota & Monteiro, 2001). Talvez por esse motivo, mais recentemente tenham chegado a ser retratados como profissionais "desinteressados", desconhecendo em que medida poderiam contribuir para o desenvolvimento da escola, insatisfeitos com os salários e com as carreiras, com pouca representatividade social, idade avançada e baixas habilitações (Simões, 2005: 173).

Todavia, a importância do papel dos AO tem vindo a ser largamente reconhecida, no que respeita às responsabilidades e à dimensão educativa do seu trabalho, valorizado sobretudo pela vantagem de estes profissionais serem detentores de um melhor conhecimento das dinâmicas do meio, por comparação com outros atores, podendo fornecer aos professores, psicólogos, ou outros intervenientes, preciosos indicadores que possibilitem melhorar o ambiente (Barroso, 1995; Almeida, Mota & Monteiro, 2001; Carreira, 2007).

Também a atividade dos técnicos especializados nas escolas tem vindo a demonstrar um percurso irregular, em matéria de presença, permanência e continuidade, devido à precariedade, isto é, à falta de estabilidade, associada a modelos de contratação e/ou criação de carreira, nomeadamente no que se refere aos profissionais de psicologia, serviço social e animação sociocultural, cuja integração no sistema educativo português remonta, respetivamente, a 1983, 1990 e 1997. Esta instabilidade tem trazido, para cada grupo destes profissionais, desafios significativos em termos de estatuto, afirmação e reconhecimento da profissão. A relevância da sua presença em contexto escolar e a sua ação para o cumprimento dos desafios da educação contemporânea são hoje inquestionáveis. Atualmente, reconhece-se inclusive que os benefícios da intervenção destes profissionais, no âmbito da sua especialidade, em muito excedem o apoio a alunos com dificuldades ou vulnerabilidades, constituindo-se antes uma mais-valia para todos os agentes educativos e para o próprio processo educativo. Além disso, a intervenção destes profissionais é uma garantia de maior bem-estar de e para toda a comunidade educativa. Bem-estar que serve hoje o propósito da educação, entendido não apenas como uma condição para a aprendizagem, mas enquanto finalidade da própria educação.

Com a emergência do novo paradigma de escola inclusiva, foram vários os normativos, documentos orientadores e projetos estruturantes que vieram introduzir alterações ao funcionamento das escolas e à atuação dos diferentes profissionais. Incluem-se os assistentes e técnicos especializados, que viram reconhecido o seu papel na prossecução da mudança, não sendo raras as vezes em que os documentos legislativos identificam estes profissionais como recursos humanos necessários e previstos para o cumprimento de medidas específicas. Os pressupostos preconizados para a valorização da escola e dos seus profissionais enquanto agentes de mudança e de desenvolvimento através de uma ação educativa orientada para a construção de ambientes educativos de qualidade, evidenciam, adicionalmente, a clara necessidade de diferenciação dos seus perfis profissionais e de competências.

No respeito pelas condições do exercício profissional dos assistentes operacionais e dos técnicos especializados, atendendo ao contexto das suas missões e à pluralidade de papéis e funções, entende-se oportuno:

a) Proceder a uma caracterização global deste grupo alargado de profissionais, explicitar as suas funções e papéis desempenhados, a articulação entre si e com os restantes agentes da comunidade educativa (e.g. alunos, educadores/professores, pais/cuidadores/encarregados de educação, órgãos de gestão/administração, poder local, tecido empresarial), evidenciando a sua importância para a construção de uma escola que se pretende inclusiva;

b) Clarificar as especificidades profissionais e as competências de cada categoria, de modo a facilitar um entendimento sobre quais os contributos e intervenção destes agentes educativos, quer no âmbito dos diferentes espaços, modalidades e níveis da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, incluindo os cursos profissionais, quer na implementação de medidas para o sucesso escolar e educativo;

c) Identificar mais especificamente que papéis assumem na escola inclusiva e no apoio a alunos, em particular os que integram grupos mais vulneráveis (e. g. contextos socioeconómicos e culturais mais desfavorecidos, portadores de deficiência);

d) Sintetizar o conjunto de desafios que se colocam ao exercício profissional dos assistentes operacionais e de técnicos especializados, às lideranças escolares e à gestão destes recursos humanos, identificando desta forma os critérios, opções e prioridades subjacentes à apresentação de um conjunto de recomendações sobre a condição dos AO e TE, no quadro das políticas educativas atuais.

I - A condição dos assistentes e dos técnicos especializados que integram as atividades educativas das escolas

1 - Enquadramento profissional dos assistentes e dos técnicos especializados

À legislação que suporta as carreiras e categorias do pessoal não docente não são alheias as evoluções no campo da reforma da Administração Pública e as mudanças de paradigma relativas aos conteúdos funcionais das diversas categorias, daí que seja importante o seu devido enquadramento.

Este pessoal começou por constituir o conjunto de profissionais com atividade de correspondência direta e específica com a missão da escola, nos domínios da gestão, organização e funcionamento dos estabelecimentos escolares, bem como no processo educativo (Decreto-Lei n.º 515/99 de 24 de novembro e Decreto-Lei n.º 184/2004, de 29 de julho). Mais tarde, vem a ser-lhes reconhecido um papel mais ativo no apoio à organização, à gestão e à atividade socioeducativa das escolas, com referência explícita aos serviços especializados de apoio socioeducativo (Decreto-Lei n.º 262/2007, de 19 de julho).

Atualmente, o pessoal não docente colocado em agrupamentos ou escolas não agrupadas, tutelados pelo Ministério da Educação, encontra-se integrado numa das seguintes carreiras - assistente operacional (AO), assistente técnico (AT) e técnico superior. Este facto acompanha as políticas de Modernização e Reforma da Administração Pública, no âmbito da qual se viram extintas 1716 carreiras de regime geral ou especial, categorias específicas e de corpos especiais, cujos conteúdos funcionais e requisitos habilitacionais permitiram o seu enquadramento nas atuais carreiras gerais (Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de julho).

De acordo com os normativos, convém explicitar a evolução das funções e dos papéis definidos, nomeadamente no âmbito das carreiras dos a) assistentes operacionais e dos b) técnicos...

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