Tramitação processual
Autor | Helder Martins Leitão |
Cargo do Autor | Advogado |
Páginas | 59-120 |
Page 59
Após termos percorrido ao longo das páginas antecedentes o instituto da responsabilidade, passamos de imediato ao encontro da prática.
Acompanhando a par e passo uma acção ligada, naturalmente, a pedido indemnizatório por acidente de viação.
Dando a lume as peças componentes da respectiva causa, com introdução de comentários achados por pertinentes.
Vejamos, então, o início da demanda:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VALONGO
MARIA CIDÁLIA FERREIRA ALVES , casada, residente na Rua Central de Campo, 2035 Campo, Valongo,
vem intentar acção declarativa de condenação , com processo sumário emergente de acidente de viação,
Contra:
COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, S.A. , com sede na Rua D. Manuel II, 290, Apartado 4047, 4041-809 Porto, Page 60 nos termos e com os seguintes fundamentos:
A A. é proprietária do veículo automóvel de marca Opel, modelo Frontera e matrícula 73-41-IB (que se designará por 1º veículo), tendo-o adquirido a Sandra da Conceição Soares de Magalhães (vide docs. 1 e 2).
No dia 26 de Outubro de 2002, pelas 11 horas, o 1º veículo era tripulado por Nelma Marina Alves da Rocha e sofreu um acidente.
Tal acidente ocorreu da forma que se passa a narrar:
-
Circulava tal veículo na EN 15, no sentido Campo-Porto, em estrada com 7 metros de largura, com piso em asfalto e em bom estado de conservação, (vide doc. nº 3), quando
b) Inesperadamente, surge pela direita, proveniente de via com circulação proíbida naquele sentido (vide docs. n. os 4 e 5), o veículo de marca Toyota, modelo Hiace, com matrícula NO-90-81 (e que passará a ser designado por 2º veículo), propriedade de Maria de Fátima Silva Almeida Gouveia e conduzido por José Carlos Caxide Gouveia,
c) Em resultado de tal manobra, o 1º veículo choca com toda a sua frente na parte lateral esquerda do 2º.
4º O acidente ocorre apenas porque o 2º veículo entrou numa via onde se processava trânsito num só sentido - no sentido ascendente perfeitamente assinalado (vide docs. 4 e 5), sendo que o próprio trânsito era regulado por semáforos.
5º A condutora do 1º veículo seguia a velocidade moderada. Page 61
6º De facto, fora obrigada a parar nos semáforos ali existentes e estava a arrancar, quando, inesperadamente, surge sem mais, o 2º veículo.
7º Que lhe invade a sua faixa de rodagem, num local absolutamente proíbido, pois do local donde surge o 2º veículo só era possível aceder em sentido ascendente (vide docs. 4 e 5),
8º Dando-se, assim, o embate: o 1º veículo bate com toda a sua parte da frente na parte lateral esquerda do 2º, que se lhe atravessara.
9º O 2º veículo, alegando que se apresenta pela direita e que o 1º veículo lhe vedou a prioridade a que tinha direito, escusa-se a assumir toda e qualquer responsabilidade, apesar de interpelado para o efeito (vide doc. nº 6).
10º O 2º veículo, causador do sinistro, estava seguro na Ré através da apólice 4101714649
11º Do acidente resultaram os seguintes danos materiais na viatura da A.:
-
Danos na parte da frente descriminados no doc. nº 7, que se dá como reproduzido, para todos os devidos efeitos legais, e que ascenderam ao montante de euros3.143,14.
b) Gasto com veículo de substituição facultado pela oficina Auto-Reparadora da Gandra, durante três meses, e que ascendem ao montante de euros 2.294,47.Page 62
12º A presente funda-se, de direito, nos artigos 483º e 503º, ambos do C.C..
Termos em que, deve a presente ser considerada julgada procedente, por provada, e, em consequência ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de euros5.437,61, sendo que dessa quantia, são:
- euros3.143,14 respeitantes ao custo da reparação e-
- euros 2.294,47 a título do custo da substituição do veículo imobilizado pelo período de três meses.
Devem tais quantias ser acrescidas de de juros à taxa legal, desde a data da citação e de procuradoria e custas.
Requerimentos:
A) - Requer-se a citação da ré para, querendo, contestar
B) - Requer-se a notificação da ré para juntar aos autos, conteste ou não a causa, a apólice ou o seu duplicado, referente ao contrato de seguro mencionado no artigo 10º desta peça.
Valor: euros5.437,61 (cinco mil, quatrocentos e trinta e sete euros e sessenta e um cêntimos).
Junta: 7 documentos, procuração e comprovativo da liquidação da taxa de justiça inicial.
Vai: suporte em papel.
PROVA TESTEMUNHAL:
1 - Nelma Marina Alves da Rocha, a apresentar;
2 - Armando dos Santos Marcelo, residente na Rua da Coletinha, 120, Campo, 4400 Valongo;Page 63
3 - Francisco Martins Alves, residente na Rua Trás-Vessadas, 21, 4580 Gandra;
4 - Artur Silva Moreira Freitas, residente na Rua da Escola Nova, 71, 4440 Susão, Valongo.
O Advogado,
Contr. nº ...
Cód. nº ...
Aqui ficou, nas páginas antecedentes, uma petição inicial transcrita na íntegra e destinada à obtenção de indemnização proveniente de acidente de viação.
De acordo com o prometido, vamos, de imediato, proceder à sua análise e comentário. Eis-nos em face da primeira peça do processo que iremos acompanhar ao longo das páginas subsequentes.
Tal como em outra qualquer acção, também aqui, com esta peça, se inicia o processo, tendo que obedecer ao preceituado nas várias alíneas do n.º 1, do art. 467.º do C.P.C..115
E a primeira preocupação a ter é a de saber a que tribunal se deve dirigir o peticionante de uma acção desta espécie: seja o problema da competência territorial, tratada do art. 73.º ao art. 89.º do C.P.C..
Acontece um acidente de viação, como o narrado na petição inicial que supra transcrevemos, o ofendido propõe-se instaurar a respectiva acção para obtenção da correspondente indemnização, e, então, perguntará: em que tribunal deve entregar o petitório?
Ora, a situação dos bens marca, em princípio, o tribunal competente. Assim é no caso de acções relativas a direitos reais sobre imóveis, de despejo, de preferência, de reforço, substituição, redução e expurgação de hipotecas.
Mas nenhum destes casos se aplica à acção que estamos a seguir. No caso de acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações ou a indemnização pelo inadimplemento, é competente o tribunal do lugar em que, por lei ou convenção escrita, a respectiva obrigação devia ser cumprida.
Também não é este o princípio a aplicar ao caso sub judice.
Qual será então?
A resposta encontra-se no n.º 2, do art. 74.º do C.P.C., que estipula: «Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu».Page 64
O acidente de viação relatado no petitório ocorreu em local pertencente à área da comarca de Valongo.
Logo, bem andou o demandante ao propôr a respectiva acção no tribunal cível daquela comarca.
Por vir a talhe de foice, dir-se-á que a infracção às regras da competência em razão do território tem como consequência a incompetência relativa do tribunal. Pode ser arguida pelo réu, sendo o prazo o fixado para a contestação, oposição ou resposta, ou quando não há lugar a estas, para outro meio de defesa que se tenha a faculdade de deduzir.
A consequência do deferimento desta excepção é a remessa dos autos para o tribunal competente.
Para além da competência territorial, haverá ainda que falar da competência em razão da matéria, em razão do valor e da hierarquia.
Na verdade, outra questão que se levanta ao proponente de uma acção por acidente de viação, é se deve ser interposta nalgum tribunal especial ou no tribunal comum.
A resolução desta questão encontra-se nos arts. 66.º e 67.º do C.P.C.. Para se fixar a competência do tribunal em razão da matéria, atende-se à natureza da relação jurídica material, em debate, segundo a versão apresentada em juízo.
As causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, são da competência dos tribunais judiciais. 116
A acção de indemnização resultante de acidente de viação não cabe nas que são atribuídas a ordem jurisdicional especial, pelo que a «nossa» Cidália Alves, entregando a petição no Tribunal de Valongo, que é um areópago comum, adequou-se, perfeitamente, às regras da competência em razão da matéria.
A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal que, nos termos do disposto no art. 102.º do C.P.C., pode ser requerida pelas partes e deve ser suscitada, oficiosamente, pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado, proferida sobre o fundo da causa.
Por outro lado, a incompetência em razão da matéria impede: a coligação de autores ou de réus e, portanto, que um autor demande, conjuntamente, vários réus por pedidos diferentes, 117 a cumulação de pedidos, 118 a dedução de pedidos subsidiários, 119 a apensação de acções, que propostas, separadamente, poderiam ter sido intentadas numPage 65 único processo, 120a formação de caso julgado, fora do próprio processo a pedido de qualquer das partes, a respeito de incidentes que se suscitem na acção ou de questões que o réu alegue como meios de defesa 121 e a extensão da competência do tribunal às questões deduzidas em via de reconvenção. 122
E da competência em razão de valor?
Importante esta questão, sem dúvida. É que os tribunais inferiores conhecem das causas que a lei submete à sua jurisdição, até ao limite do valor, expressamente, designado. 123
O Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso das causas cujo valor excede a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância. 124
A infracção das regras de competência em função do valor, tem como consequência a incompetência relativa do tribunal. 125
Esta pode ser arguida pelo réu, sendo o respectivo prazo, o fixado para a contestação, oposição ou resposta. Quando não haja...
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