Portaria n.º 552/87, de 03 de Julho de 1987

Acórdão n.º 205/87 Processo n.º 213/87 Acordam no Tribunal Constitucional: I Relatório

  1. O pedido 1 - Ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 278.º da Constituição da República e nos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade dos artigos 11.º, n.º 4, 12.º, n.º 2, 15.º, n.º 2, alínea h), 18.º, n.º 2, alíneas g) e i), e 19.º, n.os 3 e 4, do Decreto da Assembleia da República n.º 80/IV, que lhe fora remetido para promulgação como lei e que se reporta ao enquadramento do Orçamento do Estado.

    Segundo o Presidente da República, o artigo 11.º, n.º 4, do diploma em apreço, ao definir o conteúdo do articulado da proposta de lei do Orçamento, aponta para a necessidade de aí se incluírem 'os critérios que devem presidir à autorização e concessão de avales a operações de crédito interno e externo pelo Estado, pelos fundos e serviços autónomos e pela Segurança Social', podendo, neste ponto, estar a ir além do que se dispõe no artigo 164.º, alínea h), da Constituição, sobre autorização genérica de avales, e a pôr em causa o princípio da divisão de poderes consagrado no n.º 1 do artigo 114.º, conjugado com os artigos 202.º, alínea b), e 203.º, n.º 1, alínea f), da lei fundamental.

    Quanto ao artigo 12.º, n.º 2, afirma o requerente que, ao prever a possibilidade de a Assembleia da República (AR) 'promover directamente os estudos e audiências que entender convenientes' sobre 'avaliação da eficiência das despesas', pode estar eventualmente a ultrapassar a competência prevista no artigo 164.º, alínea g), da Constituição, quanto aos poderes financeiros parlamentares, bem como o disposto no n.º 4 do artigo 108.º, além do já citado princípio da divisão de poderes do n.º 1 do artigo 114.º, agora conjugado com os artigos 202.º, alínea b), e 185.º da lei fundamental.

    Alega ainda o Presidente da República que os artigos 15.º, n.º 2, alínea h), e 18.º, n.º 2, alíneas g) e i), ao exigirem elementos sobre a gestão financeira das regiões autónomas, podem contender com as competências consagradas no artigo 229.º, alíneas d), e), f) e j), quanto à autonomia regional e à sua independência financeira, ultrapassando eventualmente o que se encontra previsto no artigo 108.º, n.os 1 e 4, da Constituição.

    Finalmente, sustenta o requerente que o artigo 19.º, n.os 3 e 4, ao referir que o regime legal dos diferenciais e outros tributos cobrados pelos serviços autónomos, pelos fundos autónomos e pela Segurança Social e pelos organismos de coordenação económica e institutos públicos só pode ser modificado pela AR, com exclusão das taxas pagas pelos utilizadores directos dos bens e serviços fornecidos, contanto que o respectivo montante corresponda ao custo dos referidos bens e serviços, pode estar a ultrapassar, no tocante às taxas ou outros tributos que não correspondam a contrapartidas exactamente idênticas ao custo dos bens e serviços, o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

  2. A resposta 2 - Notificado o Presidente da AR, nos termos para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º da Lei n.º 28/82, veio aquele a oferecer o merecimento dos autos e a juntar os números do Diário da Assembleia da República relativos à discussão dos normativos em causa.

    Cumpre, agora, decidir.

    II Fundamentação

  3. Enquadramento sistemático 3 - De acordo com o preceituado na alínea p) do artigo 168.º da Constituição, é da exclusiva competência da AR legislar sobre 'regime geral de elaboração e organização dos orçamentos do Estado, das regiões autónomas e das autarquiaslocais'.

    No exercício desta competência, foi aprovada a Lei n.º 40/83, de 13 de Dezembro, sobre enquadramento do Orçamento do Estado, tendo em vista que o novo regime constitucional de elaboração e aprovação do Orçamento se aplicaria, pela primeira vez, ao Orçamento para 1984 (cf. artigo 239.º da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro).

    Posteriormente, cerca de dois anos volvidos, foram apresentados os projectos de lei n.os 48/IV (PCP), 92/IV (CDS) e 94/IV (PS), que se propunham o aperfeiçoamento da referida lei, tendo em conta, designadamente, a experiência recolhida na sua aplicação prática (cf. Diário da Assembleia da República, 2.' série, n.º 8, de 27 de Novembro de 1985, e n.º 30, de 11 de Janeiro de 1986).

    Os mencionados projectos de lei foram aprovados na generalidade e baixaram à Comissão de Economia, Finanças e Plano, a fim de aí se proceder à sua discussão e votação na especialidade. Finalmente, o texto alternativo da referida Comissão foi aprovado em votação final global pelo Plenário da Assembleia da República, em 28 de Abril de 1987, com o voto favorável do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e de dois deputados independentes, o voto contrário do PSD e de um deputado independente, e a abstenção do CDS (cf.

    Diário da Assembleia da República, 1.' série, n.º 31, de 7 de Fevereiro de 1986, e n.º 73, de 29 de Abril de 1987), dando origem ao Decreto n.º 80/IV.

    É neste diploma que se situam as normas cuja apreciação, sob o ponto de vista da respectiva conformidade constitucional, é agora requerida pelo Presidente da República.

  4. O artigo 11.º, n.º 4 4 - O capítulo II do diploma em apreço tem por epígrafe 'Procedimentos para a elaboração e organização do Orçamento do Estado', e nele se começa por tratar da proposta de orçamento (artigo 9.º) e do conteúdo da proposta de orçamento, especificando-se que esta 'deve conter o articulado da respectiva proposta de lei e os mapas orçamentais e ser acompanhada de anexos informativos' (artigo 10.º).

    O artigo 11.º, ao regular o conteúdo do articulado da proposta de lei, estabelece, no seu n.º 4, que esta deve conter 'os critérios que devem presidir à autorização e concessão de avales a operações de crédito interno e externo pelo Estado, pelos fundos e serviços autónomos e pela Segurança Social e o limite global das responsabilidades resultantes dos mesmos'.

    Questiona o Presidente da República se aqui se não foi além do disposto na alínea h) do artigo 164.º da Constituição e se, porventura, se não pôs em causa o princípio da divisão de poderes consagrado no n.º 1 do artigo 114.º, conjugado com os artigos 202.º, alínea b), e 203.º, n.º 1, alínea f).

    5 - Nos termos do disposto na mencionada alínea h) do artigo 164.º da lei fundamental, compete à AR 'autorizar o Governo a contrair e a conceder empréstimos e a realizar outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, definindo as respectivas condições gerais, e estabelecer o limite máximo dos avales a conceder em cada ano pelo Governo'.

    Da análise deste preceito resulta que, quanto aos empréstimos e outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, a autorização da AR há-de ser concedida caso a caso, definindo simultaneamente as respectivas condições gerais, como sejam o montante e a natureza, a entidade financiadora, o prazo de amortização e os encargos (cf. Pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República, vol. I, p.

    231; Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.' edição, 2.º vol., p. 183). Pelo contrário no que respeita aos avales, não se exige que o Parlamento autorize cada um deles de per si, pelo que basta que a Assembleia fixe o limite máximo anual do conjunto de avales que o Governo entenda conceder nesse período.

    Por outro lado, da alínea h) do artigo 164.º também não resulta, pelo menos expressamente, que a...

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