A) Perspectiva Histórico-Filosófica

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas10-25

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Toute la question serait de savoir pourquoi le juge n'a pas honte de son travail ou bien pourquoi, en ayant honte, il s'y accoutume et le continue.

Le Bras Séculier

Casamayor

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Ao querer conceptualizar a prova, depara-se-nos como que um conflito entre a retórica e a lógica.

Com efeito, a noção de prova não se configura com qualquer tipo de lógica.

Há mesmo, aliás, quem entenda que a prova terá de ser excluída de qualquer pesquisa filosófica, por sua íntima ligação a um sistema particular, específico.1

Em ordem à reunião de uma vasta gama de operações do intelecto tendentes ao encontro com a verdade.

O que, sem dúvida, se queda mais próximo de outros conceitos, entre os quais se podem encontrar os da ordem, da relevância e o do procedimento.

Sem ordem, jamais se pode alcançar um correcto conhecimento, como advém das formas prelógicas da mente humana, ligadas aos mecanismos psicológicos da memória e da reminiscência.2

A ordem é a trave-mestra, quiçá, todo o edifício do princípio da racionalidade e economia da pesquisa.

Permitindo escolher, seleccionar, entre a miríade de informação e da sequente inferência, o real e efectivamente importante.

E... eis a prova.

A ordem, a ideia da ordem,3 melhor dizendo, reduz-se e condiciona-se à seguinte questão prejudicial: a autonomia da retórica é-lhe concebida pela lógica, a da razão teórica pela razão prática, a da prova demonstrativa pela prova argumentativa.4

Entre lógica e retórica há, não uma fricção, antes e sim, complementariedade com vista à conceptualização da ordem.

E importa, antes de mais e em termos generalistas, observar adentro da lógica como é que o método probatório - nas vertentes filosófica, ética e científica - consegue estabelecer a distinção e quantas vezes a concessão à técnica do procedimento judicial.

Alessandro Giuliani5 esclarece que na utilização da técnica probatória, provinda da praxis judiciária grega do séc. V a.c., vai-se encontrar a pré-histórica da lógica.

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Pressupondo o acreditar na possibilidade de se alcançar a «verdade do facto», enquanto acontecimento histórico: um fenómeno físico, uma manifestação da vontade, um estado mental.

Confundida tamanha técnica com a dialéctica aristotélica6 e a lógica indutiva de Francesco Bacone, abrem-se as portas à interrogação da natureza com recurso a métodos inquisitoriais, chegando mesmo à tortura.

A interferência acabada de apontar, a sua melhor explicação, fomos encontrá-la em Nicola Nicolini:7 o procedimento judicial é «il termometro esatto della logica, della morale e delle istituzioni di un popolo».

E aqui está, neste conciso, a expressão do irreversível e perene conflito entre lógica e retórica, no âmbito do direito probatório, já se vê.

Sendo que este acabou por assimilar as duas frentes digladiando-se na ordem, tal como supra se mencionaram.

A harmonia e a assimetria.

Se um facto histórico aparece irredutivelmente ligado a um facto empírico (ver- dade provável), em termos argumentantivos, já em acento lógico-científico o mesmo encontra-se em perfeita comunhão com um facto empírico (verdade material) ou com um facto racional (verdade formal).

O vértice situar-se-á no equinócio: noção de prova/configuração, entre questão de facto e questão de direito e por fim decisão jurídica.

Aqui, o puro suprimento no campo da prova fáctica conduzirá à violação da neutralidade e da imparcialidade.8

Ao invés, em parâmetro assimétrico, a operação solitária da mente do juiz, legitima o suprimento, com repartição do ónus da prova.9

A tradição jusnaturalista permite-se, pelo menos teoricamente, duas situações limite, a saber:

- no direito natural clássico, contesta-se a ideia de monopolização da verdade, sob o pressuposto da contraposição entre a verdade prática e a verdade teórica;

- no direito natural moderno, entende-se que a verdade, talqualmente a lógica, é uma só; então, o monismo da verdade, gere implicações de carácter moral, fracturantes da lógica e da ética.

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O direito probatório bem pode considerar-se como um capítulo da história político-constitucional de uma certa época.

O que permite a confluência de princípios lógicos e éticos, por um lado e de vários aspectos institucionais, por outro lado; sobretudo, respeitantemente ao legislador/juiz e juiz/cidadão.

Bastará atentar:

- na ordem harmónica há como que uma instintiva dissonância, não apenas quanto ao suprimento do juiz na prova fáctica, senão igualmente face ao legislador quando este pretende regulamentar um sector que não é mais que uma razão prática, pública e social;

- na ordem assimétrica sustenta-se a ideia moderna do processo como fenómeno burocrático, no qual o funcionário-juiz não é responsável10 pelas consequências de sua decisão.11

A técnica probatória adentro da ordem harmónica permitirá a utilização correcta das operações da razão humana em situações controvertidas, como que numa peleja informação/contra-informação.12

A possibilidade de se atingir a verdade prática da cooperação involuntária entre os participantes em uma discussão jurídica, filosófica e política.

Discussão essa não pré-constituída e não espontânea, na medida em que emerge automaticamente do conflito entre as partes.

A busca da ordem harmónica deve evitar, por um lado, a tentação da demons- tração científica e, por outro lado, a degeneração da violência verbal.

A dialéctica aristotélica talvez seja o remédio para o alcançar daquela desejada convergência, ou seja, a lógica13 da ordem harmónica.

A violência, seja ela física ou meramente verbal, seja psíquica ou emocional, é inconciliável com a busca da verdade prática, material.

A moralização do processo não permite desigualdades entre governantes14 e governados, entre cidadãos e juízes.

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Na ordem assimétrica, um dos participantes no contencioso - o juiz ou uma das partes -, tem uma posição privilegiada, enquanto traz à lide uma evidência15 ou algo em substituição.

Pretende-se, com o apelo a esta ordem, garantir uma decisão rápida, em qualquer caso, sobre o facto incerto: o contraditório aparece como um imenso obstáculo à obtenção da verdade real.

O processo transporta consigo um desígnio:16 a condenação do réu, a defesa da sociedade, a tutela de direitos subjectivos.

Actore non probante, reus absolvitur,17 expressão do princípio do ónus da prova, que justificaria ser um non liquet, inaceitável.

Ou seja: a ordem assimétrica espelha um modelo de racionalidade subjectiva, formal, calculista ou, se o quisermos, burocrática.18

Compatível com um processo dirigido, apontado ao figurino de um juiz-funcionário.19

Sem rebuços para exercícios de autoridade, arrogância, apertada hierarquia, sacralização e estadualização do direito adjectivo.

Em diâmetro oposto encontra-se a função selectiva da quaestio iuris em busca da verdade objectiva, material a par da quaestio facti.

Configurando-se como um silogismo, uma contraposição a ter em conta no procedimento judicial.

É chamado à colação, no método probatório, a assimilação da prova jurídica à auscultação lógico-científica, conferindo à actividade do julgador a de um autêntico pesquisador.

No momento inicial, o facto desconhecido não passa de uma conjectura, uma hipótese científica, que deve ser verificada pela prova.

A informação não se adquire por casual e empírica recolha de dados, antes e sim por apuramento progressivo, do simples para o complexo, até ao resultado final.

A forma probandi utilizará critérios de clareza, regularidade, uma espécie de cartografia do conhecimento a partir de documentação de múltiplos ensaios, quando e se for caso disso.

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Subentendida, pois, uma teoria do facto, privilegiando o presente, por impossibilidade de observação do passado.

Será na lógica da descoberta científica que o juiz encontrará os critérios necessários e suficientes para a repartição da prova entre as partes.

O que, retira qualquer importância ao princípio retórico do ónus da prova, quando obstativo à procura da verdade material.

Para a verdade formal o que verdadeiramente interessa é a decisão da lide, não o conhecimento da verdade objectiva.

A verdade formal elimina qualquer margem de subjectivismo da decisão judicial sobre o facto, substituindo a lógica da informação por uma teoria formal do contencioso criando como que um modelo de discussão racional.

É a estrutura da lógica Leibniziana apostando na busca nos vrais moyens de finir la dispute de forma rápida e correcta, seja com base em verités de raison, seja a partir de verités de fait.

O encontro da verdade de facto com a verdade da razão é que, na realidade, constitui uma autêntica e grande novidade.

A estrutura do direito mais não faz que confirmar a compatibilidade da lógica da probabilidade20 com os caracteres condicionantes da verdade, peculiares da lógica formal.

Com efeito, a legislação que não depende de um dado histórico e contingente, surge como uma máquina computística, programada pelo legislador na base do cálculo da probabilidade.21

Donde e portanto, a lei oferecer um procedimento abreviado de relações, algumas das quais, aliás, não são outra coisa que conceitos jurídicos: «ex logicis multa assumunt Jurisconsulti circa propositiones conditionales seu disjunctivas».22

Isto, pode levar à falsa conclusão de o facto ser estranho à lógica jurídica.

Na verdade, são considerados em sua componência, elementos empíricos, temporais e circunstanciais.

O direito em seu aspecto mais geral não depende da prova sensorial, antes da prova racional.

A jurisprudência - como a matemática - não é baseada na experiência e na factologia, ainda que pretende «à rendre raison des faits et à les régler par avance».

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Com a Idade Média, aparece a figura da ordo iudiciarius.

A condição no negócio jurídico constituía o modelo dos factos a relacionar, fruto da exigência da sociedade cada vez mais votada às trocas comerciais.

Seja: acordo iudiciarius implica desenvolvimentos não apenas na dialéctica, mas também na filosofia moral e política.

O encontro da tradição retórica...

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