Parecer n.º 2/2017

Data de publicação03 Agosto 2017
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 2/2017

Organização administrativa - Administração direta do Estado - Relações interorgânicas - Auxilio administrativo - Partilha de serviços - Inspeção-Geral da Agricultura Mar Ambiente e Ordenamento do Território e Energia.

1.ª Cumpre à Inspeção-Geral da Agricultura e Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), segundo a atual orgânica do XXI Governo Constitucional, executar tarefas de auditoria e exercer poderes de inspeção, de polícia administrativa e criminal em áreas da administração direta do Estado confiadas a quatro Ministros: o Ministro do Ambiente, o Ministro Adjunto, o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural e a Ministra do Mar.

2.ª O Decreto-Lei n.º 153/2015, de 7 de agosto, concentrou na Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia tarefas e competências homogéneas de gestão de recursos humanos, financeiros e patrimoniais, de apoio jurídico e contencioso, que se encontravam replicadas por diversos órgãos de todo o Ministério, incluindo a IGAMAOT.

3.ª Porém, de acordo com a parte final do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 153/2015, de 7 de agosto, continua reservado à IGAMAOT tudo quanto no domínio do apoio jurídico e contencioso disser respeito às incumbências específicas de inspeção, auditoria, polícia administrativa e criminal, assim como às que decorram do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado.

4.ª A vinculação constitucional do legislador em matéria de organização da administração direta do Estado apresenta densidade muito reduzida, competindo exclusivamente ao Governo adotar as soluções orgânicas que entenda serem as mais funcionais para os órgãos e serviços sob a direção de cada Ministro (artigo 198.º, n.º 2 da Constituição).

5.ª Apesar de a Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, consignar um regime jurídico geral para a administração direta do Estado que dependa do Governo, não pode qualificar-se como lei de valor reforçado.

6.ª De todo o modo, a Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, não obsta à valorização das secretarias-gerais, mormente à devolução de funções comuns, na linha do que, mais tarde, se gizou no Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) iniciado com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 124/2005, de 4 de agosto.

7.ª O regime jurídico da atividade de inspeção, auditoria e fiscalização dos serviços da administração direta e indireta do Estado (Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 de julho) não aponta para que as inspeções-gerais tenham de ser autossuficientes na gestão do património e das finanças, na administração do pessoal ou em outras tarefas de intendência que suportam as demais missões administrativas.

8.ª Do estatuto de órgão de polícia criminal não parece resultar como necessária a incolumidade da IGAMAOT em face da valorização da Secretaria-Geral, dado que a coadjuvação das autoridades judiciárias não a subtrai ao exercício da função administrativa.

9.ª O Sistema de Controlo Integrado da Administração Financeira do Estado e o papel que nele é conferido ao nível do controlo operacional à IGAMAOT, parecem compatíveis com a alteração orgânico-funcional introduzida, sem prejuízo das necessárias instruções que se justifiquem da parte do Ministro do Ambiente e da coordenação entre o órgão inspetivo e a Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.

10.ª Os deveres de sigilo que se imponham, nomeadamente sobre o conhecimento de factos protegidos pelo segredo de justiça, abrangem o pessoal da Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e estendem-se a todas as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com os processo ou acedido a elementos que lhe pertençam (artigo 371.º, n.º 1, do Código Penal). Até certa fase das respetivas marchas, os procedimentos contraordenacionais e os procedimentos disciplinares encontram-se protegidos pela norma que incrimina a violação do segredo de justiça (artigo 371.º, n.º 2, do Código Penal).

11.ª Os deveres de imparcialidade e de lealdade que impendem sobre todos os trabalhadores em funções públicas e o exercício da ação disciplinar perante a sua infração apresentam-se como um importante suporte ao bom desempenho das respetivas missões por parte da IGAMAOT e da Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.

12.ª O regime do auxílio administrativo incidental, consagrado no artigo 66.º do Código do Procedimento Administrativo, é de aplicar ao auxílio administrativo sistemático, designadamente no que respeita a deveres de reserva e de confidencialidade. Assim, o órgão e os serviços que prestam auxílio encontram-se sujeito às mesmas condicionantes que o órgão decisor.

Senhor Ministro do Ambiente

Excelência,

É requerida por Vossa Excelência a pronúncia do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República(1), relativamente a alterações que o Decreto-Lei n.º 153/2015, de 7 de agosto, imprimiu ao regime orgânico da Inspeção-Geral da Agricultura e Mar, Ambiente e Ordenamento do Território(2), ao regime orgânico da Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia(3) e à orgânica da Direção-Geral do Território(4).

Distribuído o pedido de consulta(5), cumpre-nos formular parecer, em conformidade com disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público(6).

§1.º Delimitação do objeto.

As alterações terão concentrado na Secretaria-Geral diversas competências que se encontravam repartidas por outros órgãos, em termos que, pergunta Vossa Excelência, se serão compatíveis com a missão própria da Inspeção-Geral da Agricultura e Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, com a autonomia administrativa e com o estatuto de órgão de polícia criminal que lhe assiste.

A Secretaria-Geral terá passado a prestar indistintamente tarefas de natureza e conteúdo comuns a vários órgãos e serviços, em matéria de gestão do pessoal, dos recursos financeiros e património, apoio jurídico e contencioso (cf. artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 153/2015, de 7 de agosto) sem se ter cuidado que «esta alteração poderá repercutir-se na plena imparcialidade e confidencialidade - podendo, quer por uma razão, quer pela outra, ser geradora de impedimentos - em três vertentes da missão da IGAMAOT».

Prossegue o pedido de consulta com a enunciação dessas vertentes da atividade da IGAMAOT, a saber:

(1) Enquanto órgão de inspeção;

(2) Enquanto órgão incumbido do controlo sectorial, a desenvolver no âmbito do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado; e,

(3) Enquanto órgão de polícia criminal.

À vertente inspetiva é apontado ter de valer-se dos serviços da Secretaria-Geral, em termos que podem «colocar em causa o apuramento de responsabilidade por eventuais atos da IGAMAOT nos domínios da gestão dos recursos humanos, financeiros, patrimoniais e do apoio jurídico e de contencioso(7)».

Ter-se-á criado uma clivagem entre as atividades de inspeção, auditoria e demais operações de controlo (reservada à IGAMAOT) e as condições para a sua preparação e execução (confiadas à Secretaria-Geral) o que teria vindo a revelar-se disfuncional, introduzindo opacidade na imputação de responsabilidades e potenciando atritos.

Cumprindo à IGAMAOT fiscalizar a atividade administrativa da própria Secretaria-Geral, as alterações legislativas terão induzido uma contradição nos termos das relações interorgânicas. Dado que a IGAMAOT é chamada a fiscalizar os serviços de um órgão que lhe é imposto como único meio de execução das suas operações, avolumam-se riscos na isenção, em tudo o que lhe é obrigatoriamente prestado pela Secretaria-Geral.

Por outro lado, a IGAMAOT desempenha funções no Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado. À nova relação interorgânica com a Secretaria-Geral é apontado um efeito inibidor no pleno exercício das tarefas, na medida em que a prestação de serviços de administração geral por este órgão potencia uma relação pouco sã de dependência institucional.

Não apenas estará em causa o desempenho de tarefas gestionárias pela Secretaria-Geral, como também o controlo de organismos, programas e fundos, designadamente o Conselho Nacional da Água e o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, os programas POLIS (Requalificação e Valorização), PRAUD (Recuperação de Áreas Urbanas Degradadas) e POSEUR (Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos), além do Fundo Ambiental.

À vertente de polícia criminal, por seu turno, é apontado que os mesmos vínculos interorgânicos não se conformam com as exigências de inalienabilidade das competências fixadas por lei.

Vale por dizer que a IGAMAOT, enquanto órgão de polícia criminal, vê-se confrontada com uma partilha de competências que, por definição, não poderiam ser repartidas com órgãos alheios à investigação criminal e à coadjuvação das autoridades judiciárias.

A tudo isto acresce, como se dá conta no pedido de consulta, a circunstância de a IGAMAOT se encontrar adstrita, não apenas às atribuições do Estado prosseguidas pelos órgãos e serviços sob direção ou tutela do Ministro do Ambiente, como também ao desempenho de competências inspetivas e de polícia criminal nas áreas da governação de três outros Ministros: o Ministro Adjunto, o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural e a Ministra do Mar.

Uma vez condicionada a atividade da IGAMAOT pelas tarefas da Secretaria-Geral que, embora de apoio, são essenciais, acaba por ter de expor dados contidos em procedimentos e processos administrativos ambientais e documentos oriundos de outros ministérios, sobressaindo, pelo especial melindre, a confidencialidade reforçada dos expedientes sancionatórios (desde o ilícito penal ao disciplinar).

O pedido de consulta vem formulado, mais precisamente, nos termos que passamos a transcrever:

«Considerando que entre as atribuições da IGAMAOT se incluem as de inspeção, controlo, auditoria, e polícia criminal com vista...

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