Parecer n.º 108/2006, de 16 de Maio de 2007

Parecer n.o 108/2006

Medidas de polícia - Meios coercivos - Cáes policiais - Cinotecnia Manutençáo da ordem e segurança pública - Princípio da legalidade

  1. a Nos termos da Constituiçáo da República Portuguesa, a polícia tem por funçóes defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadáos, remetendo-se para a lei a tipificaçáo das medidas de polícia, que náo devem ser utilizadas para além do estritamente necessário (artigo 272.o, n.os 1 e 2).

  2. a A prevençáo dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadáos (artigo 272.o,n.o 3).

  3. a A Constituiçáo apenas consagra que a lei fixe o regime das forças de segurança, náo exigindo que sejam tipificados os meios coercivos que utilizem na aplicaçáo das medidas de polícia (artigo 272.o, n.o 4).

  4. a A lei ordinária - Decreto-Lei n.o 457/99, de 5 de Novembro - só tipifica e regula autonomamente como meio coercivo a utilizar pelas forças de segurança na aplicaçáo das medidas de polícia as situaçóes de recurso às armas de fogo em acçóes policiais.

  5. a O uso da força, nomeadamente através da utilizaçáo pelos agentes policiais de cáes de intervençáo táctica em operaçóes policiais da competência da GNR e da PSP (binómio cinotécnico policial), na captura de criminosos especialmente perigosos e na manutençáo ou reposiçáo da ordem pública, encontra fundamento legal nas respectivas leis orgânicas (artigos 30.o da LOGNR e 4.o da LOFPSP).

  6. a A utilizaçáo de cáes de intervençáo táctica pelas forças policiais na captura de criminosos especialmente perigosos e na manutençáo da ordem pública deve, em qualquer caso, salvaguardar o princípio da dignidade humana e os direitos fundamentais dos cidadáos e pautar-se pelo respeito dos princípios da necessidade, da exigibilidade e da proporcionalidade.

    Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administraçáo Interna:

    Excelência:

    I - Dignou-se V. Ex.a solicitar a este corpo consultivo, com carácter de urgência, a emissáo de parecer sobre matéria relacionada com a legalidade de utilizaçáo de cáes de intervençáo táctica em operaçóes policiais, tendo em vista fixar as condiçóes e os limites daquele uso pelas forças de segurança (1).

    Cumpre emiti-lo.

    II - A acompanhar o pedido de consulta encontra-se um parecer do Sr. Auditor Jurídico, do qual se destacam as seguintes passagens (2):

    1 - O Sr. Chefe do Estado-Maior-General da Guarda Nacional Republicana, referindo a necessidade de conceber e apresentar um projecto para consolidar a formaçáo e certificar os cursos de 'Binómios cinotécnicos de intervençáo táctica' e reconhecendo a existência de dúvidas sobre a 'legalidade da utilizaçáo de cáes de inter-vençáo táctica numa operaçáo policial para minimizar os possíveis danos que um indivíduo perigoso possa causar', solicitou, directamente, ao Sr. Procurador-Geral da República, que sobre esta matéria fosse emitido parecer do Conselho Consultivo [. . .]

    2-[...] 3 - Crê-se que a questáo suscitada pelo Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana é inteiramente pertinente e relevante, porque a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública dispóem de 'unidades cinotécnicas' nos respectivos dispositivos operacionais.

    E se náo se levantam grandes dúvidas, no que concerne à adequaçáo da utilizaçáo dos cáes em 'operaçóes policiais de busca e salvamento' - estamos a pensar em actuaçóes no âmbito da protecçáo civil, na sequência de desastres naturais, como sáo os terramotos, as inundaçóes, os desmoronamentos, etc. -, já o mesmo náo acontece com a utilizaçáo de cáes de intervençáo táctica em 'operaçóes policiais para captura de criminosos especialmente perigosos' ou em 'operaçóes policiais de manutençáo ou reposiçáo da ordem pública'.

    4 - Torna-se, assim, necessário, face ao disposto no artigo 272.o, n.os 2 e 3, da Constituiçáo da República, analisar a questáo da 'legalidade da utilizaçáo de cáes de intervençáo táctica', e firmar doutrina acerca das 'condiçóes e limites' de tal utilizaçáo pelas forças de segurança (GNR e PSP).

    III - «Cinotecnia», vocábulo composto de «cino» e «tecnia», poderá definir-se, embora sem rigor científico, como o estudo da origem, a vida e a evoluçáo da família canidae (que integra, hoje em dia, o cáo, o lobo, o coiote e o chacal) (3). Por sua vez, actividade cinotécnica poderá significar o adestramento ou técnica de treino e utilizaçáo de cáes pelo homem (4).

    1 - Na legislaçáo com que nos confrontamos, uma das primeiras referências à utilizaçáo de cáes pelas forças policiais surge no Decreto-Lei n.o 317/85, de 2 de Agosto, que estabelece normas a que deve submeter-se a profilaxia médica da raiva e as medidas de polícia sanitária, conjunto este integrado no Programa Nacional de Luta e de Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal. Neste diploma, os cáes sáo classificados nas categorias A, B e C, englobando a primeira os cáes destinados exclusivamente, entre outros fins, a «[s]erviços militares, militarizados e policiais» [artigo 2.o, n.o 1, alínea c)] (5) (6).

    Concretamente relacionado com a actividade cinotécnica temos o Decreto-Lei n.o 231/93, de 26 de Junho, que aprovou a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, e cujo artigo 63.o, sob a epígrafe «Unidades», refere que a Escola Prática da Guarda (EPG) é uma das unidades da Guarda Nacional Republicana (n.o 1), articulando-se «em subunidade de comando e serviços, direcçáo de instruçáo e grupos de instruçáo que integram subunidades de formaçáo pessoal, de formaçáo de condutores e de formaçáo cinotécnica» (n.o 2) (7).

    O artigo seguinte - 64.o -, sob a epígrafe «Escola Prática», acres-centa no n.o 1 que a Escola Prática da Guarda é uma unidade especialmente vocacionada para a formaçáo moral, cultural, física, militar e técnico-profissional dos oficiais, sargentos e praças e ainda para a actualizaçáo e valorizaçáo dos seus conhecimentos e no n.o 2 que a Escola Prática «[é]responsável pela instruçáo cinotécnica e pela aquisiçáo de cáes, em colaboraçáo com a chefia do Serviço Veterinário» (8).

    2 - Para melhor nos situarmos na problemática do parecer, mostra-se oportuno transcrever o seguinte despacho do general coman-dante-geral da Guarda Nacional Republicana de 1 de Julho de 1997:

    1 - Aprovo para utilizaçáo na Guarda Nacional Republicana o Manual de Normas para Utilizaçáo e Emprego Operacional das Equipas Cinotécnicas da Guarda, constituído por um volume.

    2 - Este Manual é classificado de reservado e a informaçáo que contém só pode ser facultada ao pessoal estranho à Guarda, mediante autorizaçáo do Comando.

    Do Manual referido (9), destacamos as seguintes passagens:

    1 - Finalidade:

    a) As presentes normas têm como finalidade uniformizar a forma de utilizaçáo e o emprego operacional das equipas cinotécnicas; b) Para além do seu principal objectivo, estas normas constituem ainda um precioso auxiliar para todos os graduados com funçóes de comando, a quem estáo ou possam vir a ser atribuídos estes meios, facultando-lhes a obtençáo de um conhecimento mais complexo das suas potencialidades, adequada utilizaçáo e normalizaçáo de procedimentos;

    12 920 c) Náo é do âmbito destas normas falar de pormenores do treino que, pela sua especificidade, é remetida para a missáo da subunidade cinotécnica da Guarda - Companhia Cinotécnica.

    2 - Generalidades:

    a) Interesse policial do cáo - ao longo dos séculos a sombra do homem projectou-se num animal doméstico - o cáo, cuja importância foi objecto permanente de atençáo de homens das letras e das ciências, artistas e militares, naturalistas e filósofos, que lhe endereçaram pensamentos e citaçóes, tornando-o ímpar na nossa história universal.

    [...]

    Vejamos alguns exemplos da sua utilidade: guia de cegos, procura de pessoas perdidas, salvando afogados, buscando soterrados sob a neve ou entre ruínas, guardando pessoas e bens, vigiando propriedades, combatendo ao lado do seu tratador, dando caça a malfeitores, farejando drogas ocultas ou objectos perdidos, etc.

    Hoje, mais do que nunca, a cinofilia vem alargando o seu âmbito, conquistando cada vez mais novos adeptos e entusiastas.

    Quer nos países onde a cinotecnia fez história, quer naqueles onde ela atingiu já um processo evolutivo considerável, a presença dos cáes nas forças policiais é também hoje uma realidade, fruto da sua versatilidade entre outras vantagens que se podem enumerar:

    Manutençáo económica;

    Qualidades peculiares; Substituiçáo do homem no desempenho de determinadas missóes com eficiência e garantia de êxito;

    Desempenho de missóes específicas que só aos cáes podem ser confiadas;

    Economia de pessoal;

    Efeitos psicológicos; Alistamentos por períodos de 10 anos sem quaisquer pretensóes ou reivindicaçóes.

    Fica assim demonstrada a importância da sua utilizaçáo em acçóes de âmbito policial, realçando-se, uma vez mais, o extraordinário valor que o cáo representa, como mais um meio para o cumprimento da missáo.

    Importa ainda realçar que os cáes sáo 'armas psicológicas', que se podem utilizar de forma preventiva ou repressiva, para legítima defesa ou para vencer resistências ao cumprimento das respectivas ordens legais.

    b) Especialidades dos cáes na GNR - após a fase de adaptaçáo e treino nos respectivos cursos de especializaçáo, os cáes sáo classificados em:

    Cáo-patrulha;

    Cáo detector de droga;

    Cáo detector de explosivos; Cáo de busca e salvamento (em catástrofes e avalanches).

    No decorrer do curso, cada cáo evidencia o seu complexo conjunto de instintos e comportamentos, que, aliados às características genéticas, nos váo permitir seleccioná-los para diversas 'subespecialidades'.

    a) O objectivo do seu treino consiste basicamente na potencializaçáo ou regulaçáo desses mesmos instintos.

    b) Assim, podemos encontrar no mesmo cáo potencialidades com níveis variáveis, que permitiráo a sua utilizaçáo quer como cáo-patrulha, pisteiro ou na manutençáo da ordem pública (MOP).

    No caso particular dos cáes...

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