Acórdão n.º 443/2008, de 28 de Outubro de 2008

Acórdáo n. 443/2008

Processo n. 299/08

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional, 1 - Relatório.

O município do Porto interpôs recurso excepcional de revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), ao abrigo do artigo 150. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n. 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdáo do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de Fevereiro de 2007, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 4 de Janeiro de 2006, que julgara procedente a acçáo administrativa especial instaurada por Jorge Manuel Ferreira Passos e anulara, por padecer do vício de incompetência, o despacho do Vereador do Pelouro da Juventude, Desporto, Euro 2004, Educaçáo e Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, de 15 de Setembro de 2004, proferido no uso de competências delegadas pelo respectivo presidente da Câmara, que aplicara ao autor a pena disciplinar de 45 dias de suspensáo, com execuçáo suspensa por dois anos.

As alegaçóes apresentadas pelo recorrente foram sintetizadas nas seguintes conclusóes:

1 - A jurisprudência invocada pelo aresto ora recorrido foi emitida ao abrigo da legislaçáo anterior.

2 - O Estatuto Disciplinar foi elaborado, em matéria de lei das autarquias, na vigência da Lei n. 79/77.

3 - Esta lei conferia à câmara municipal o poder de «superintender na gestáo e direcçáo do pessoal ao serviço do município», entendendo -se caber nesse os poderes de «nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários assalariados municipais».

4 - O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgáo autónomo - órgáo municipal -, o que resulta do n. 4 do artigo 18. do Estatuto Disciplinar.

5 - Hoje, de acordo com o artigo 68., n. 2, alínea a), da Lei n. 169/99, «compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestáo e direcçáo dos recursos humanos afectos aos serviços municipais».

6 - A competência do presidente da câmara para a gestáo e direcçáo dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva.

7 - O presidente da câmara é o órgáo executivo singular do município.

8 - O poder de aplicaçáo de sançóes disciplinares é assunto indissociável da gestáo e direcçáo dos recursos humanos.

9 - O Estatuto Disciplinar náo contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68., n. 2, alínea a), da Lei n. 169/99.

10 - O Estatuto Disciplinar limita-se a explicitar, mas náo a atribuir competências.

11 - Norma de atribuiçáo de competência é o artigo 68., n. 2, alínea a), da Lei n. 169/99.

12 - A matéria disciplinar náo é especial relativamente à autárquica.

13 - É antes uma secçáo do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secçáo do direito disciplinar.

14 - A Revisáo de 1997, na nova redacçáo dada ao n. 2 do artigo 243. da CRP, esclareceu que, a haver alguma especificidade, ela seria sempre de cariz autárquico.

15 - O resultado normativo que dê preferência, por especial ainda que anterior, às normas do Estatuto Disciplinar face a normas autárquicas é inconstitucional.

16 - O artigo 18. do Estatuto Disciplinar, no entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, é inconstitucional por vulneraçáo do comando da parte final do artigo 243., n. 2, da CRP.

17 - Uma interpretaçáo que defende a extensáo do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuiçáo e repartiçáo de competências entre órgáos autárquicos está, necessariamente, ferida de inconstitucionalidade.

18 - A Lei de Autorizaçáo Legislativa ao abrigo da qual foi emitido o Estatuto Disciplinar (Lei n. 10/83, de 13 de Agosto) náo habilita o Governo a legislar no âmbito da actual alínea q) do n. 1 do artigo 165. da CRP, respeitante ao Estatuto das Autarquias Locais, que abarca

náo só a organizaçáo e as atribuiçóes das autarquias, mas também a competência dos seus órgáos e a estrutura dos seus serviços.

19 - A Lei n. 10/83 somente confere ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do n. 1 do artigo 165. da CRP.

20 - A interpretaçáo perfilhada pela sentença recorrida equivale a aceitar que um decreto-lei autorizado (no caso, o Estatuto Disciplinar) para uma dada matéria reservada é apto a definir parte do regime jurídico respeitante a outra matéria também reservada (no caso, o estatuto das autarquias locais), ao abrigo do qual náo foi emitida qualquer lei de autorizaçáo e que a Assembleia da República entendeu ela própria regular (no caso a Lei n. 169/99).

Por acórdáo de 13 de Fevereiro de 2008, o STA negou provimento ao recurso jurisdicional, desenvolvendo, para o efeito, a seguinte fundamentaçáo:

"III - O Direito.

A questáo suscitada pelo recorrente e cuja relevância justifica o presente recurso excepcional de revista é a de saber a quem cabe, na vigência da Lei das Autarquias Locais n. 169/99, de 18 de Setembro, a competência para impor a aplicaçáo de sançóes disciplinares aos funcionários e agentes afectos aos serviços municipais - se à câmara municipal, se ao seu presidente.

Resulta da matéria provada que ao autor da presente acçáo, funcionário da Câmara Municipal do Porto, com a categoria de técnico superior consultor jurídico principal, foi aplicada, em 15 de Setembro de 2004, pelo (...) Vereador do Pelouro da Juventude, Desporto, Euro 2004, Educaçáo e Recursos Humanos, ao abrigo de delegaçáo de competência do (...) Presidente da Câmara do Porto, a pena disciplinar de 45 dias de suspensáo, com execuçáo suspensa por dois anos.

Quer a sentença do TAF do Porto, quer o acórdáo do TCA Norte que a manteve, entenderam verificar-se o invocado vício de incompetência do autor do acto, por ser a Câmara Municipal do Porto, e náo o seu Presidente, o órgáo que tem a seu cargo o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários e agentes municipais, competência que fundamentam no artigo 18. do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto -Lei n. 24/84, de 16 de Janeiro, considerando que tal preceito náo foi revogado pela Lei n. 18/91, de 12 de Junho, na redacçáo conferida ao n. 2 do artigo 53. do Decreto -Lei n. 100/84, de 29 de Março (LAL), nem pela posterior Lei n. 169/99, de 16 de Setembro, como defendia o município.

O recorrente Município continua a defender que, contrariamente ao decidido, o despacho impugnado náo padece de vício de incompetência, pois o (...) Vereador, autor do acto impugnado, praticou -o no uso de competência validamente delegada pelo presidente da Câmara, que, enquanto verdadeiro órgáo autárquico, é quem hoje detém, originariamente, a competência para decidir todos os assuntos relacionados com a gestáo e direcçáo dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, nos termos da alínea a) do n. 2 do artigo 68. da citada Lei n. 169/99, sendo que o poder de aplicaçáo de sançóes disciplinares é assunto indissociável da gestáo e direcçáo dos recursos humanos.

Defende ainda que o Estatuto Disciplinar náo atribui competências, limitando -se a explicitar as competências atribuídas pela lei própria, que é a lei reguladora do quadro de competências, no caso a LAL

n. 169/99, e, por isso, náo contraria, antes complementa o disposto no citado artigo 68., n. 2, alínea a), dessa Lei, mas, a considerar -se que o contraria, entáo deve considerar-se derrogado por ela.

Cita, em seu apoio, o parecer do Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida, que juntou aos autos com as alegaçóes de recurso para o TCA.

Invoca, ainda, a inconstitucionalidade de eventual interpretaçáo que defenda que o artigo 18. do Estatuto Disciplinar, como norma especial, náo foi revogado pela referida Lei n. 169/99, por vulneraçáo do comando da parte final do artigo 243., n. 2, da CRP, na redacçáo da Revisáo de 1997 e ainda a inconstitucionalidade da interpretaçáo que defenda a extensáo do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuiçáo e repartiçáo de competências entre os órgáos autárquicos, por falta de autorizaçáo legislativa para o efeito.

Vejamos:

à data da prática do acto punitivo aqui em causa, estava em vigor o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administraçáo Central, Regional e Local (doravante ED), aprovado pelo Decreto -Lei n. 24/84, de 16 de Janeiro.

43786 Como expressamente consta do seu artigo 1., o ED aplica-se aos funcionários e agentes da administraçáo central, regional e local, apenas se exceptuando do âmbito da sua aplicaçáo os funcionários e agentes que possuam estatuto especial.

Portanto, náo restam dúvidas que o ED se aplica aos funcionários e agentes das autarquias.

O ED foi emitido ao abrigo da autorizaçáo legislativa constante da Lei n. 10/83, de 13 de Agosto, nos termos da alínea d) do n. 1 do artigo 168. da CRP/82, que respeita ao regime geral de puniçáo das infracçóes disciplinares.

Com efeito, nos termos do artigo 1., n. 1, alínea b), da citada Lei, o Governo é autorizado a legislar «em matéria de regime disciplinar da funçáo pública» e, nos termos do n. 3 do mesmo preceito: «O regime a instituir nos termos da alínea b) do n. 1 visa introduzir alteraçóes ao Decreto -Lei n. 191 -D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupçáo passíveis de sançáo disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execuçáo e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar». (sublinhados nossos).

Deve aqui referir-se que o anterior Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto -Lei n. 191 -B/79, de 25 de Junho, náo se aplicava directamente às autarquias locais em certas matérias, designadamente no que respeita à competência disciplinar, porque o legislador, face às particularidades que reveste o seu regime, designadamente à auto-nomia dos respectivos órgáos - embora subordinados às leis gerais da República - julgou preferível a adaptaçáo dessas matérias por via regulamentar (cf. preâmbulo do citado diploma e seus artigos 1., n. 2, e 19.). Só que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT