Acórdão n.º 475/2006, de 20 de Outubro de 2006

Acórdáo n.o 475/2006

Processo n.o 241/06

Acordam, em conferência, na 3.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1 - Joáo Duarte Fernandes Soares interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.o 1 do artigo 70.o da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro (LTC): i) da sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa (1.o Juízo) que julgou improcedente a impugnaçáo da decisáo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social que lhe indeferira um pedido de apoio judiciário; bem como ii) do despacho que indeferiu o pedido de aclaraçáo e; iii) do despacho que julgou improcedente a arguiçáo de nulidades dessa mesma sentença.

Esse recurso náo foi admitido, por despacho de 25 de Outubro de 2005, com fundamento em que náo se verifica o pressuposto da admissibilidade do recurso da alínea b) do n.o 1 do artigo 70.o da LTC, uma vez que o recorrente náo suscitara a inconstitucionalidade de qualquer norma, quer no requerimento dirigido ao ISSS quer no recurso de impugnaçáo.

2 - O requerente reclama desta decisáo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.o 4 do artigo 76.o da LTC, sustentando, relativamente a cada grupo de normas que identifica, que levantou a questáo de constitucionalidade no momento processual em que tal lhe era permitido, náo lhe sendo exigível que o fizesse em momento anterior e de modo que o tribunal a quo tenha tido oportunidade de sobre tais questóes se pronunciar, cumprindo-se assim a finalidade da norma da alínea b)don.o 1 do artigo 70.o da LTC.

O Instituto de Segurança Social, I. P., sustenta que o recurso náo deve ser admitido pelas razóes do despacho reclamado.

O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu o seguinte parecer:

O ora reclamante interpôs recurso de constitucionalidade simultaneamente da sentença que julgou improcedente a impugnaçáo deduzida e dos subsequentes despachos que se pronunciaram sobre os pedidos de aclaraçáo e de arguiçáo de nulidades.

Relativamente a tais despachos, proferidos no âmbito dos referidos incidentes pós-decisórios, apenas cumpre salientar que - náo cabendo obviamente a este Tribunal sindicar a concreta decisáo, na parte em que considera nada haver a aclarar e náo se verificarem as apontadas nulidades náo se mostram obviamente aplicados, com o critério normativo da decisáo, as interpretaçóes normativas que o recorrente reportou aos artigos 659.o, 653.o e 655.o do CPC: na verdade, a ratio decidendi de tais despachos é apenas a constataçáo de que a sentença proferida náo padece de ambiguidade ou obscuridade e que 'náo ocorre falta de fundamentaçáo, nem de indicaçáo da matéria de facto provada, nem aferiçáo entre os fundamentos e a decisáo' (fl. 95), afirmaçóes obviamente indindicáveis, por desprovidas de natureza 'normativa' e consequentemente excluídas dos poderes cognitivos deste Tribunal.

Relativamente à sentença que julgou improcedente a impugnaçáo deduzida, a respectiva ratio decidendi consistiu apenas na conclusáo de que - tendo o requerente um rendimento mensal ilíquido de E 1734,25 - náo se verificam os pressupostos da presunçáo de insuficiência económica a que alude o n.o 2 do artigo 20.o da Lei n.o 30-E/2000, sendo certo que o requerente náo cumpriu o ónus probatório que o vinculava, no que toca à demonstraçáo da alegada carência económica. Náo se pronuncia a sentença sobre a questáo da titularidade dos rendimentos auferidos, sendo óbvio que a questáo de constitucionalidade da norma que consta do citado n.o 2 do artigo 20.o deveria ter sido suscitada antes da prolaçáo de tal sentença - e náo apenas no requerimento de arguiçáo da respectiva nulidade.

Finalmente, consideramos manifestamente infundada a questáo de constitucionalidade colocada quanto à norma constante do n.o 3

do artigo 28.o da Lei n.o 30-E/2000: estando em causa a impugnaçáo jurisdicional de uma decisáo administrativa, desfavorável ao impugnante, a atribuiçáo de natureza preclusiva ao incumprimento do prazo para a Administraçáo remeter os autos a juízo reverteria em prejuízo para o impugnante, inviabilizando uma eventual reapreciaçáo jurisdicional da matéria e operando uma insólita sedimentaçáo da decisáo proferida pela Administraçáo/segurança social!

O reclamante foi ouvido sobre o parecer, por poder entender-se que nele se propóe a náo admissáo do recurso por fundamento diverso daquele em que assentou o despacho reclamado, tendo respondido desenvolvidamente, nos termos que constam a fls. 35-38, no sentido da sua improcedência.

Em resposta a esclarecimentos solicitados ao tribunal a quo, face à deficiência das peças com que a reclamaçáo foi instruída, em ordem a saber se na petiçáo inicial de recurso da decisáo administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário tinha sido suscitada alguma questáo de constitucionalidade e em que termos, obteve-se cópia dessa petiçáo.

3 - Com relevo para a decisáo da presente reclamaçáo, interessa considerar as ocorrências processuais seguintes:

a) Em 18 de Março de 2005, foi proferida a seguinte sentença:

O recorrente Joáo Duarte Fernandes Soares requereu concessáo do benefício do apoio judiciário em 7 de Julho de 2004 (fl. 33).

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social comunicou, em 3 de Agosto de 2004, ser sua intençáo indeferir o pedido por náo estar comprovada a alegada insuficiência económica (fl. 32), tendo indeferido o pedido de concessáo do benefício do apoio judiciário por despacho de 19 de Agosto de 2004.

Interposto recurso de impugnaçáo, a fls. 8 e seguintes, foi junta resposta à impugnaçáo judicial (fls. 2 e seguintes).

Nos termos do artigo 29.o, n.o 1, da Lei n.o 30-E/2000, de 20 de Dezembro, o tribunal é competente para apreciaçáo do recurso.

O recorrente levou ao processo de pedido de apoio judiciário elementos que náo provam a alegada insuficiência económica. Pelo contrário, conclui-se ter o recorrente um rendimento mensal ilíquido de E 1734,25, o qual, deduzidas as despesas documentadas, é superior ao montante legalmente previsto para que o benefício requerido lhe seja concedido, face ao disposto no artigo 20.o, n.o 2, da Lei n.o 30-E/2000, de 20 de Dezembro.

A prova da insuficiência económica cabe ao requerente - artigo 342.o do CC -, náo tendo sido cumprido o respectivo ónus, sendo certo que náo está abrangido por qualquer presunçáo.

Termos em que se confirma a decisáo recorrida, julgando-se improcedente o recurso de impugnaçáo.

Nos termos da alínea o) do artigo 6.o do Código das Custas Judiciais, fixo à causa o valor de E 869 443,34, por ser esse o valor da acçáo para o qual foi requerido o benefício, a qual corre termos no 3.o Juízo - 3.a Secçáo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, sob on.o 2978/04.6TTLSB.

Custas pelo recorrente.

Comunique ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social.

b) O reclamante pediu a aclaraçáo da sentença, nos termos do requerimento a fls. 77 e seguintes, sustentando que o artigo 20.o da

Lei n.o 30-E/2000, de 20 de Dezembro, náo estabelece qualquer deter-minaçáo do montante legalmente previsto para que o benefício de apoio judiciário seja concedido e requerendo o esclarecimento da parte em que a sentença «fundamenta que o rendimento mensal ilíquido de E 1734,25, o qual, deduzidas as despesas documentadas, é superior ao montante legalmente previsto para que o benefício requerido lhe seja concedido, face ao disposto no artigo 20.o, n.o 2, da Lei n.o 30-E/2000, de 20 de Dezembro»; c) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:

Fl. 77 (requerimento de 15 de Abril de 2005): Nos termos das disposiçóes conjugadas dos artigos 669.o, n.o 1, alínea a), e 666.o, n.o 3, ambos do CPC, para ser atendido o requerimento de aclaraçáo é preciso que aponte concretamente a obscuridade ou ambiguidade cujo esclarecimento se pretende e que se trate realmente de um vício que prejudique a sentença ou o despacho (A. Reis, CPC Anotado, vol. V; p. 153).

A obscuridade é uma imperfeiçáo da sentença ou despacho que se traduz na sua ininteligibilidade. A ambiguidade nestas peças éa susceptibilidade de nelas ou uma passagem delas determinada se poder atribuir dois ou mais sentidos (A. Reis, CPC Anotado, vol. V;

p. 152 e J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, p. 249).

Na decisáo aclaranda, a fl. 72, decidiu-se só e apenas só julgar improcedente o recurso de impugnaçáo.

Esta é que é decisáo. O que antecede esta é a fundamentaçáo e náo a decisáo. E é nesta que se incluem os fundamentos do caso julgado e náo naquela. E por isso que é desta que se recorre e náo daquela (Castro Mendes, Recursos, ediçáo da AAFDL, 1980, p. 14 e nota 1).

Ora, no requerimento a fl. 77 náo se aponta à decisáo aclaranda concretamente qualquer obscuridade ou ambiguidade, apenas se formula uma questáo que náo tem de ser respondida, o que é manifestamente um uso do incidente de aclaraçáo para aquilo que ele nunca deve ser usado.

Quanto a custas, náo tem de ser ordenada uma reduçáo que decorre da lei.

Pelo exposto e porque a decisáo aclaranda é bem clara, compreende-se perfeitamente o que está escrito e o que está escrito náo tem mais de um sentido, náo há nela nada a aclarar.

Termos em que indefiro o pedido de aclaraçáo.

Pelo incidente a que deu causa, condeno o requerente na taxa de justiça de 2 UC (CCJ, artigo 16.o).

d) Seguidamente, pelo requerimento a fls. 85 e seguintes, o reclamante arguiu a nulidade da sentença por:

a) Omissáo de pronúncia - alínea d) do n.o 1 do artigo 668.o do Código de Processo Civil; b) Oposiçáo entre a fundamentaçáo e a decisáo - alínea c) do n.o 1 do artigo 668.o do Código de Processo Civil; c) Falta de fundamentaçáo - alínea b) do n.o 1 do artigo 668.o do Código de Processo Civil.

I - De direito.

II - Das respostas à matéria de facto.

e) Sobre esta arguiçáo recaiu o seguinte despacho:

Fl. 85 (requerimento de 30 de Maio de 2005): Náo obstante o alegado pelo recorrente, afigura-se que a sentença náo é nula nos termos das alíneas b), c) e d) do n.o 1 do artigo 668.o do Código de Processo Civil, pois pronuncia-se sobre as questóes que devia apreciar.

Náo ocorre falta de fundamentaçáo nem...

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