Acórdão n.º 471/2007, de 31 de Outubro de 2007
Acórdáo n.o 471/2007
Processo n.o 317/2007
Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:
Relatório
Em acçáo, com a forma ordinária, com o valor de 1 598 350 814$, proposta por Rodrigues & Figueiredo - Empreendimentos Têxteis, S. A., contra o município de Lisboa, que correu termos na 3.a Secçáo do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa com o n.o 1243/96, foi elaborada a seguinte conta final de custas, da responsabilidade do demandante:
Em euros
Taxas aplicáveis:
Incidente de apoio judiciário .................... 19 984,42
Processo ..................................... 39 968,85
Recurso ..................................... 39 968,85
Em euros
Reembolsos .................................... 106,80
Procuradoria S. S. M. J. .......................... 1 199,07
Procuradoria C. P. A. S. .......................... 22 782,24
Procuradoria à parte vencedora ................... 15 987,57
Total ..................... 139 997,80
Taxas de justiça já pagas .......................... 1 359,22
Total a pagar .............. 138 638,58
Tendo a autora reclamado desta conta, foi proferido despacho que decidiu:
Náo aplicar a tabela de custas anexa ao CCJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, por padecer de inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da igualdade (artigos 13.o, 18.o, n.o 2, e 266.o, n.o 2, da CRP);
Determinar a reforma da conta nos termos previstos no artigo 27.o do CCJ, na redacçáo que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.o 324-2003, de 27 de Dezembro, aplicando-se a respectiva tabela de taxa de justiça.
31 474 Desta decisáo interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.o, n.o 1, alínea a), e 72.o, n.o 3, da LTC.
Respondendo a convite do relator, no Tribunal Constitucional, o recorrente indicou como constituindo objecto do recurso de constitucionalidade a seguinte interpretaçáo normativa:
A norma que constava do artigo 13.o, n.o 1, do CCJ, na versáo emergente do Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugada com a tabela constante do anexo I, interpretada em termos de o montante das custas decorrente do decaimento nas acçóes, incidentes e recursos - por referência a uma acçáo ordinária de E 7 972 540,25 - ser calculado em funçáo de tal valor, sem que se preveja a aplicaçáo de qualquer limite máximo e havendo lugar ao pagamento do montante remanescente das custas, mesmo que o processo termine antes de concluída a fase de discussáo e julgamento da causa.
O recorrente concluiu do seguinte modo as suas alegaçóes de recurso:
A norma constante do artigo 13.o, n.o 1, Código das Custas Judiciais, na versáo emergente do Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugada com a tabela constante do anexo I, interpretada em termos de o montante das custas decorrente do decaimento numa acçáo visando efectivar a responsabilidade civil de uma autarquia e respectivos incidentes e recursos - por referência a uma acçáo ordinária de E 7 972 540,25 - ser calculado em funçáo de tal valor, sem que se preveja a aplicaçáo de qualquer limite máximo e havendo lugar ao pagamento do remanescente das custas, mesmo que o processo termine antes de concluída a fase de discussáo e julgamento (implicando tributaçáo da parte vencida em E 138 638,58), náo viola os princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.
Na verdade, tal tributaçáo dessas acçóes de valor consideravelmente elevado náo implica quebra da estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas, representando a ponderaçáo náo apenas do valor de custo do serviço em causa, mas também do valor presumivelmente resultante da utilidade obtida através do recurso ao tribunal e da normal complexidade e delicadeza que está subjacente à generalidade dos litígios que envolvem valores dessa natureza.
Náo funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, náo é possível realizar uma comparaçáo entre tal regime, decorrente da versáo de 1996 do Código das Custas Judiciais, e o actualmente estabelecido no artigo 27.o, representando uma ponderaçáo inovatória e constitutiva do legislador que náo pressupóe a inconstitucionalidade da soluçáo que constava da lei anteriormente vigente.
Termos em que deverá proceder o presente recurso.
Por sua vez, Rodrigues & Figueiredo - Empreendimentos Têxteis, S. A., concluiu, do seguinte modo, as suas contra-alegaçóes:
O valor das custas liquidado à recorrida por aplicaçáo do artigo 13.o do Código das Custas Judiciais, na versáo emergente do Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugado com a tabela do anexo I do mesmo Código - cerca de E 140 000, numa acçáo sem complexidade e que findou no saneador é manifestamente desproporcional e alheio aos custos que a tramitaçáo com o processo envolve para o Tribunal, configurando um verdadeiro imposto.
Náo constando a tabela anexa ao CCJ de qualquer decreto-lei emitido a coberto de autorizaçáo legislativa da Assembleia da República, a mesma tabela e os normativos que determinam a sua aplicaçáo enfermam de inconstitucionalidade orgânica, ex vi do disposto nos artigos 103.o e 165.o,n.o 1, alínea i), da Constituiçáo.
O artigo 13.o, n.o 1, do Código das Custas Judiciais, na versáo emergente do Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugado com a tabela do anexo I, interpretado no sentido de o montante das custas decorrente do decaimento de uma acçáo de responsabilidade civil de um Município julgada improcedente antes da realizaçáo da audiência de discussáo e julgamento dever ser calculado em funçáo do valor da acçáo sem limite máximo e havendo lugar ao pagamento do remanescente das custas (implicando no caso a liquidaçáo da quantia de E 138 638,58), é materialmente inconstitucional por ofensa aos princípios da justiça, proporcionalidade e da igualdade (v. artigos 13.o, 18.o, n.o 2, e 266.o, n.o 2, da Constituiçáo), pelo que náo deve ser aplicado, como muito bem se entendeu nos autos, ex vi do disposto no artigo 204.o da CRP.
A aplicaçáo dos normativos da tabela do CCJ que o Tribunal de 1.a Instância se recusou aplicar com fundamento na sua inconstitucionalidade, conduz - em situaçóes como a patenteada nos autos a resultados manifestamente desproporcionados atendendo à actividade judicial desenvolvida, estando por isso ainda em causa a violaçáo do princípio da igualdade, bastando atentar a situaçóes em tudo idênticas em termos de prestaçáo de serviço (v. g. acçóes administrativas de responsabilidade civil extracontratual de valor inferior).
A fixaçáo do valor da acçáo como critério de incidência da taxa judicial a cobrar resulta igualmente na violaçáo dos princípios da justiça, da uniformidade, e da igualdade tributária, conduzindo à liquidaçáo de taxas muito elevadas nuns casos e irrisórias noutros, em processos de igual complexidade processual.
A tabela de custas do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, e os normativos que determinam a sua aplicaçáo, ao tributarem os incidentes de pedidos de apoio judiciário unicamente em funçáo do valor formulado na acçáo e sem qualquer limite máximo, enfermam de inconstitucionalidade material também, por violaçáo dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça (v. artigos 20.o e
268.o, n.o 4, da Constituiçáo), pelo que náo deveriam, também por essa razáo, ser aplicados, ex vi do disposto no artigo 204.o da
Constituiçáo.
Houve mudança de relator.
Fundamentaçáo
1 - Do objecto do recurso. - O tribunal recorrido recusou «a aplicaçáo da tabela de custas anexa ao CCJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, por padecer de inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da igualdade».
É desta recusa, com fundamento em inconstitucionalidade material, que foi interposto o presente recurso.
Foi a seguinte a fundamentaçáo da decisáo recorrida:
A questáo sub judice resulta, em síntese, do apuramento de uma conta de custas cujo montante a A. entende ser manifestamente desproporcionado em funçáo da actividade judicial desenvolvida e também da aplicaçáo de regras de custas aos pedidos de apoio judiciário que, no argumentário da A., dissuadem os cidadáos a peticionar tal pedido.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido chamada a pronunciar-se sobre esta matéria, concluindo que o direito de acesso aos tribunais náo inclui o direito a litigar gratuitamente, uma vez que inexiste qualquer princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça, gozando o legislador de ampla margem de liberdade na fixaçáo dos montantes das custas judiciais, podendo optar por uma justiça mais cara ou mais barata.
Porém, o instituto do apoio judiciário, visando temperar os male-fícios de um sistema assente na onerosidade da justiça, tal como está construído permite extrair duas conclusóes: em primeiro lugar que os economicamente carenciados náo podem ver ser posto em causa o acesso ao direito e aos tribunais, daí se justificando a dispensa de pagamento, total ou parcial, das custas judiciais e até dos honorários dos advogados. Em segundo lugar, se assim é para os economicamente desfavorecidos, entáo os demais cidadáos náo devem suportar custas judiciais desproporcionadas em relaçáo ao custo do serviço de que usufruíram sob pena de grave distorçáo e desequilíbrio gerador de violaçáo dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13.o e 266.o, n.o 2, da CRP).
Nesta perspectiva o montante das custas judiciais a pagar em cada caso concreto deveria ser legislativamente determinado em funçáo dos rendimentos do responsável pelo seu pagamento, do trabalho a que deu causa e da complexidade das matérias que submeteu a juízo e náo, como sucede no sistema actual, através de critérios que apenas têm em conta o valor da acçáo, pese embora atenuados com mecanismos de reduçáo segundo a fase processual em que terminam os autos.
Mas esse sistema ideal náo é, como se compreende, facilmente implementável, o que tem...
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