Acórdão n.º 451/2008, de 06 de Novembro de 2008

Acórdáo n. 451/2008

Processo n. 403/06

Acordam na 3.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Antero Branco Binhá, escriváo de direito, impugnou contenciosamente, perante o Supremo Tribunal de Justiça, a deliberaçáo do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que manteve a pena disciplinar de 180 dias de suspensáo, seguida de transferência, que lhe fora aplicada pelo Conselho de Oficiais de Justiça (COJ).

Por acórdáo de 21 de Fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso contencioso, com fundamento em que náo fora interposto dentro do prazo de 30 dias estabelecido pelo artigo 169. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) (aprovado pela Lei n. 21/85, de 30 de Julho, alterada ao abrigo da autorizaçáo concedida pela Lei n. 80/88, de 7 de Julho, pelo Decreto -Lei n. 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis n. s 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, 143/99, de 31 de Agosto, 3 -B/2000, de 4 de Abril, e 42/2005, de 29 de Agosto).

O recorrente interpôs recurso desta decisáo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, com vista à apreciaçáo da inconstitucionalidade, por violaçáo do princípio da igualdade, do n. 1 do artigo 169. do EMJ, na interpretaçáo de que o prazo para a interposiçáo de recurso contencioso de decisóes do Conselho Superior da Magistratura é de 30 dias, sendo que o funcionário judicial que interponha recurso de decisáo semelhante do Conselho Superior do Ministério Público dispóe do prazo de 3 meses para o efeito.

2 - Nas respectivas alegaçóes, o recorrente sustenta as seguintes conclusóes [destaques a "negrito" eliminados]:

"1. A alteraçáo produzida no artigo 118. do EFJ (Estatuto dos Funcionários Judiciais - DL 343/99, de 26/8) pelo DL. n. 96/2002, de 12/4, declarou o Conselho Superior da Magistratura (CSM) como Órgáo competente para efeito de impugnaçáo hierárquica das deliberaçóes do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ).

2 - O COJ (Conselho dos Oficiais de Justiça) é o Órgáo disciplinar dos Oficiais de Justiça, previsto no Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ) - DL 343/99, de 26/8, alterado pelo DL 96/2002, de 12/4.e pelo Decreto -Lei n. 45/2005, de 20/8.

3 - O CSM (Conselho Superior da Magistratura) é o Órgáo disciplinar dos Magistrados Judiciais, sendo o seu regime de funcionamento o previsto entre os artigos 136. e 178. do Estatuto dos Magistrados Judiciais, instituído pela Lei n. 21/85, de 30/7, alterado pelo DL 143/99, de 31/8, que funciona como instância de recurso hierárquico para os Oficiais de Justiça, que prestam serviço nas Secretarias Judiciais.

4 - O CSMP (Conselho Superior do Ministério Público) é o Órgáo disciplinar dos Magistrados do Ministério Público, que, por sua vez, actua como instância de recurso hierárquico para os Oficiais de Justiça que prestam serviço nas Secretarias do Ministério Público.

5 - Por força da disposiçáo da alínea a) do n. 2 do artigo 169. do EMJ, o prazo para impugnaçáo contenciosa das deliberaçóes do CSM é de 30 dias (ou 45 dias, na hipótese da alínea c) do mesmo artigo).

6 - Por força da disposiçáo do artigo 33. do Estatuto do Ministério Público, o prazo para a impugnaçáo contenciosa das deliberaçóes do CSMP é de 90 dias (3 meses, na terminologia legal), quando se trata de particulares, e 1 (um) ano), quando é o Ministério Público a impugnar.

7 - É o que consta do referido, quando prescreve: "Das deliberaçóes do Conselho Superior do Ministério Público cabe recurso contencioso, a interpor nos termos e segundo o regime dos recursos dos actos do Governo", ou seja, nos termos gerais, previstos, actual-mente, pelo artigo 58., n. 2, a), do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais).

8 - Entre o prazo de recurso contencioso das deliberaçóes do CSM e das deliberaçóes do CSMP há uma diferença para menos de 60 (Sessenta) dias.

9 - Na prática, significa:

  1. Um Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria Judicial, dispóe, apenas, de 30 dias, para a impugnaçáo contenciosa das deliberaçóes que o afectem, em matéria disciplinar, pelo simples facto de lhe ter

    sido retirada, nessa área, a possibilidade de recurso hierárquico, via tutela ministerial (Ministro da Justiça), pelo Decreto -Lei n. 96/2002, de 12/4, tendo essa competência sido confiada ao CSM.

  2. Por sua vez, um Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria do Ministério Público, dispóe do prazo de 90 dias (3 meses), para a impugnaçáo contenciosa das deliberaçóes do competente Órgáo disciplinar, hierarquicamente superior.

    10 - Pertencendo, embora, a carreiras profissionais diferenciadas, em razáo da matéria (judicial e Ministério Público), mantêm uma estreita identidade comum, a saber:

  3. Estatutariamente, ambos sáo Oficiais de Justiça (ou Funcionários Judiciais), sujeitos à disciplina do Estatuto dos Funcionários Judiciais, instituído pelo DL 343/99, de 26/8, alterado pelo DL 96/2002, de 12/4, e, recentemente, pelo DL 45/2005, de 20/8.

  4. Do ponto de vista disciplinar, estáo sujeitos ao poder disciplinar (l instância) do COJ (Conselho dos Oficiais de Justiça).

  5. Do ponto de vista da tutela administrativa, estáo integrados na Direcçáo -Geral da Administraçáo da Justiça.

  6. No que concerne à tutela política, ambos obedecem ao Minis-tério da Justiça

    11 - A única discriminaçáo resulta do facto de, ex vi do DL 96/2002, de 12/4, ter passado a ser o CSM, em matéria de recurso hierárquico, o órgáo competente para a impugnaçáo das deliberaçóes do COJ, em vez de, como anteriormente, o Ministro da tutela.

    12 - Sendo um Órgáo do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o CSM funciona subordinado ao regime nele previsto.

    13 - Das suas deliberaçóes, recorre -se, contenciosamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo o prazo estabelecido pelo artigo 169., n. 2, alínea a) do EMJ, ou seja, 30 dias.

    14 - Na lógica do sistema, assim instituído, é a esse prazo que ficaria sujeito o Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria Judicial, ao passo que outro Oficial de Justiça, a prestar serviço numa secretaria do M°P°, teria direito a um prazo de 90 dias, susceptível de prorrogaçáo, nos termos do n. 4 do artigo 58. do CPTA.

    15 - Um prazo, imposto por lei ou por despacho de autoridade, é uma garantia e um direito (instrumental, embora), visto servir para accionar ou defender outro direito, este substantivo.

    16 - É variável, consoante a maior ou menor necessidade de precaver a defesa eficaz do direito, em funçáo da complexidade ou sensibilidade jurídica do caso.

    17 - Um prazo curto náo permite uma adequada organizaçáo e apresentaçáo da defesa.

    18 - Um prazo longo garante melhor esse objectivo.

    19 - O prazo médio, estabelecido pela lei, para efeito de impugnaçáo contenciosa dos actos da Administraçáo, é o prazo geral do artigo 58., n. 2., al. a), do CPTA, ou seja, três meses (90 dias).

    20 - Ao estabelecer para a impugnaçáo das deliberaçóes do CSM, um prazo mais curto, inferior, em 60 dias, ao prazo médio legal, o artigo 169. do EMJ prejudica as garantias de defesa do Oficial de Justiça, sujeito à disciplina hierárquica do CSM.

    21 - Náo só a discriminaçáo negativa é manifesta, em relaçáo aos Oficiais de Justiça, colocados nas Secretarias do M°P°, mas a toda a restante Funçáo Pública, e, ainda, comparativamente, a qualquer estrangeiro, residente no País, ou em trânsito.

    22 - Tal discriminaçáo viola a norma e o princípio da igualdade, nos termos em que é formulado pelo art° 13° da Constituiçáo da República Portuguesa:

    "1.Todos os cidadáos... sáo iguais perante a lei."

    "2.Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito... em razáo da... situaçáo económica ou condiçáo social."

    23 - O Oficial de Justiça que, por causa da sua colocaçáo à sujeiçáo hierárquica do Conselho Superior da Magistratura, é prejudicado nos seus direitos de cidadania, relativamente aos Oficiais de Justiça que náo estejam sujeitos à mesma obediência hierárquica, em matéria disciplinar.

    24 - Por instituir um prazo de recurso contencioso, inferior em 60 dias, ao prazo geral (90 dias), actualmente prescrito no artigo 58., n. 2, al. a) do CPTA, a norma do artigo 169. do EMJ viola o princípio da igualdade, consagrado pelo artigo 13. da CRP, por manter em vigor o prazo de 30 dias para a impugnaçáo contenciosa das deliberaçóes do CSM, sendo, por isso, inconstitucional.

    25 - Por inconstitucional, tal norma é inadequada para fixar o regime de impugnaçáo contenciosa das deliberaçóes do CSM.

    45740 26 - De qualquer modo, em virtude de o recorrente náo deter a qualidade de Magistrado Judicial, náo subsiste, na sua esfera jurídica, a ratio legis que determinou a prescriçáo do prazo do artigo 169. do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

    27 - O prazo aplicável ao recorrente é o que a lei reconhece, no artigo 58., n. 2, al. a), do CPTA, a qualquer cidadáo ou estrangeiro (residente, ou em...

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