Acórdão n.º 473/2007, de 02 de Novembro de 2007

Acórdáo n.o 473/2007

Processo n.o 534/07

Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - António Carlos Fialho Mendes foi pronunciado como autor, em concurso real de infracçóes, de um crime de injúria agravado (através de escrito dirigido ao juiz denunciante, Joáo Carlos Ezaguy Lopes Martins), previsto e punido pelos artigos 181.o, n.o 1, e 184.o, de um crime de denúncia caluniosa (através de participaçáo apresentada ao Conselho Superior da Magistratura - CSM), previsto e punido pelo artigo 365.o, n.os 1 e 2, e de dois crimes de difamaçáo agravados (um através da referida participaçáo ao CSM e outro através de exposiçáo dirigida ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados - CDLOA), previstos e punidos, cada um deles, pelos artigos 180.o e 184.o, todos do Código Penal (CP).

Submetido a julgamento, foi, por sentença de 26 de Abril de 2006 do 1.o Juízo Criminal de Lisboa, absolvido do crime de injúria agravado e de um dos dois crimes de difamaçáo agravado (o cometido através da participaçáo endereçada ao CSM), e condenado, como autor do outro crime de difamaçáo agravado (cometido através da exposiçáo dirigida ao CDLOA), na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de E 5, e, como autor do crime de denúncia caluniosa, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de E 5, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de E 5.

Apresentou entáo o arguido, em 27 de Abril de 2006, requerimento em que, além de requerer a confiança do processo a fim de elaborar a motivaçáo do recurso quando à matéria de direito, igualmente solicitou, uma vez que o recurso que intentava interpor incidia também sobre a matéria de facto, que lhe fosse fornecida, nos termos dos artigos 101.o e 412.o, n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP), «transcriçáo da gravaçáo da prova testemunhal produzida na audiência final e respectivas actas de audiência de discussáo e julgamento, incluindo as da anterior audiência anulada, suspendendo-se o prazo de recurso até fornecimento das mesmas». Este requerimento foi subs-crito por advogado entáo constituído pelo arguido, mas cuja inter-vençáo como mandatário veio a ser considerada inadmissível, por despacho de 12 de Maio de 2006, uma vez que esse advogado interviera no julgamento na qualidade de testemunha. O arguido veio a constituir novo mandatário, que ratificou o processado.

Por despacho de 23 de Maio de 2006, foi: i) indeferido o aludido requerimento na parte em que se pedia a suspensáo do prazo de recurso até ao fornecimento da transcriçáo da gravaçáo da prova testemunhal produzida em audiência; ii) determinado o fornecimento de cópias das actas de audiência, nos termos requeridos; iii) declarado suspenso o prazo de recurso desde o dia 27 de Abril de 2006 (data da entrada do referido requerimento) até ao dia seguinte ao da notificaçáo ao arguido desse despacho, dia a partir do qual estavam disponíveis, na secretaria do Tribunal, as cassetes contendo a gravaçáo da prova produzida em audiência de julgamento, e iv) deferido o pedido de confiança do processo, pelo prazo de 10 dias.

Em 2 de Junho de 2006, o arguido apresentou a motivaçáo do seu recurso, que termina com a formulaçáo das seguintes conclusóes:

1.a A transcriçáo da prova produzida e gravada em audiência de julgamento deve ser fornecida ao arguido para este poder recorrer, sendo que a interpretaçáo contrária dada ao n.o 4 do artigo 412.o do CPP torna tal norma inconstitucional, por violaçáo do artigo 32.o, n.o 5, da CRP.

2.a O arguido náo esteve representado de facto na audiência, conforme a própria defensora o referiu e demonstrou, pelo que houve violaçáo dos artigos 61.o, n.o 1, alínea e), 62.o, n.o 2, e 64.o, n.o 1, alínea b), do CPP, constituindo tal nulidade, nos termos do artigo 119.o, alínea c), do CPP, sob pena de, ao náo considerar-se assim, tornar as referidas normas inconstitucionais, por violaçáo dos artigos 20.o, n.os 1, 2 e 4, e 32.o, n.os 1, 2, in fine, e 3, da CRP.

3.a Ao ser-lhe fornecido ao participante/testemunha factos constantes dos autos de inquérito, maxime de documentos que consubstanciavam a defesa do arguido no CDLOA e apresentados por este, tal viola o artigo 89.o, n.o 2, do CPP e o artigo 195.o do CP, e porque, tal tendo sido feito, obriga a guardar segredo o participante, implica nulidade da acusaçáo/pronúncia nessa parte, náo podendo tal facto ser considerado até porque o eventual crime náo estava consumado se náo fosse a violaçáo do segredo e a denúncia seria extemporânea.

4.a O dispositivo da sentença deveria especificar os crimes reportando-os aos factos que os originaram, até devido à imperceptibilidade da acusaçáo/pronúncia e da fundamentaçáo da sentença, pois só assim se pode dar cabal cumprimento ao estatuído no artigo 374.o, n.o 2, alínea b), do CPP, conjugado com os princípios da clareza e percepçáo dos actos judiciais, sob pena de, a náo ser assim, a sentença ser nula, por violaçáo do artigo 379.o, n.o 1, alínea a), do CPP.5.a A sentença deveria ter julgado os factos alegados nos n.os 3, 5, 6, 14, 16 e 18 da contestaçáo, porque relevantes para a causa, pelo que tal omissáo viola o artigo 379.o, n.o 1, alínea c), do CPP.

6.a Entre duas sessóes da audiência de julgamento mediaram mais de 30 dias, pelo que foi violado o artigo 428.o, n.o 6, do CPP.

7.a Se o julgamento náo for nulo, a prova produzida na primeira sessáo perdeu a sua eficácia, até porque incluída nos fundamentos da sentença.

8.a Como tal prova foi feita no interesse do arguido, a sua perda de eficácia prejudica-o e, porque tal consta da motivaçáo da sentença, implica ilegalidade desta por violaçáo do artigo 410.o, n.o 2, alíneas a)e b), do CPP.

9.a A náo ser assim, haveria que renovar-se a prova, sob pena de interpretaçáo contrária a dar ao artigo 428.o, n.o 6, do CPP, no sentido que a perda de eficácia da prova náo conduz à ilegalidade da sentença e ou à renovaçáo da prova, tornar tal norma inconstitucional, por violaçáo dos artigos 20.o, n.os 1 e 4, e 32.o, n.os 1 e 2, da CRP.

10.a O despacho judicial náo é meio idóneo para apresentar queixa crime e o envio de peças processuais de autos da OTM viola os artigos 168.o do CPC e 12.o do EMJ (até porque náo se pediu autorizaçáo ao CSM), conforme se vê da conjugaçáo destes normativos com toda a OTM e o artigo 113.o e seguintes do CP e artigos 49.o e 242.o do CPP, ex vi artigo 188.o, n.o 1, alínea a), do CP.

11.a A decisáo instrutória é nula, pois náo existe clareza na remissáo dos factos e dos crimes imputados, pelo que interpretar no sentido contrário as normas dos artigos 308.o, n.o 2, e 283.o, n.o 3, alínea c), do CPP, as torna inconstitucionais, por violaçáo dos artigos 32.o,n.o 1, 202.o,n.o 2, e 205.o,n.o 1, da CRP.

12.a A consideraçáo de fl. 14 da sentença, de que o arguido tinha consciência e vontade de cometer os crimes imputados, náo tem qualquer suporte legal nos autos nem na prova produzida em audiência, mas antes pelo contrário, pelo que tais factos náo se podem considerar provados, sob pena de violar-se o artigo 410.o, n.o 2, alíneas a)e c), do CPP.

13.a O testemunho do Dr. Joáo Lopes Martins foi mal apreciado, já que o mesmo foi considerado e provado documentalmente como parcialmente falso, pelo que se violou o artigo 410.o,n.o 2, alínea c), do CPP.

14.a Náo foram consideradas partes importantes dos depoimentos das testemunhas de defesa, pelo que se violou o artigo 374.o, n.o 2, do CPP, com a consequente nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.o,n.o 1, alínea a), do CPP.

15.a Bem como as afirmaçóes gratuitas de fls. 19 e 20 quanto à actuaçáo do arguido, falsidade dos factos e intençáo de prejudicar o participante, sem qualquer prova para tal, extravasa do artigo 127.o do CPP, havendo erro de julgamento e violaçáo do artigo 410.o, n.o 2, alínea c), do CPP.

16.a No que concerne ao crime de denúncia caluniosa, náo é verdade e náo tem suporte probatório que os factos constantes da participaçáo ao CSM eram falsos e o arguido o sabia, pelo que se verifica novamente o estatuído no artigo 410.o,n.o 2, alínea c), do CPP.

17.a E, sobre tal facto, porque a decisáo náo se manifestou sobre a alegada exclusáo da ilicitude e ou da culpa, temos pela violaçáo do artigo 379.o,n.o 1, alínea c), do CPP.

18.a Quanto à exposiçáo dirigida ao CDLOA, a afirmaçáo de que o arguido teve a intençáo de ofender também náo tem qualquer suporte probatório, bem como tais factos, ao serem alegados em sede de direito de defesa (e o anterior de participaçáo disciplinar), excluem a ilicitude e a culpa, nos termos do artigo 31.o, n.o 2, alíneas b) e c), 34.o e 36.o do CP e, porque a sentença náo se manifestou sobre tal, que foi alegado, viola o artigo 379.o, n.o 1, alínea c), do CPP.

19.a A interpretaçáo contrária dada ao artigo 31.o,n.o 2, alínea b), do CP o torna inconstitucional, por violaçáo do artigo 20.o, n.os 1 e 4, 37.o e 208.o da CRP e artigos 6.o e 13.o da CEDH, além da violaçáo do artigo 154.o,n.o 3, do CPC.

20.a Além disso, o crime nunca poderia ser o de difamaçáo, posto que a exposiçáo dirigida ao CDLOA náo foi dirigindo-se a terceiros, pois o CDLOA náo pode ser terceiro (até porque náo é pessoa singular).

21.a Náo apurou a sentença o dolo genérico, bem como os requisitos do artigo 180.o, n.o 2, do CP, pelo que existe nulidade por violaçáo do artigo 379.o,n.o 1, alínea c), do CPP.

22.a Assim, caso náo se absolva o arguido e ou se revogue a decisáo ora em crise, é de renovar se toda a prova produzida em audiência, bem como a náo produzida por "falta" da mandatária, ou o reenvio do processo (artigos 412.o, n.os 3 e 4, 426.o e 430.o do CPP).

23.a Por fim, deveráo os recursos retidos subir conjuntamente com o presente.

Por acórdáo de 13 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relaçáo de Lisboa julgou «extinto, por prescriçáo, o procedimento criminal relativamente ao crime de difamaçáo agravada, previsto e punido pelos artigos 180.o e 184.o do Código Penal, com as necessárias consequências, nomeadamente ao nível da decisáo de condenaçáo...

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