Acórdão n.º 4/94, de 04 de Novembro de 1994

Acórdão n.° 4/94 Processo n.° 45 888 Acordam, no plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto na Relação do Porto veio, ao abrigo dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência do Acórdão daquele Tribunal de 19 de Maio de 1993, proferido no processo n.° 238/93, 1.' Secção, transitado em julgado, alegando que: O acórdão recorrido se encontra em oposição com o Acórdão daquela mesma Relação proferido em 11 de Julho de 1990, no processo n.° 24 104, da 1.' Secção, também transitado em julgado; No acórdão recorrido decidiu-se no sentido de que em crime semipúblico cuja participação foi apresentada por mandatário judicial sem que este tenha poderes especiais especificados para o efeito, a correcção do vício e a ratificação do processo só serão eficazes se ocorrerem antes do decurso do prazo de caducidade do direito de queixa estabelecido no artigo 112.°, n.° 1, do Código Penal, pois que, se a ratificação não tiver lugar até ao termo de tal prazo, o direito de queixa encontrar-se-á extinto a consequenciar a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal; Por seu turno, no acórdão fundamento proferido no mencionado processo n.° 24 104, de 11 de Julho de 1990, fora decidido que perante a apresentação de participação nessas circunstâncias deverá o juiz, em qualquer altura do processo, suprir oficiosamente a insuficiência da procuração e fixar prazo dentro do qual deverá ser suprido o vício e ratificado o processado, cujos efeitos se retrotraem à data da apresentação da participação, mesmo que a ratificação ocorra após o decurso do prazo de caducidade do direito de queixa; Ambos os acórdãos foram proferidos num domínio da mesma legislação, estando reunidas as condições de admissibilidade do presente recurso extraordinário, com a consequente legitimidade do Ministério Público para recorrer, ao abrigo dos já citados artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal.

Os autos subiram a este Supremo Tribunal, foi proferido o despacho liminar e, colhidos os vistos, foi decidido, por Acórdão de 17 de Março de 1994, constante de fl. 35 a fl. 36, que o recurso deveria prosseguir por estarem em causa acórdãos da mesma Relação, proferidos no domínio da mesma legislação e que deram solução oposta à mesma questão de direito.

Cumpriu-se o disposto no artigo 442.° do Código de Processo Penal, tendo o Ex.mo Magistrado do Ministério Público apresentado doutas alegações, constantes de fl. 40 a fl. 65, onde conclui dever, em sua óptica, fixar-se jurisprudência nos seguintes termos: 1) Em crime semipúblico cuja participação foi apresentada por mandatário judicial sem poderes especiais especificados para o efeito, o suprimento do vício e a ratificação do processado podem efectivar-se com efeitos retrotraídos à data da denúncia, mesmo que já tenha decorrido o prazo de caducidade do direito de queixa previsto no artigo 112.°, n.° 1, do Código Penal; 2) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 267/92, de 28 de Novembro, caducou a doutrina do Acórdão, com força obrigatória, deste Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1992, havendo que considerar-se revogado implicitamente o n.° 3 do artigo 49.° do Código de Processo Penal, pelo que não existe qualquer necessidade de ratificação dentro do prazo de seis meses previsto no artigo 112.°, n.° 1, do Código Penal, de uma queixa por crime semipúblico, apresentada por mandatário munido de simples procuraçãoforense.

Considerando a substância dos dois acórdãos em curso - o recorrido e o Fundamento -, tem-se como certo que ambos chegaram a soluções opostas sobre a mesma questão de direito, pelo que não tem este plenário qualquer objecção a opor ao decidido no Acórdão preliminar de 17 de Março de 1994, constante de fl. 35 a fl. 36.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

I - Vejamos, em primeiro lugar, as disposições normativas que interessam à solução da questão suscitada:

  1. O artigo 49.° do Código de Processo Penal de 1987: 1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.

    2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.

    3 - A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais.

    4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depende da participação de qualquer autoridade.

  2. O artigo 40.° do Código de Processo Civil: 1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.

    2 - O juiz marcará o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.

  3. O artigo 112.° do Código Penal: 1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores ou a partir da morte do ofendido ou da data em que ele se tornou incapaz.

    2 - Sendo vários os titulares do direito de queixa, o prazo conta-se autonomamente para cada um deles.

  4. O Decreto-Lei n.° 267/92, de 28 de Novembro: Nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo único - 1 - As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.

    2 - As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.

    II - Haverá, ainda, que ter presente o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, de 13 de Maio de 1992, publicado no Diário da República, 1.' série, de 2 de Julho do mesmo ano, que fixou a seguinte jurisprudência: Os poderes especiais a que se refere o n.° 3 do artigo 49.° do Código de Processo Penal são poderes especiais especificados e não simples poderes para a prática de uma classe ou categoria de actos.

    III - Vejamos agora os argumentos expendidos por cada um dos acórdãos na defesa das respectivas teses.

    1 - Comecemos pelo Acórdão fundamento de 11 de Julho de 1990.

    A argumentação ali referida pode resumir-se assim: Só há extinção do direito de queixa quando esse direito não tiver sido exercido (eficazmente exercido) dentro do prazo de seis meses; Num caso em que o representante legal do ofendido confirmou a queixa, mas quando já se havia extinto o prazo do exercício desse direito, há que desencadear a fixação do prazo abrangido pela previsão do n.° 2 do artigo 40.° do Código de Processo Civil; A ratificação tem eficácia retroactiva; Se o titular do direito de queixa ratificar o processado, é aquela plenamente eficaz desde o momento em que foi apresentada; Se a queixa for plenamente eficaz desde momento anterior ao transcurso do prazo de caducidade, é juridicamente correcta a afirmação de que existe queixa anterior a esse transcurso; Este não pode determinar a extinção do direito de queixa, uma vez que esta foi feita em devido tempo e com plena eficácia.

    2 - A posição sustentada pelo acórdão fundamento pressupõe, assim, claramente, a aplicação ao processo penal do artigo 40.° do Código de Processo Civil, nele se dizendo expressamente que 'não faria sentido que os problemas suscitados pela falta, pela insuficiência ou pela irregularidade do mandato se colocassem no processo civil e que o processo penal se mostrasse absolutamente insensível à imposição desses mesmos...

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