Acórdão n.º 8/2005, de 10 de Novembro de 2005

Acórdão n.º 8/2005 Processo n.º 1165/05 - 4.' Secção (ver nota 1). - Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 183.º e seguintes do CPT, a presente acção, com processo especial, para interpretação da cláusula 61.', n.º 1, alínea a), do acordo de empresa (AE) celebrado entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos (FESTRU), de que o autor é filiado, e outros (ver nota 2), publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.' série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982, pedindo que a referida cláusula seja interpretada no sentido de que a empresa é obrigada a assegurar aos trabalhadores ao seu serviço, abrangidos pelo referido AE, durante os períodos de baixa por doença, o pagamento da remuneração normal, efectuando o pagamento da totalidade dessa remuneração nos casos em que o trabalhador não tem direito ao subsídio de doença e nos casos em que, tendo direito àquele subsídio, ainda não o tenha recebido da segurança social e efectuando o pagamento do complemento daquele subsídio nos casos em que o trabalhador já esteja a receber o dito subsídio.

Fundamentando o pedido, o autor alegou que a interpretação por si defendida é a única que, da conjugação do corpo do n.º 1 da cláusula 61.' com a sua alínea a), se afigura correcta e que essa sempre foi a interpretação e a prática seguidas pela empresa.

Com efeito, diz o autor, a empresa sempre pagou a retribuição por inteiro aos trabalhadores na situação de baixa por doença, recebendo, depois, o reembolso da importância por eles recebida a título de subsídio de doença, tendo feito, inclusive, um acordo com a segurança social, nos termos do qual o montante correspondente ao subsídio de doença passou a ser entregue pela segurança social directamente à empresa, e não ao trabalhador.

Porém, alterando a interpretação e a prática que seguiu durante décadas, a empresa, por deliberação do seu conselho de administração, de 18 de Julho de 2003, passou a recusar o pagamento da retribuição durante os períodos de baixa por doença não só quando os trabalhadores não têm direito ao subsídio de doença mas também quando, tendo direito àquele subsídio, ainda não começaram a recebê-lo, devido a atraso da segurança social no seu processamento e pagamento, e passou a recusar, até, o pagamento do complemento do subsídio de doença, alegando que não pode determinar o montante do mesmo sem ter conhecimento do montante do subsídio que é pago pela segurança social.

Deste modo, continua o autor, a empresa priva os seus trabalhadores de qualquer rendimento, durante períodos consideráveis, justamente numa situação em que eles estão mais carenciados, retirando, com essa prática, a parte mais importante do efeito útil da disposição em causa.

Citada a ré e os demais outorgantes do referido instrumento de regulamentação colectiva, só aquela alegou, excepcionando a falta de audição da comissão paritária prevista na cláusula 75.' do AE (ver nota 3) e a nulidade da cláusula interpretanda (ver nota 4) e impugnando a interpretação defendida pelo autor (ver nota 5).

O autor e os restantes outorgantes do AE (com excepção do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal) responderam às excepções deduzidas pela ré, sustentando a improcedência das mesmas e pedindo que aquela fosse condenada como litigante de má fé.

No despacho saneador, o Mmo. Juiz julgou improcedente a excepção dilatória da falta de audição da comissão paritária, declarou nula a alínea a) do n.º 1 da cláusula 61.' do referido AE, por contrariar o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79 (LRCT), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, ressalvando, todavia, a sua validade, face ao disposto no n.º 2 do artigo 6.º da LRCT, relativamente aos trabalhadores que se encontravam por ela abrangidos à data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 209/92 e julgou a acção parcialmente procedente, decidindo que a alínea a) do n.º 1 da cláusula 61.' deve ser interpretada da seguinte forma: 'A Companhia Carris de Ferro de Lisboa é obrigada a assegurar aos trabalhadores ao seu serviço, abrangidos por essa convenção e que, cumulativamente, se encontravam por ela abrangidos em 7 de Outubro de 1992, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, durante os períodos de baixa por doença, o pagamento da remuneração normal, na data a esta correspondente, efectuando o pagamento da totalidade dessa remuneração nos casos em que o trabalhador não tenha direito ao subsídio de doença ou, tendo direito a tal subsídio, não o tenha ainda recebido da segurança social, e o pagamento do complemento desse subsídio nos casos em que o trabalhador receba já o subsídio da segurança social - tudo sem prejuízo do direito dos trabalhadores da Carris a auferirem retribuição no caso de faltas por doença, se não beneficiarem de um regime de segurança social de protecção na doença, enquanto não lhes for aplicável o regime de suspensão da prestação do trabalho por impedimento prolongado [artigo 230.º, n.os 2, alínea a), e 3, do Código do Trabalho].' Inconformados com a decisão, dela recorreram a Companhia Carris de Ferro de Lisboa e o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa. A primeira, por entender que só é obrigada a pagar a retribuição e o complemento do subsídio por doença quando tiver conhecimento do montante do subsídio que é pago pela segurança social ou quando tiver conhecimento da inexistência do direito a esse subsídio. O segundo, por entender que a cláusula 61.' não é nula.

Apreciando os referidos recursos, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença na parte em que julgou nula a cláusula 61.' do AE a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, e confirmou a interpretação que dela tinha sido feita na 1.' instância.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: '1.' De acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema da segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares da segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.

2.' Apenas nas situações previstas na alínea e) do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79 é possível às convenções colectivas estabelecerem e regularem benefícios complementares das asseguradas pela segurança social.

3.' E não ocorrendo quaisquer destas situações, como não ocorreram, pelo menos desde a entrada em vigor da redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º da LRCT, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 209/92, que a cláusula 61.' do AE se mostra contrária à lei e ferida de nulidade, por não se encontrar enquadrada em regime profissional complementar da segurança social e nem a sua responsabilidade ter sido transferida para seguradoras.

4.' E tal nulidade subsiste mesmo continuando em vigor o Decreto-Lei n.º 225/89, de 6 de Julho, e independentemente dos prazos aí fixados para a sua harmonização.

5.' Sobre esta questão se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 6 de Novembro de 2002, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano XLII, n.º 497, de p. 837 a p. 855, e no Acórdão de 16 de Junho de 1993, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 3.º vol., 1993, p. 261.

6.' Estamos em presença de uma nulidade da cláusula 61.' do AE, e não de uma simples irregularidade, dado existir uma desconformidade clara entre o disposto na cláusula 61.' do AE e o artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, que afecta de forma inequívoca a sua validade.

7.' A ratio legis das exigências legais constantes no artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 209/92, impõe a invalidade da cláusula, e não a sua simples irregularidade.

8.' Ao contrário do douto acórdão em recurso, o regime complementar previsto na cláusula 61.' do AE é nulo, e não irregular.

9.' Não é possível às convenções colectivas estabelecerem e regularem benefícios complementares de doença, não se verificando as situações previstas no artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, pelo que é nula a cláusula 61.' do AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.' série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982, devendo tal nulidade ser declarada.

De qualquer forma: 10.' A interpretação feita pelo tribunal de 1.' instância e acolhida pelo douto acórdão em recurso não se mostra em conformidade com a cláusula 61.', n.º 1, alínea a), do AE e com o artigo 9.º do Código Civil.

11.' O facto de a recorrente sempre ter procedido, até 31 de Julho de 2003, ao adiantamento do vencimento por inteiro aos trabalhadores que se encontravam de baixa por doença resultou de um acto de gestão, e não de qualquer imposição legal ou contratual.

12.' E o que resulta de um acto de gestão não pode assumir carácter vinculativo e nem constitui e corporiza um verdadeiro uso da empresa.

13.' Nada impõe que a recorrente mantivesse permanentemente o procedimento que manteve até 31 de Julho de 2003, no que se refere ao adiantamento do complemento de doença.

15.' O procedimento adoptado pela recorrente após 1 de Agosto de 2003 e constante da deliberação a fl. 47 encontra-se conforme o disposto na cláusula 61.', n.º 1, alínea a), do AE.

16.' A interpretação da cláusula 61.', n.º 1, alínea a), efectuada pelo...

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