Audiência Preliminar

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas227-251

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1º Pré-saneador

Contrariamente ao que outrora se passava no âmbito do C.P.C., em que o controlo jurisdicional logo se manifestava aquando do recebimento da petição inicial, 467 com a entrada em vigor do Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12/12, só ocorre após o encerramento da fase dos articulados.

É até aí o processo "filtrado" através dos serviços de secretaria que, deste modo, ganham relevo, 468 facilitando a celeridade processual e deixando o juiz liberto para outras e mais importantes tarefas.

Pois bem:

o aludido controlo jurisdicional actua como verdadeiro pré-saneador, antecipando, portanto, as funções atribuídas ao saneador. 469

Sanear é a palavra de ordem, aliás, do diploma inovador acima indicado, no intuito de expurgar o processo de inutilidades que só o emperram e escondem a visão do verdadeiro cerne da causa.

O que apelidamos de despacho pré-saneador, destina-se - explica Carlos Lopes do Rego 470 - a evitar que todas as questões suscitadas pelos articulados das partes sejam, imediata e necessariamente, "arrastadas" para o decurso da audiência preliminar, assegurando-se a possível eficácia e funcionalidade na realização desta: deverá, pois, o juiz, na sua primeira - e necessariamente aprofundada - análise dos articulados das partes, desde logo, enfrentar dois tipos de questões:

- a existência de excepções dilatórias supríveis, que careçam de ser ultrapassadas, com vista a permitir o conhecimento do mérito da causa;

- a existência de irregularidades ou deficiências em qualquer dos articulados apresentados, cuja apreciação e eventual suprimento (face à sua relevância e gravidade) não convenha deixar para o decurso da própria audiência preliminar (já que esta acabaria provavelmente por ter de ser suspensa, dada a dificuldade da parte interessada em, logo no decurso dela, providenciar pelo suprimento). 471

Não se conclua, porém, apressadamente, que até aqui o juiz se encontra divorciado por completo da sorte do processo.

Apenas e tão-só se recolocaram os poderes de direcção do juiz, mas a este continua a incumbir um papel, eminentemente, activo e dinamizador, surgindo a sua intervenção quando e se torne necessária.

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Veja-se, por exemplo:

do acto de recusa de recebimento, por banda da secretaria, do petitório, cabe reclamação para o juiz. 472

Mas -... avancemos, então, para a enunciação dos objectivos visados pelo pré-saneador:

* Providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias 473

Com efeito, o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários Ó regularização da instância ou, quando estiver em causa a definição das partes, convidando-as a praticá-los.

A actuação do juiz, neste caso, encontra-se na sequência do princípio da sanabilidade oficiosa da falta de pressupostos processuais.

Conforme o estipula o nº 2, do art. 265º do C.P.C., a par de outros deveres, como é o caso do de providenciar pelo andamento regular e célere do processo 474 e pelo de realizar ou ordenar, oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio. 475

No fundo é isto:

não obstante a iniciativa e o impulso processual incumbam à s partes, o juiz deve ordenar as diligências processuais indispensáveis para que o processo siga seus trâmites.

Voltando ao despacho pré-saneador: ao juiz compete providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, 476 portanto, ex officio ou convidar a parte a, no prazo marcado, providenciar pela emenda. 477

Só que, pode suceder estar-se em face de uma excepção dilatória, sim, mas insuprível.

E, então?

Carlos Lopes do Rego 478 diz que, em tal hipótese, não terá lugar a prolação do despacho "pré-saneador". 479

Na verdade, nesta hipótese - diz o mesmo comentarista - se as partes não tiverem oportunidade de suscitar e discutir tal excepção nos articulados, deverá o juiz convocar a audiência preliminar, imposta, neste caso, pelo princípio do contraditório e decorrente do preceituado no art. 508º-A, nº 1, alínea b).

Se, pelo contrário, tal excepção já foi suscitada e debatida nos articulados, poderá ocorrer dispensa da audiência preliminar, nos termos do art. 508º-B, nº 1, alínea b), proferindo o juiz, por escrito, despacho saneador em que julgue verificada tal excepção, absolvendo o réu da instância, nos termos do disposto no art. 510º, nº 1, alínea a).

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A posição do juiz revela-se através de despacho o qual, por hipótese, poderá ser assim:

A ré "Andrade & Costa, Lda", não demonstra, quer na peça contestatória, quer no mandato que a acompanha, a necessária representativi-dade para estar, em juízo (cfr. arts. 9º e 21º, nº 1 C.P.C.).

Tal facto - excepção dilatória consistente na falta de capacidade judiciária - obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

Sendo assim, ordeno à ré, na pessoa do outorgante da procuração junta aos autos, a junção aos mesmos do respectivo pacto social e de certidão a emitir pela competente Conservatória do Registo Comercial, identificando os únicos e actuais sócios da sociedade "Andrade & Costa, Lda".

Notifique.

É o juiz na vestimenta de promotor oficioso das diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, sem prejuízo do ónus do impulso, especialmente, imposto pela lei à s partes, como já acima se referiu. 480

Sendo de dizer, por relevante: este suprimento apenas deverá ser despoletado quando e se exista possibilidade de sopesamento ante a existência de excepcionalidade dilatória.

O que nos leva à básica distinção apodítica das excepções em absolutas e relativas.

Ou, se quizermos, em sanáveis ou supríveis e insanáveis ou insupríveis.

Nestas:

ilegitimidade

personalidade judiciária

incompetência absoluta

caso julgado

litispendência

Para melhor se entender a supra enunciada dicotomia, tomemos, por exemplo, a falta de personalidade judiciária.

Em princípio, o juiz não tem meios de suster a irreversível insuprivilidade.

Quando detecte tamanho vício, no despacho saneador (terá) proferirá decisão de absolvição da instância, como, aliás, já supra o dissemos.

Se bem que lhe devamos atenuar este pendor de irreversibilidade pois, à s vezes, a falta tem panaceia.

Daí a ressalva acima.

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Bastará pensar nos casos de cessação da falta de personalidade. 481

E, porque não e ainda excepcionando a regra:

"Se, em consequência das diligências para citação do réu, resultar certificado o falecimento deste, poder-se-á requerer a habilitação dos seus sucessores, em conformidade com o que nesta secção se dispõe, 482 ainda que o óbito seja anterior à proposição da acção."

Transcreveu-se o nº 2, do art. 371º do C.P.C. que autoriza, afinal, uma outra via de se ultra-passar a falta de personalidade judiciária.

** Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados

É mesmo: o juiz convidará as partes a suprir as irregularidades de que enferme qualquer dos articulados apresentados, fixando o prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente, quando careçam de algum dos respectivos requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. 483

Pode ainda o juiz, convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o, inicialmente, produzido.

Dever-se-á distinguir, para se ser preciso, o aperfeiçoamento de articulado irregular do articulado deficiente.

O articulado irregular advém da falta de requisitos legais ou da falta de junção de documentos de que a lei faz depender o prosseguimento da causa, impondo, imperativamente, a respectiva junção logo na fase dos articulados. 484

O articulado deficiente 485 resulta, essencialmente, da carência de factologia relevante Ó completa compreensão e justa composição do litígio. 486

Magistralmente, Carlos Lopes do Rego, 487 diz ser de aplicar o nº 3, do art. 508º, quando:

- o autor tiver substanciado, em termos bastantes, uma causa de pedir complexa, omitindo, porém, determinados factos ou circunstâncias complementares, de natureza "constitutiva", cujo ónus de alegação, consequentemente, lhe incumbe;

- determinado elemento, integrador da causa de pedir, se mostrar insuficientemente concretizado, em consequência de, na exposição da matéria de facto relevante, o autor ter feito apelo a conceitos excessivamente vagos, conclusivos ou integrando matéria que o juiz considere, naquela acção, como "de direitos";

- ocorrerem, na perspectiva do juiz, ambiguidades, imprecisões ou incoerências na exposição da matéria de facto, que prejudiquem a plena inteligibilidade da situação litigiosa;

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- tendo o réu alegado claramente uma excepção peremptória e substanciado o seu núcleo fáctico essencial, omita um facto ou circunstância complementar cujo ónus de alegação lhe cabe, ou faça apelo, na sua caracterização, a conceitos que o tribunal considera excessivamente vagos ou conclusivos;

- tendo o réu impugnado, em termos minimamente satisfatórios, certa matéria de facto alegada pelo autor, importa interpretar ou precisar o sentido exacto de tal impugnação (nomeadamente, nos casos de impugnação indirecta ou "per positionem", precisando ou esclarecendo melhor a versão fáctica por ele apresentada).

Não se poderá deixar de transmitir ao leitor, sob pena de desvirtuar a explanação explicativa de Carlos Lopes do Rego, a ressalva deste quanto aos limites do aperfeiçoamento no que tange ao autor como no que toca ao réu.

Quanto aquele, não será admissível o suprimento de uma petição inepta, nos termos do art. 193º do C.P.C., nem a convolação para uma "causa petendi" diferente da invocada pelo autor como suporte da petição ou reconvenção.

Quanto ao réu, o aperfeiçoamento "substancial" da contestação não pode levar à...

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