Jurisprudência n.º 1/2002, de 24 de Janeiro de 2002

Jurisprudência n.º 1/2002 Processo n.º 3370/2000 - 6.' Secção Acordam, em plenário, as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: A sociedade Carpintaria Native, Lda., requereu, com base em letra de câmbio, execução ordinária para pagamento de quantia certa contra a sociedade Imobiliária Forum, S. A.

Invocou a sua qualidade de sacadora, sendo aceitante a executada, e, como causa da emissão da letra, a transacção comercial com a mesma aceitante.

Esta deduziu embargos de executado, com fundamento na ilegitimidade da exequente - alínea c) do artigo 813.º do Código de Processo Civil (CPC).

Contestados os embargos, foram logo julgados improcedentes.

A Relação confirmou a sentença.

Nesta revista concluiu em síntese a embargante: 1) A recorrida só fica obrigada como sacadora da letra se, sob a sua firma ou denominação social, um seu gerente assinar com a indicação expressa da qualidade em que o faz, representando a sociedade - artigo 260.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) (ver nota 1); 2) A qualidade de gerente não se presume nem se admite tacitamente; 3) Ao não entender assim, o acórdão da Relação fez incorrecta interpretação do disposto nos artigos 10.º, 200.º e 260.º, n.º 4, do CSC, 9.º do Código Civil (CC) e 25.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL); 4) Deve consequentemente ser revogado, julgando-se a embargada parte ilegítima para com ela prosseguir a execução.

Requereu o julgamento ampliado da revista, nos termos do artigo 732.º-A do CPC, para assegurar a uniformidade da jurisprudência, o que foi determinado.

Invocou sobre a questão da vinculação das sociedades por quotas a oposição da decisão recorrida com jurisprudência das Relações de Coimbra e de Lisboa e também deste Supremo.

A recorrida não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer, de grande qualidade, propondo a uniformização da jurisprudência deste modo: 'Nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura, com a indicação expressa dessa qualidade'.

A Relação fixou os seguintes factos, que entendeu essenciais para decidir: 1) A letra de 3573500$00 foi emitida em 28 de Abril de 1997, com vencimento em 28 de Julho de 1997; 2) Na face esquerda superior, em lugar destinado à identificação do sacador, com o nome, morada ou carimbo, consta 'Carpintaria Native, Lda., Loureira, 2495Fátima'; 3) No lugar destinado à assinatura do sacador consta a assinatura de Native SilvaFartaria; 4) A letra foi aceite pela embargante/executada; 5) Consta do Registo Comercial (1.º Conservatória de Leiria) que a sociedade Carpintaria Native, Lda., tem sede em Loureira, são únicos sócios o Native Silva Fartaria e mulher, Maria Emília Reis da Silva, basta a assinatura de um gerente para a obrigar e cabe a gerência ao Native.

Consideroudepois: Segundo o n.º 4 do artigo 260.º do CSC, os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.

É absurdo julgar a assinatura do Native noutra qualidade que não seja a de gerente da sociedade.

Invocou o Acórdão deste Supremo de 24 de Outubro de 1996 (Colectânea de Jurisprudência, IV, 3, p. 78) que, considerando o disposto naquela norma, decidiu: 'O que importa é que do documento (no caso letra de câmbio) resulte, em termos aceitáveis segundo o costume, que o gerente assinou um documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente.' Isto é, a vinculação da sociedade pode resultar do texto do documento, que, assinado pelo seu gerente, não indicou expressamente que procedeu nessa qualidade.

No mesmo sentido de que não é indispensável que o gerente social assine o documento indicando de modo expresso que o faz nessa qualidade, pronunciaram-se outros acórdãos deste Supremo, bem como das relações (ver nota 2), admitindo a indicação concludente.

Exigiram, no entanto, aquela indicação expressa outros acórdãos dos mesmos tribunais superiores (ver nota 3).

É, pois, manifesta a divergência jurisprudencial que impõe a uniformização agora em causa (muitos outros acórdãos das relações e do Supremo são indicados no parecer do Ministério Público).

O n.º 4 do artigo 260.º do CSC dispõe: 'Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade (ver nota 4).' A Lei das Sociedades por Quotas de 11 de Abril de 1901 (LSQ) estabelecia: 'Para que a sociedade fique obrigada basta que um dos gerentes assine com a firma social'. (Artigo 29.º, § 1.) 'Quando a sociedade não tiver firma, mas uma denominação particular (ver nota 5), só ficará obrigada se os actos forem assinados em seu nome, pela maioria dos gerentes, salvo qualquer estipulação em contrário na escritura social'. [Artigo 30.º (ver nota 6).] No chamado 'Anteprojecto de Coimbra', na 2.' redacção revista, dizia o n.º 4 do artigo 86.º: 'Os gerentes obrigam a sociedade juntando as suas assinaturas à firma social.' (Revista de Direito e Economia, 5, 1979, p. 173.) Na exposição dos motivos relativa ao correspondente n.º 4 do artigo 85.º da 2.' redacção não revista, os seus autores omitem qualquer explicação (Revista de Direito e Economia, 3, 1977, p. 371) (ver nota 7).

Provavelmente basearam-se no § 61.º do anteprojecto, depois § 63.º do projecto alemão da nova lei sobre sociedades por quotas, que dizia: 'Os gerentes assinam pela sociedade, acrescentando o seu nome à firma da sociedade.' (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 270, p. 283.) Não parece, assim, ao contrário do que já se afirmou, que o n.º 4 do artigo...

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