A jurisprudência

AutorLuís Poças
Páginas227-232

Page 227

Num contexto jurisprudencial caracterizado pela inexistência de arestos no recente quadro legislativo da mediação de seguros, e de decisões isoladas e pouco fundamentadas no âmbito dos regimes anteriores, existem, não obstante, numerosos acórdãos que referem o papel de intermediação do mediador, sem que a intervenção deste tenha, porém, influência na decisão da questão de fundo.

As duas temáticas que se revestem de maior relevância quanto ao nosso objecto de análise são a da qualificação jurídica do contrato de mediação de seguros e a do âmbito da vinculação do segurador pela actuação do mediador. As duas questões estão, de resto, interligadas entre si, na medida em que a solução para a posição do mediador no contrato de seguro decorre frequentemente da qualificação da mediação de seguros quanto à respectiva natureza jurídica.

X 1 - Qualificação jurídica do contrato de mediação de seguros

A qualificação jurídica da mediação de seguros é geralmente feita, nos tribunais portugueses, tomando por referência o contrato de mediação (em geral). Nesta perspectiva, alguns Acórdãos atribuem inequivocamente ao contrato essa natureza jurídica. Tal é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/05/2003, Proc. n.º 03A1048 (Reis Figueira)648, que rejeita a aproximação da categoria agente de seguros ao contrato de agência: «a actividade fundamental do mediador de seguros é a de conseguir interessado para certo seguro, que raramente conclui ele próprio: é mero intermediário. O contrato de media- ção não se confunde com o contrato de agência, desde logo por isto: o agente actua por conta do principal, representa-o, o mediador age com independência, imparcialidade, no interesse de ambos, sem representar nenhum […] (salvo no caso excepcional, que aqui se não verifica, de haver acordo do segurador para a celebração de seguros pelo mediador)». Page 228

Embora reconduzindo a mediação de seguros ao contrato atípico de mediação (em geral), o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/05/2005 - Proc. n.º 317/05 (Távora Vítor)649 considera que, estando o mediador de seguros munido de poderes para celebrar contratos em nome e por conta do segurador, e encontrando-se preenchidos os pressupostos do artigo 258.º do Código Civil, fica o mesmo com potencialidade para vincular por si o segurador, investido de um verdadeiro mandato com representação.

Na perspectiva oposta, alguns arestos rejeitam a qualificação do contrato como de mediação (em geral). Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/1979 - Proc. n.º 067615 (Rodrigues Bastos)650 sustenta que a angariação de um seguro não constitui - por falta de imparcialidade do intermediário - um contrato de mediação sujeito ao regime do mandato, mas um simples acto, situado nos preliminares do contrato de seguro, que se esgota com a realização do mesmo. Assim, celebrado o contrato de seguro, não subsistiria entre o segurador e o seu auxiliar ocasional outro vinculo que não fosse o derivado da realização do próprio contrato a traduzir-se no pagamento da respectiva comissão.

Por seu turno, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/1/1976651 qualificou a mediação de seguros como contrato de agência, considerando que este era um contrato de gestão autónoma ou de gestão livre, na medida em que o agente não ficava, senão parcialmente, sujeito a instruções e inspecções do segurador.

Finalmente, alguma jurisprudência - como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/03/1981, Proc. n.º 68845 (Moreira da Silva)652, ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/01/2003, Proc. n.º 0231764 (Sousa Leite)653 - não toma claramente posição na matéria, numa colagem ao regime legal da mediação de seguros como actividade de intermediação entre o tomador do seguro e a entidade seguradora. Page 229

X 2 - Actuação do mediador e vinculação do segurador

Como referimos, a qualificação do contrato reflecte-se na problemática da imputação da conduta do agente ao segurador em sede de responsabilidade civil ou, noutra perspectiva, da vinculação do mesmo em virtude dessa conduta.

Entre as questões de fundo apreciadas, figura, desde logo, a da imputabilidade à seguradora do preenchimento, pelo mediador, da proposta de seguro com informações falsas susceptíveis de influenciar a apreciação do risco. Neste...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT