Acção de preferência

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas61-102

Page 61

Pressupostos

Até aqui estivemos envolvidos na apreciação do direito de preferência, desde a sua história e noção, até ao seu nascimento, passando pela natureza, exercício e arguição de vícios.

Depois já numa perspectiva adjectiva, debruçamo-nos na notificação para preferência. Só que... só que, por vezes, necessário se torna exercer através da via judicial o direito de preferência, desde que o autor (ou sujeito activo) demonstre ser titular deste (legal ou convencional), com eficácia real e ser possuidor da coisa sobre a qual recai o direito alienado.

Expliquemo-nos:

Acabamos atrás de apontar a gestação da acção de preferência. Mas apenas os direitos de preferência de origem legal previstos no Código Civil e, bem assim, os pactos de preferência a que tenha sido atribuída eficácia real, conferem ao respectivo titular a faculdade de, quando violado o seu direito, socorrer-se da acção de preferência.

Por exemplo, os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam, reciprocamente, do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. 101

E também o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes. 102

Igualmente, o proprietário do solo goza do direito de preferência, em último lugar, na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície; sendo, porém, enfitêutico o prédio incorporado no solo, prevalece o direito de preferência do proprietário. 103Page 62

Ademais, o proprietário do imóvel onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante. 104

Finalmente, quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários. 105

Aqui ficaram indicados os direitos de preferência de origem legal previstos no Código Civil aos quais se devem acrescentar os pactos de preferência a que tenha sido atribuída eficácia real. 106

E quanto aos direitos convencionais?

Relativamente a estes, o preferente, em regra, goza de um simples direito de crédito ao comportamento do obrigado à preferência, cujo inadimplemento dá apenas lugar a indemnização, não podendo, por exemplo, o beneficiário do direito ir buscar o prédio às mãos do comprador que é um terceiro com quem aquele beneficiário não contratou. 107

Repare-se que o facto do direito de preferência pertencer, simultaneamente, a duas ou mais pessoas, só esse facto não confere a qualquer deles o direito automático de intentar a acção objecto do capítulo que estamos a tratar.

Não. Antes da propositura da acção haverá que adjudicar o direito a um dos sujeitos, como que lhe conferindo correlativa e exclusiva titularidade.

Não é adjudicatário do direito?

Então, não terá legitimidade para vir a juízo exercer o seu direito de preferência ou, se quizermos ser mais explícitos, reivindicar para si a coisa alienada a terceiro.

Assim, parece que nos casos em que a lei exige prévia licitação do direito, a sua adjudicação a um dos preferentes é um pressuposto do seu exercício, cuja falta conduz à improcedência da acção.

Há quem afirme que o não afastamento dos preferentes concorrentes se reconduz a uma questão de legitimidade, determinando aquela falta a ilegitimidade do autor e, consequentemente, a absolvição da instância. 108

Contudo, Alberto dos Reis não o entende assim, referindo que quando o juiz aprecia a qualidade de adjudicatário do autor está a apreciar o mérito da causa, já para além do campo da legitimidade das partes.

A idoneidade para provocar a decisão judicial e o interesse na decisão, assegurou-os o autor ao invocar a sua qualidade de preferente.Page 63

Ser titular do direito de preferência é mais que ser, simplesmente, preferente - qualidade bastante para a legitimidade processual - é, além disso, ter o direito.

Assim, quando se verifique que o réu não está obrigado a entregar a coisa ao autor, porque este não se mostra investido, pela adjudicação no direito, não faz sentido que o juiz se limite a considerar o réu parte ilegítima, antes e sim deve julgar a acção improcedente.

E não se trata de mera questiúncula retórica; não, se nos lembrarmos do disposto no art. 673.º do C. P. C.: «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique».

Concretizando ainda mais a matéria dos pressupostos, colando-nos ao estipulado no art. 416.º do C.C., diremos que a alienação não comunicada ao preferente, confere a este a possibilidade, o direito, de se socorrer da acção de preferência. 109

Entretanto, recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

Aliás, se o preferente notificado para exercer a sua preferência, renunciar ao respectivo direito, igualmente, entrará em funcionamento a caducidade. 110

Mas sempre, dúvida não subsiste, na base da acção de preferência, está um contrato válido.

António vê-se substituído por Bernardo; este toma a posição daquele; tudo bem, mas com uma insofismável certeza: a plena sanidade do tecido negocial.

Será necessário e oportuno um exemplo?

Ei-lo:

O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum, di-lo o n.º 1, do art. 1408.º do C.C., aditando o n.º 2 que a disposição ou oneração da parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia.

Por outro lado, reza o art. 892.º do mesmo diploma que é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar. 111Page 64

Suponhamos que Adelino pretende, através de adequada acção, exercer preferência em venda realizada pelo comproprietário Bento, sendo que este, no entanto, infringiu os preceitos apontados, ou seja, os arts. 1408.º e 892.º do C.C..

Naufragará a acção proposta por Bento, tão-só pelo facto de Adelino ter sufragado um negócio nulo.

Esta nulidade conduzirá à pulverização do direito de preferência, pela falta de verificação da condição sine qua non com inserção no demandante.Page 65

Caducidade

O comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço 112 devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

É esta a pontificação do n.º 1, do art. 1410.º do C.C..

Que parece bem linear: o prazo para o exercício do direito de preferência é de seis meses a partir do momento em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

Nem mais, nem menos.

Só que, a data em que o preferente teve conhecimento, o preciso momento, não é assim tão fácil de determinar.

Acompanhe-nos o leitor nesta viagem:

O citado n.º 1, do art. 1410.º do C.C. fala nos «elementos essenciais da alienação»; ora, um deles é, sem dúvida, o preço.

Resulta da própria noção de compra e venda: o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. 113

Acontece que, e qual de nós não o sabe, muitas vezes, 114 na escritura de compra e venda consta um preço superior ao real para, assim, colocar fora da corrida o preferente.

Então, pergunta-se: a partir de quando se conta o prazo de seis meses para a instauração da acção de preferência?

Salvo o devido respeito por opinião contrária, crê-se que o prazo de caducidade, começará a contar-se a partir da data em que, conhecedor da venda, o preferente soube do preço real.Page 66

Todavia, há aqui uma ressalva a ter em conta: se o preferente estiver interessado em optar apenas, relativamente, ao preço aparente terá que o fazer, então, desde logo quanto a esse. Caso contrário, se a eventual arguição de simulação improceder, pode esgotar-se o prazo de caducidade da acção, 115 extinguindo-se, sem apelo nem agravo, o direito de preferência.

Se, nos casos de simulação de preço para mais, o prazo de caducidade se contasse do conhecimento da venda, considerando aquele irrelevante, como há quem entenda, colocar-se-ia nas mãos dos interessados um processo fácil e seguro de afastar preferências inconvenientes.

Bastaria, para tanto, declarar na escritura de compra e venda um preço bastante superior ao real e, decorridos seis meses sobre o conhecimento da alienação sem o preferente intentar a acção, o mecanismo da caducidade ter-se-ia encarregado de afastar, definitivamente, o incómodo titular do direito.

Contra esta dilação do prazo 116 não poderá argumentar-se com a existência de quaisquer interesses sérios do alienante ou do adquirente pois que só funcionará quando a simulação se prove e, neste caso, o intuito com que agiram de enganar terceiros não pode merecer a tutela da lei.

O titular da preferência deve ter, após o conhecimento do preço real, o mesmo prazo que a lei lhe faculta, quando a venda não é simulada, para decidir sobre o exercício do seu direito e para obter os meios necessários a esse exercício.

Terminaremos esta secção referindo que quando o direito de preferência se radicar em várias pessoas, a apresentação do...

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