E não há leis sem democracia

AutorArnaldo Ourique
Páginas142-143

Page 142

Acredito piamente que as Lettres Portugaises foram escritas pela nossa MARIANA ALCOFORADO. 71E isto porque se Portugal tem algum jeito, sem dúvida que o tem na literatura. E desde o mais simples cidadão ao mais ilustre. D. Carlos expressa essa alegria numa carta à sua Rainha, D. Amélia: «...e nessa altura dir-te-ei mais uma vez quanto te amo. Isso não se pode descrever, diz-se mais olhando-nos durante um minuto do que em vinte páginas que se escrevam». E a Mariana, simples mulher, mas cultíssima para a altura, na sua 4ª carta: «Bastarme-ia ver-te de vez em quando e saber apenas que estávamos no mesmo lugar».

E essa apetência literária é manifesta nas leis. Exceptuando um caso ou outro, Portugal acompanhou os movimentos dos países de charneira intelectual na criação das leis. E também com a criação das regiões autónomas essa apetência é patente: sinal de que são bons filhos de um bom pai, que é o mesmo que dizer que a matriz cultural é a mesma e, não menos importante, profunda aliás.

A verdade porém, é que uma coisa é a letra na forma de carta amorosa, por muito poética que seja, outra é a letra na forma de lei. E aqui até se confirma que Portugal é um fiel exemplo do mundo: a regra é a imperfeição das coisas; a perfeição é que é a tarefa a perseguir pelo homem. Uma lei é sempre importante porque é lei: contém comandos que orientam a vontade do homem. É uma confirmação de uma ordem universal que, ao caso concreto, enaltece ou deve enaltecer a dignidade humana. Mas uma lei para sê-lo não se basta com a forma e o articulado (daí da existência de tribunais constitucionais). Assim já foi em tempos, não na democracia actual, porque esta é o poder de todos exercido por todos.

O recente decreto legislativo regional 49 do dia 11 Dezembro sobre os quadros regionais de ilha da administração pública açoriana é exemplo de uma lei que não é "lei": tem a forma e o articulado, mas foi feita à margem da democracia. Há um ano, pelo decreto legislativo regional 1 de 9 Maio, o governo das ilhas plasmou no ordenamento jurídico comandos de promessa de um futuro descentralizado, desconcentrado, participativo, moderno e inteligente. E como se de relâmpago se tratasse, eis que surge a lei...

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