Multas e indemnização

AutorHelder Martins Leitão
Páginas95-103

Page 95

Litigância de má fé

Vem de longe a ideia de aplicar sanções especiais ao litigante de má fé ou ao litigante temerário. 122 Esta ideia surpreende-se já no direito romano e ganha terreno nas organizações jurídicas posteriores. 123

No antigo direito português as custas distinguiam-se em judiciais e pessoais; as primeiras, diziam respeito ao processo; as segundas, respeitavam à pessoa e exprimiam o dano que esta sofrera. 124

Segundo a Ordenação, nas custas pessoais era condenado somente aquele que «não teve justa causa de litigar». 125 Aparece aqui em esboço, a figura do litigante temerário. As custas pessoais são antecedente histórico da indemnização à parte contrária. No caso de malícia da parte do vencido, podia este ser condenado no dobro ou tresdobro das custas. A parte vencida devia também ser condenada em multa.

Na antiga legislação a multa tinha o nome de dízima, porque era igual à décima parte do valor da causa. 126 A partir do disposto no artigo 828.º da Novíssima Reforma Judiciária, a multa passou a ser de 5% do valor da «cousa demandada».

O que acabamos de dizer e a leitura do constante no n.º 1, do art. 456.º C.P.C., cuja redacção é tão explícita quanto isto: «Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir», pode inculcar a ideia de um grande extremismo na apreciação dos casos levados a juízo. Page 96

Tamanha ilação, porém, seria fruto de uma leitura em diagonal. A responsabilidade no caso de má fé, ínsita no indicado normativo, não poderá colidir com o princípio de que é lícito intentar acções ou deduzir defesas objectivamente infundadas, porque o princípio deve entender-se nestes termos: contanto que a parte esteja convencida de que lhe assiste razão. 127

Significa que a boa fé «justifica» a petição ou a contestação, objectivamente infun- dada. E também a temeridade, que, porventura, sendo estupidez, jamais será malevolência.

Mas, então, quando se age de má fé?

Litigante de má fé é não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver, conscientemente, alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais ou que tiver feito do processo 128 um uso, manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.

Por importante, permitido nos seja enunciar, imediatamente, a seguir a jurisprudência mais relevante sobre o tema que tratamos.

E assim:

Ac. RC., de 04/04/96 (B.M.J., 446.º-366):

A responsabilidade por má fé não se basta com a existência de culpa grave ou erro grosseiro, pois implica o requisito essencial da consciência de não ter razão.

Ac. RE., de 16/01/97 (Col. Jur. 1.º-287):

A multa por litigância de má fé deve estar em consonância com as condições económicas do sancionado.

Ac. RE, de 30/01/97 (B.M.J., 463.º-666):

É de condenar como litigante de má fé a parte que, após aceitar expressamente que um prédio é propriedade de outros herdeiros, aceitando que o mesmo seja excluído dos termos do inventário, vem posteriormente reivindicá-lo em acção própria, alegando ser o seu proprietário. Page 97

Ac. S.T.J., de 08/04/97 (Col. Jur./STJ, 1997, 2.º-37):

Para que haja litigância com má fé não basta a culpa, ainda que grave, exigindo-se, antes, uma actuação dolosa ou maliciosa.

Ac. RC., de 11/03/98 (B.M.J., 475.º-784):

I - A improcedência manifesta e, portanto, indiscutível da oposição do executado por embargos, como fundamento de rejeição liminar, é, por si mesma, reveladora de má fé do embargante na modalidade de negligência grave.

II - De facto, carecendo o embargante comprovadamente de razão, que o levou a não

recorrer do despacho de rejeição, isso significa que não podia ignorar o desacerto do enquadramento jurídico da sua posição, não actuando, pois, com o mínimo de diligência exigível.

Ac. S.T.J., de 12/10/99 (Col. Jur./STJ, 199, 3.º-52):

I - Não litiga de má fé a parte que, em requerimento por si subscrito, alega que não esteve presente na conferência de interessados, apesar da sua presença constar da respectiva acta, através de novo mandatário denuncia troca de nomes em cartas remetidas pelo tribunal - troca que realmente existiu - e recorre em vez de arguir nulidades.

II - O advogado constituído, para além de não ser responsável por actos anteriores

à sua constituição, não pode ser condenado pelo tribunal litigante de má fé.

III - Tal mandatário, se de tal fosse caso, só poderia ser sancionado pela Ordem dos

Advogados, conforme o art. 459.º do Cód. Proc. Civil.

Ac. S.T.J., de 06/01/00 (Sumários, 37.º-29):

I - A má fé psicológica, o propósito de fraude, exige, no mínimo, uma actuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do acto.

II - Tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual, quer

a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão de prejuízo resultante do acto, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o acto que se tem...

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