B) Meios de Prova

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas59-252

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Apreciados os termos gerais da instrução do processo, chegamos ao momento adequado para o exame detalhado dos diversos meios de prova admitidas no elenco jurídico nacional.

Imediatamente a seguir, sucessivamente e sem qualquer hiato, trataremos dos seguintes meios de prova: 152

I) Prova por documentos;

II) Prova por confissão das partes;

III) Prova pericial

IV) Prova por inspecção judicial

V) Prova testemunhal

I Prova por documentos

Verba volant, scripta manent. 153

Na verdade, do elenco probatório, não resta dúvida, a importância do documento sobreleva as mais provas, em conservação, fidelidade, idoneidade, utilidade, isenção e duração.

É que o documento, 154 o escrito, desde remota antiguidade, ensina o que nele foi gravado ou traçado: ao princípio, em caracteres hieroglíficos e cuneiformes; depois, em variadíssimos caracteres alfabéticos.

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Seguindo Cunha Gonçalves: 155

Esta prova tem sobre a testemunhal 156 as vantagens seguintes:

- mais duradoura;

- menos susceptível de

parcialidade

erros

tergiversações;

- mais fixidez e inalterabilidade; 157

- exigência da intervenção pessoal de uma ou ambas as partes;

- moldagem

actos

factos;

- permissão de autenticidade através de funcionário público;

- junção a todo o momento, mesmo em 2.ª instância.

E posto que se diga que o documento é vox mortua, ao passo que a testemunha é vox viva, é certo que esta morre mais facilmente do que aquela.

Graças ao documento, ainda hoje se provam factos ocorridos há mais de 5.000 anos, no Egipto, na Babilónia, na China, na Índia, etc.; enquanto que pereceu toda a história da humanidade anterior à invenção da escrita, ou que por meio desta não foi conservada.

O documento tem a singularidade de criar, simultaneamente, uma prova e um objecto, de sorte que da existência deste se deduz a existência daquela. 158

Daí a frequente identificação entre a forma e a prova; a ordem jurídica, não só subordina a eficácia do negócio jurídico à forma escrita, mas às vezes confere ao escrito a natureza de coisa, objecto de direito, em vez de simples prova deles, como se verifica nos títulos de crédito.

No entanto, a incorporação do direito no título não obsta a que este seja, principalmente, uma prova do direito.

A incorporação só significa que o documento é necessário, porque o crédito incorporado não pode ser provado por outro modo.

Se nos títulos ao portador a transmissão do direito se pode fazer com a simples entrega deles ao adquirente, é porque a posse do título é publicidade suficiente da transmissão.

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O documento é, às vezes, designado como instrumento, não porque sirva para instruir o juiz na decisão das causas 159 - pois análoga instrução resulta de outras provas - mas sim por ser o meio probatório por excelência.

O documento pode, umas vezes, provar a verdade do facto nele mencionado - o que é o caso mais vulgar - outras vezes, prova só o facto alegado por quem o produz em juízo, embora em oposição ao respectivo conteúdo: é o que se verifica nos casos de falsidade, alegada por acção ou incidente, ou nos processos criminais instaurados contra os falsificadores.

É evidente que a verdade a provar é, nesta hipótese, contrária ao documento.

Nos casos de anulação de um contrato há, também, uma verdade oposta ao conteúdo do documento; mas este provará, pelo menos, que o acto nulo se realizou e a sua ineficácia jurídica dependerá de outras provas, ou somente da lei.

O documento - diz ainda Cunha Gonçalves 160 - tem especial importância em relação aos actos jurídicos de carácter formal, que não podem ser demonstrados em juízo por outra espécie de provas.

Quanto à produção em juízo, o documento tem, outrossim, a vantagem de poder ser junto aos processos nos tribunais de 2.ª instância e, em alguns casos, até no Supremo Tribunal de Justiça, contrariamente ao que se passa com a prova testemunhal. 161

O conceito de documento 162 não é pacífico. 163

E assim:

Pereira e Sousa 164 - escritura feita para a comprovação dos factos que se deduzem em juízo.

Duarte Nazaré 165 - qualquer escrito apresentado pelas partes em juízo para prova do que alegam.

Chiovenda 166 - toda a representação material destinada a reproduzir e idónea para reproduzir, determinada manifestação do pensamento: uma espécie de voz gravada para sempre (vox mortua).

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Betti 167 - coisa formada sobre um facto e destinada a fixar de modo permanente ou a sua percepção ou a sua impressão física para o representar no futuro.

Carnelutti 168 - todo o objecto material elaborado pelo homem para representar uma coisa ou um facto.

Guasp 169 - todo o objecto móvel que pode ser utilizado como prova dentro do processo.

Alberto dos Reis 170- todo o objecto material destinado a dar ao juiz a representação de um facto.

Antunes Varela 171 - o termo documento é usado num duplo sentido, quer na linguagem corrente, quer na terminologia técnica do direito probatório.

Código Civil 172 - «qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».

Código de Processo Civil 173 - escrito que exprime uma declaração de ciência (como a correspondência epistolar, o resultado de um exame laboratorial, o documento de quitação) ou uma declaração de vontade (como a escritura de venda, o testamento cerrado ou público, o escrito de promessa de compra e venda, etc.).

Se a noção de documento, como vimos, apresenta sérias dificuldades, não se passa o mesmo quanto à espécie e classificação.

Sendo que há classificações para todos os gostos, consoante a raiz, os agentes, os formadores, o objecto, a elaboração e a forma externa.

Ficaremos pelas distinções tidas por mais relevantes no ponto de vista prático.

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Desde logo, pode não haver coincidência entre o formador e o elaborador do documento.

Isto é: o documento é elaborado ou materialmente produzido por quem não é o formador do respectivo acto jurídico.

E o documento será heterógrafo.

Caracterizado, sobremaneira, pela intervenção de um funcionário que sanciona não a sua vontade, antes a de outrem.

Quando exista aquela justaposição na mesma pessoa, então, o documento denomina-se autógrafo.

Já outra classificação será entre documentos individuais e comparticipados.

Sendo aqueles nos quais a elaboração ou formação jurídica do documento é exclusivamente individual, singular, de uma só pessoa; sendo comparticipados os que resultam da colaboração de várias pessoas, de acordo com os ditames da ordem jurídica, ou seja, exercendo cada pessoa função distinta, ainda que imprescindível para a força probatória do documento.

Os documentos consoante se encontram ou não assinados, podem ser firmados e anónimos.

Sendo que a assinatura é um elemento essencial, de forma tal que a sua falta leva a que o documento não tenha força probatória, salvo a de mero indício 174 e dos casos excepcionais em que a lei atribui uma força probatória limitada a certos documentos privados não assinados.

Os documentos podem ainda ser anopistógrafos ou não.

São aqueles os escritos só de um lado da folha, nada tendo escrito no verso.

Goldschmidt 175 classifica os documentos assim:

quanto ao conteúdo

dispositivos, constitutivos ou negociais

informativos ou narrativos

quanto à forma

públicos

particulares

Os dispositivos suportam uma declaração de vontade.

Os informativos contêm uma declaração de ciência.

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Os públicos são os formados por alguém no exercício de uma actividade pública.

Os particulares são os confeccionados por um simples particular ou por um oficial público fora do exercício da sua respectiva função.

Carnelutti, 176 realçando os documentos declarativos, 177 distingue-os em narrativos ou informativos e constitutivos ou dispositivos, conforme contêm uma declaração de verdade ou uma declaração de vontade.

Respeitantemente à intervenção da vontade humana podem os documentos ser:

subjectivos - aqueles que contêm uma declaração de vontade

objectivos - aqueles que não contendo qualquer declaração de vontade, são probatórios por sua natureza material.

As classificações supra, doutrinais que o são, não passam de meritórias tentativas de sistematização, nada mais do que isso.

Verdade sendo que há ainda outras e variadas classificações que nos abstemos de aqui trazer.

Aquelas classificações valem o que valem e constituem, naturalmente, pontos de partida para o assentar de ideias sobre a matéria da prova documental.

Foi essa, aliás, a razão de sua enunciação nas linhas antecedentes.

Porém, tal facto não pode fazer esquecer a imperiosa necessidade de inserir neste trabalho a chamada classificação legal dos documentos.

Ora, ela encontra-se no n.º 1, do art. 363.º do Código Civil, onde se diz que «os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares».

Classificação esta que parte da fonte donde procedem, isto é, da qualidade da pessoa do seu autor e tendo em vista o efeito probatório.

Sendo certo que autores há que acrescentam a esta classificação uma outra espécie, qual seja, a de documentos autenticados. 178

São autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provindo de fé pública.

Todos os outros documentos são particulares.

Estes são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

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O reconhecimento especial do documento autenticado advém de um termo notarial de autenticação, no qual, além do mais, figura a declaração das partes, perante o notário, de que leram o documento, estão cientes do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade.

Pois bem, este reconhecimento, como que autenticando o documento, sobrelevando-lhe a sua natureza particular, equipara-o, no que diz respeito à sua força probatória, aos documentos autênticos.

Mas...

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