Manipulador de alimentos

AutorMário Frota
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo Professor Convidado da Universidade Paris XII
I Quadro normativo

Pretende-se saber se a Assembleia Legislativa Regional ou o próprio Governo Regional poderá ou não, na ausência de norma editada pelo Parlamento ou pelo Governo da República, legislar em matéria de segurança alimentar, designadamente na introdução, em geral, da carta do manipulador de alimentos.

Ponderadas as opções, cumpre oferecer as soluções que ao caso se nos afigura de quadrarem.

  1. No quadro normativo do agro-alimentar perfilam-se os instrumentos que, no plano do direito derivado segregado no seio da União Europeia, regem em um tal domínio:

    Ý os Regulamentos

    Ý as Directivas

    1.1. Os Regulamentos

    Os regulamentos são os actos jurídicos através dos quais as instituições comunitárias podem interferir mais profundamente nas ordens jurídicas nacionais.

    São possuidores de duas características fundamentais:

    Ý O seu carácter comunitário, que consiste na particularidade de imporem um direito igual para toda a Comunidade sem terem em consideração as fronteiras, i.e., tem validade uniforme e integral em todos os Estados-membros. O que significa que os estados não podem, por exemplo, aplicar parcialmente as disposições de um regulamento ou decidir quais as que irão aplicar para, desse modo, excluírem as normas que sejam contrárias a certos interesses nacionais. Os Estados-membros não podem, da mesma forma, recorrer a normas ou usos do direito nacional para se subtraírem à obrigatoriedade das disposições dos regulamentos.

    Ý A sua aplicabilidade directa, ou seja, o facto de o disposto nos regulamentos estabelecer um direito uno que não carece de normativas especiais de aplicação de carácter nacional, conferindo direitos e impondo obrigações directamente aos cidadãos dos Estados-membros.

    1.2. As Directivas

    São actos através dos quais se procura conciliar a necessária unidade do direito comunitário com a manutenção das diversas peculiaridades nacionais. O seu principal objectivo traduz-se numa aproximação das diversas legislações, o que permite eliminar as contradições entre as disposições legislativas e administrativas dos Estados-membros.

    A directiva vincula o Estado-membro apenas quanto ao resultado a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios para obter um tal resultado.

    As disposições duma directiva não substituem automaticamente as do direito nacional; são os Estados-membros que se obrigam a transpôr para o direito nacional as normas comunitárias. O que implica a necessidade de um procedimento de criação do direito, dividido em duas fases: na primeira fase comunitária a directiva estabelece o objectivo proposto de forma obrigatória para os destinatários, que deverão realizá-lo num prazo determinado; na segunda fase fase nacional a realização do objectivo previsto no dispositivo comunitário compete ao direito nacional de cada um dos Estados-membros.

    Conquanto os Estados-membros tenham liberdade para escolher a forma e os meios de transposição, são obrigados a assegurar a conformidade desse acto com o direito comunitário, obedecendo aos critérios da ordem jurídica de que se trata.

  2. No plano nacional, o direito agro-alimentar é tecido por instrumentos cuja tipologia se enumera:

    De harmonia com a Constituição da República, no seu artigo 112, são actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.

    As leis e os decretos-leis têm, proclama-o o Texto Fundamental, igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.

    Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes.

    Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.

    A transposição de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a forma de lei, decreto-lei ou decreto-legislativo regional.

  3. No plano regional, avultam os decretos legislativos.

    Os decretos legislativos, de harmonia com o n.° 4 do artigo 112 da Constituição da República Portuguesa, tem âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da região autónoma de que se trata que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

    A matéria de que se cura neste particular a da segurança alimentar não cabe na reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República. Compulsando o artigo 164 do Texto Fundamental não se lobriga eventual alusão ao ponto específico.

    Outro tanto no que tange às matérias de reserva relativa a que provê o artigo subsequente.

    Se, porém, no que se refere à competência legislativa do Governo se perscrutar o que encerra o artigo 169, concluir-se-á que na fórmula residual que ali se consigna não há reserva de domínio.

    Em particular se se cotejar com o que se exprime no artigo 227 sob a epígrafe de "poderes das regiões autónomas" e o que em decorrência emerge do inerente estatuto político-administrativo.

    Com efeito, "regulamentar as leis emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar" é algo cabível nos poderes das regiões autónomas e na vertente situação.

II Diálogo das fontes
  1. A conformação do ordenamento jurídico da União Europeia no plano de que se trata , para além do recurso a directivas, cujo processo exige a transposição para a ordem interna dos Estados-membros mercê da aprovação, promulgação e publicação de instrumentos legais apropriados, a partir sobretudo do Regulamento (CE) n.° 178/2002, de 28 de Janeiro, que definiu os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios, passou a reger-se por Regulamentos.

  2. Os regulamentos na disciplina de que se revestem e que veiculam são de aplicação directa e imediata, dispensando a intermediação dos Estados-membros na arquitectura do ordenamento jurídico interno.

No entanto, conquanto os regulamentos prescrevam imperativamente regras que se opõem ao universo-alvo a que se dirigem, há ainda uma margem inalienável que se abre para intervenção ao legislador nacional.

Como exemplo típico de uma tal situação, realce-se o Regulamento (CE) 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, que rege no quadro da higiene dos géneros alimentícios.

O arsenal punitivo para as violações nele cominado é deixado ao livre alvedrio dos Estados-membros, já que não abdicam da soberania nesse segmento, quiçá relevante da ordenação das regras. No caso o instrumento complementar é o DL 113/206, de 12 de Junho, que define o quadro repressivo no plano do direito de mera ordenação social.

IV As exigências no capítulo da formação

O Regulamento (CE) 852/2004, de 29.Abr.07, estabelece imperativamente neste particular que para além de pressupostos outros no domínio da higiene, transversalmente considerado a formação assume relevante papel em ordem à consecução dos objectivos a que se visa.

A formação constitui o fundamento, o cabouco, o alicerce do sistema: a mudança de atitude radica em quem do prado ao prato cura dos aspectos e de todos os aspectos da higiene sobre que se edifica um qualquer sistema de segurança alimentar.

A titulação do manipulador de alimentos funda-se na instrução e / ou formação. Que há que dispensar a quantos ocupam funções, quaisquer que sejam, na cadeia alimentar seja qual for o elo de que se trate.

A formação será, por conseguinte, não um mero proforma, antes a base de uma CARTA DO MANIPULADOR, que há que institucionalizar.

O Regulamento CE 852/2004, de 29 de Abril de 2004, emanado do Parlamento Europeu e do Conselho, define os pontos estruturantes da formação que mister é dispensar aos manipuladores.

E no domínio de que se cura articula-se como segue um tal imperativo:

Da formação

Nele se define que os operadores das empresas do sector alimentar devem assegurar que:

1- O pessoal que manuseia os alimentos seja supervisado e disponha, em matéria de higiene dos géneros alimentícios, de instrução e/ou formação adequadas para o desempenho das suas funções.

2- Os responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção do processo referido no n.° 1 do artigo 5.° do presente regulamento ou pela aplicação das orientações pertinentes tenham recebido formação adequada na aplicação dos princípios HACCP.

3- Todos os requisitos da legislação nacional relacionados com programas de formação de pessoas que trabalhem em determinados sectores alimentares sejam respeitados.

Daí que importe destacar os aspectos neste passo imbricados.

Mas os pressupostos não se limitam à formação: estruturam-se ainda no estado de saúde do manipulador, que há que observar com adequada periodicidade...

A habilitação para o exercício de funções neste particular pressupõe um programa que verse sobre o...

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