Prefácio do Livro: Segurança Alimentar da autoria da Prof. Ângela Maria Marini Simão Portugal

AutorCláudia Lima Marques
CargoProfessora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Obra diferenciada no mercado editorial brasileiro é voltada não apenas para os juristas, envolvidos em casos de segurança alimentar, e que necessitam de dados técnicos e de parâmetros (standards) internacionais de qualidade e segurança para poderem preparar suas ações, mas também para os próprios interessados, consumidores e profissionais da área. Raras vezes temas tão técnicos foram tratados com tamanha clareza. A autora explica, não só a hermética terminologia científica da área da fabricação, elaboração, tratamento, armazenamento e embalagem dos alimentos, como também as práticas de produção e distribuição, de higiene e de processamento destes alimentos.

A obra da Professora Ângela Maria Marini Simão Portugal é, pois, uma grande contribuição ao nosso mercado editorial e , ao meu ver, inicia uma nova fase de nossas publicações em matéria de proteção dos consumidores. Fase esta, já consolidada na Europa e que só agora chega ao Brasil, em que obras de ciência-popular alcançam aos profissionais e aos juristas de um país as informações que necessitam para verdadeiramente entender e dominar os princípios e os parâmetros básicos de uma parte do mercado de consumo. E aos consumidores, diretamente, estas obras alertam para os riscos dos alimentos e de sua conservação, fornecendo instruções concretas de como evitar e minimizar estes riscos, de forma a prevenir danos às famílias.

A finalidade destas obras é tornar mais acessível os princípios de prevenção e antecipação de danos aos consumidores ao destacar quais são os parâmetros de segurança alimentar a serem seguidos. Assim, a autora com sua formação sólida e grande experiência na área de segurança alimentar contribui ao Direito do Consumidor no Brasil trazendo a todos nós esta obra que será muita utilidade na prática para a defesa efetiva dos consumidores em casos envolvendo vícios e defeitos dos produtos alimentícios e dos serviços envolvendo alimentos no país.

Sem o conhecimento técnico e a ampla cultura da Professora Ângela Maria Marini

Simão Portugal, para bem apresentar esta magnífica obra, resta-me recorrer a seara que mais domino, no caso, o Direito do Consumidor e como a obra está sendo agora lançada no Brasil, gostaria de destacar alguns de seus capítulos, os casos práticos e as normas brasileiras, do Código de Defesa do Consumidor, que podem ser usadas em matéria de segurança alimentar.

O primeiro capítulo é um dos mais importantes e básicos e vem dedicado à micro-biologia e à higiene alimentar, explicando como os microorganismos patogênicos e toxinogênicos (bactérias, bolores, fungos, vírus e parasitas) atuam sobre os alimentos. Ensina neste capítulo como evitar estes riscos, na conservação, no tratamento e na preparação destes alimentos, incluindo ai os perigos da companhia de animais domésticos, e esclarecendo a temperatura necessária de seu cozimento para evitar tais microorganismos.

Ainda neste capítulo 1, explica no ponto 2 a importância do Codex alimentarius da OMS, e seus princípios para a fabricação, higiene, transporte e armazenamento de alimentos. Trata então da aplicação na Europa deste Codex, também aceito pelo Brasil. No ponto 3, desenvolve importantes linhas para o auto-controle das empresas de produção de gêneros alimentícios e para o controle pelo Estado, destacando prática ainda pouco comum no Brasil, que são os código de boas práticas da indústria e das empresas em matéria de segurança alimentar, que encontrarão no Codex Alimentarius da OMS, excelente fonte de inspiração.

Efetivamente, pois este Código deontológico (Codex Alimentarius-OMS) nada mais é do que a cristalização dos parâmetros internacionalmente aceitos do dever de segurança para a indústria de alimentos e o comércio de alimentos. É aceito, pela própria OMC (Organização Mundial do Comércio) como costume internacional e seu cumprimento como parâmetro ou standard mínimo de segurança, como princípio geral do direito.

Note-se que o art. 7° do Código de Defesa do Consumidor é claro no sentido de incluir tais fontes de auto-regulamentação (soft law) como fontes de direitos dos consumidores, sempre que o magistrado ou advogado tiver de preencher os conceitos indeterminados ou expressões das cláusulas gerais das normas de proteção do consumidor. Explico.

O art. 7° do CDC prevê: "Art. 7.° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade." Assim, se estamos diante de um dano à integridade física ou psíquica aos consumidores (danos à saúde dos consumidores e suas famílias), por exemplo, por contaminação de salmonela (em ovos, bolos, maioneses etc.), um exemplo tratado neste capítulo com maestria pela a autora, a responsabilidade civil é objetiva e da cadeia de fornecedores (do fabricante, ao armazenador, ao comerciante e aquele que trabalhou com estes produtos alimentícios) de produtos e serviços.

É uma responsabilidade legal objetiva, isto é, independente de culpa, como impõe o art. 12 (responsabilidade em matéria de defeitos nos produtos), art. 13 (responsabilidade subsidiária do comerciante em matéria de produtos) e art. 14 (responsabilidade de todos os prestadores de serviços por defeitos que causam danos aos consumidores destes) do CDC1. Porém, em todos estes artigos necessita o advogado alegar que houve defeito no produto (ovos) ou na prestação de serviços (alimentos a base de ovos, por exemplo, servidos em festa)2. O art. 14, §3° do CDC afirma que a prova do defeito é imposta ao fornecedor3, mas mesmo assim ajudará muito se o advogado puder contar com os ensinamentos deste livro para demonstrar que o grau de segurança e qualidade (dever geral de segurança e deveres específicos dos profissionais da indústria de alimentos e deveres de boa-fé) exigido pelos parâmetros mundiais foi severamente violado pela atuação concreta neste caso.

Assim, as características deste livro, que é mundial, e as características de sua autora, que é de origem portuguesa e por isso mesmo utiliza terminologia internacional e exemplos europeus, passam a atuar ,no caso concreto de violação da segurança e da higiene alimentar, como qualificadores do parâmetro, e a valorizar em muito a utilidade desta obra. Em outras palavras, esta obra ajudará muito ao advogado do caso e ao magistrado ao esclarecer os parâmetros que deveriam ter sido seguidos, tanto no Brasil, como na Europa, no caso concreto que causou dano aos consumidores, afinal os consumidores brasileiros não são consumidores de "terceiro mundo", sua dignidade e os cuidados com sua segurança com sua saúde e de suas famílias deve ser o mesmo internacional!

O art. 7.° do CDC é, assim, uma interface permeável do CDC com o sistema geral do direito civil e com os parâmetros internacionais de segurança, magistralmente explicitados nesta nova obra da Professora Ângela Maria Marini Simão Portugal. Este artigo de nosso CDC é uma cláusula de abertura deste micro-sistema, que não deseja ser exaustivo. O mandamento constitucional de proteção do consumidor (art. 5.°, XXXII, da CF/1988) deve ser cumprido por todo o sistema do Direito Brasileiro, em diálogo de fontes (nacionais e internacionais, legais e deontológicas), e não somente através do Código de Defesa do Consumidor. Em outras palavras, o chamado "direito do consumidor" tem muitas fontes legislativas, tantas quantas assegurarem as leis ordinárias, os tratados, os princípios gerais e os costumes, inclusive estas magistralmente destacadas e trazidas à luz por esta obra única em nosso mercado editorial, que agora apresento.

Em resumo, sempre que uma outra lei, tratado, costume ou princípio geral do direito...

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