Lei n.º 46/2004, de 19 de Agosto de 2004

Lei n.º 46/2004 de 19 de Agosto Aprova o regime jurídico aplicável à realização de ensaios clínicos com medicamentos de uso humano A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte: CAPÍTULO I Disposições gerais Artigo 1.º Objecto e âmbito 1 - A presente lei transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2001/20/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Abril, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros respeitantes à aplicação de boas práticas clínicas na condução dos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano, e estabelece o regime jurídico da realização de ensaios clínicos em seres humanos com a utilização de medicamentos de uso humano.

2 - A presente lei não se aplica aos ensaios sem intervenção, os quais são objecto de regulamentação própria.

Artigo 2.º Definições Para efeitos do disposto nesta lei, entende-se por: a) 'Ensaio ou ensaio clínico' qualquer investigação conduzida no ser humano, destinada a descobrir ou verificar os efeitos clínicos, farmacológicos ou os outros efeitos farmacodinâmicos de um ou mais medicamentos experimentais, ou identificar os efeitos indesejáveis de um ou mais medicamentos experimentais, ou a analisar a absorção, a distribuição, o metabolismo e a eliminação de um ou mais medicamentos experimentais, a fim de apurar a respectiva segurança ou eficácia; b) 'Centro de ensaio' o local de realização de ensaio em estabelecimento de saúde, público ou privado, laboratório ou outra entidade dotada dos meios materiais e humanos adequados à realização de um ensaio clínico, situado no território nacional ou no território de qualquer Estado membro da União Europeia ou de um Estadoterceiro; c) 'Ensaio clínico multicêntrico' o ensaio clínico realizado de acordo com um único protocolo, em mais de um centro de ensaio e, consequentemente, por dois ou mais investigadores; d) 'Ensaio sem intervenção' o estudo no âmbito do qual os medicamentos são prescritos de acordo com as condições previstas na autorização de introdução no mercado desde que a inclusão do participante numa determinada estratégia terapêutica não seja previamente fixada por um protocolo de ensaio, mas dependa da prática corrente; a decisão de prescrever o medicamento esteja claramente dissociada da decisão de incluir ou não o participante no estudo; não seja aplicado aos participantes qualquer outro procedimento complementar de diagnóstico ou de avaliação, e sejam utilizados métodos epidemiológicos para analisar os dados recolhidos; e) 'Medicamento experimental' a forma farmacêutica de uma substância activa ou placebo, testada ou utilizada como referência num ensaio clínico, incluindo os medicamentos cuja introdução no mercado haja sido autorizada, mas sejam utilizados ou preparados, quanto à forma farmacêutica ou acondicionamento, de modo diverso da forma autorizada, ou sejam utilizados para uma indicação não autorizada ou destinados a obter mais informações sobre a forma autorizada; f) 'Boas práticas clínicas' o conjunto de requisitos de qualidade, em termos éticos e científicos, reconhecidos a nível internacional, que devem ser respeitados na concepção, na realização, no registo e na notificação dos ensaios clínicos que envolvam a participação de seres humanos, e cuja observância constitui uma garantia de protecção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes nos ensaios clínicos, bem como da credibilidade desses ensaios; g) 'Promotor' a pessoa, singular ou colectiva, instituto ou organismo responsável pela concepção, realização, gestão ou financiamento de um ensaio clínico; h) 'Monitor' o profissional, dotado da necessária competência científica ou clínica, designado pelo promotor para acompanhar o ensaio clínico e para o manter permanentemente informado, relatando a sua evolução e verificando as informações e dados coligidos; i) 'Investigador' um médico ou uma outra pessoa que exerça profissão reconhecida em Portugal para o exercício da actividade de investigação, devido às habilitações científicas e à experiência na prestação de cuidados a doentes que a mesma exija, que se responsabiliza pela realização do ensaio clínico no centro de ensaio e, sendo caso disso, pela equipa que executa o ensaio nesse centro; neste caso, pode ser designado investigador principal; j) 'Investigador-coordenador' o investigador responsável pela coordenação de todos os investigadores de todos os centros de ensaio nacionais que participam num ensaio clínico multicêntrico; l) 'Brochura do investigador' a compilação dos dados clínicos e não clínicos relativos ao(s) medicamento(s) experimental(ais) pertinentes para o estudo desse ou desses medicamentos no ser humano; m) 'Protocolo' o documento que descreve os objectivos, a concepção, a metodologia, os aspectos estatísticos e a organização de um ensaio, incluindo as versões sucessivas e as alterações daquele documento; n) 'Participante' a pessoa que participa no ensaio clínico quer como receptor do medicamento experimental quer para efeitos de controlo; o) 'Consentimento livre e esclarecido' a decisão, expressa mediante declaração obrigatoriamente reduzida a escrito, datada e assinada, de participar num ensaio clínico, tomada livremente por uma pessoa dotada de capacidade para dar o seu consentimento ou, na falta daquela capacidade, pelo seu representante legal, após ter sido devidamente informada sobre a natureza, o alcance, as consequências e os riscos do ensaio e ter recebido documentação adequada; excepcionalmente, se o declarante não estiver em condições de dar o seu consentimento por escrito, este pode ser dado oralmente, na presença de duas testemunhas; p) 'Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC)' o organismo independente constituído por profissionais de saúde e outros, incumbido de assegurar a protecção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes nos ensaios clínicos e de garantir a mesma junto do público, a quem compete, em regra, emitir o parecer único; q) 'Comissões de ética para a saúde (CES)' as entidades criadas pelo Decreto-Lei n.º 97/95, de 10 de Maio, às quais compete, sempre que solicitadas pela CEIC, emitir o parecer previsto na presente lei; r) 'Comissão de ética competente (CEC)' a comissão encarregue de emissão do parecer único previsto na presente lei, quer se trate da CEIC, quer se trate de uma CES designada pela CEIC para esse fim; s) 'Inspecção' a actividade que consiste no controlo oficial dos documentos, instalações, registos, sistemas de garantia de qualidade e quaisquer outros elementos que sejam pela autoridade competente considerados relacionados com o ensaio clínico, independentemente de se encontrarem no centro de ensaio, nas instalações do promotor ou do organismo de investigação contratado, ou em qualquer outro estabelecimento cuja inspecção seja considerada necessária; t) 'Acontecimento adverso' qualquer manifestação nociva registada num doente ou num participante tratado por um medicamento, independentemente da existência de relação causal com o tratamento; u) 'Reacção adversa' qualquer manifestação nociva e indesejada registada a um medicamento experimental num doente ou participante no decurso do ensaio clínico, independentemente da dose administrada; v) 'Acontecimento adverso grave ou reacção adversa grave' a manifestação que, independentemente da dose administrada, provoque a morte, ponha em perigo a vida do participante, requeira a hospitalização ou o prolongamento da hospitalização, resulte em deficiência ou incapacidade significativas ou duradouras ou se traduza em anomalia ou malformação congénitas ou que seja considerada clinicamente relevante pelo investigador; x) 'Reacção adversa inesperada' a reacção adversa cuja natureza ou gravidade não esteja de acordo com a informação existente relativa ao medicamento, nomeadamente na brochura do investigador, no caso de medicamento experimental não autorizado, ou no resumo das características do medicamento, no caso de um medicamentoautorizado.

Artigo 3.º Primado da pessoa 1 - Os ensaios são realizados no estrito respeito pelo princípio da dignidade da pessoa e dos seus direitos fundamentais.

2 - Os direitos dos participantes nos ensaios prevalecem sempre sobre os interesses da ciência e da sociedade.

Artigo 4.º Princípios de boas práticas clínicas 1 - Todos os ensaios, incluindo os estudos de biodisponibilidade e de bioequivalência, devem ser concebidos, realizados, registados e notificados de acordo com os princípios das boas práticas clínicas, aplicáveis à investigação em sereshumanos.

2 - Os princípios das boas práticas clínicas e as linhas directrizes pormenorizadas conformes com esses princípios são adoptados e, se necessário, revistos, de acordo com o progresso científico e técnico, por deliberação do conselho de administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, adiante designado por INFARMED.

CAPÍTULO II Direitos e deveres das partes no ensaio SECÇÃO I Dos participantes e sua protecção Artigo 5.º Avaliação de riscos e benefícios 1 - A realização de ensaios depende de avaliação prévia que conclua que os potenciais benefícios individuais para o participante no ensaio e para outros participantes, actuais ou futuros, superam os eventuais riscos e inconvenientes previsíveis.

2 - Compete ao conselho de administração do INFARMED deliberar sobre a avaliação e a conclusão referidas no número anterior, nos termos da presente lei.

3 - A decisão prevista no número anterior deve ser negativa, se os benefícios terapêuticos e para a saúde pública não justificarem os riscos.

4 - Durante a realização do ensaio, o respeito pelas condições estabelecidas no n.º 1 deverá ser objecto de supervisão permanente.

Artigo 6.º Condições mínimas de protecção dos participantes 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, um ensaio só pode realizar-se se, em relação ao participante no...

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