Acórdão n.° 256/2002 de 8 de julho de 2002 do tribunal constitucional

1-O Procurador-Geral da República veio requerer ao Tribunal Constitucional, nos ter-mos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 281.° da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes da parte final do n.° 1 e do n.° 2 do artigo 8.°, dos artigos 10.°, 11.°, dos n.°s 2 e 3 do artigo 16.°, da parte final da alínea b) do artigo 18.° e do n.° 1 do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 205/97, de 12 de Agosto (regulamenta o estatuto legal do Defensor do Contribuinte, criado pelo artigo 27.° do Decreto--Lei n.° 158/96, de 3 de Setembro-Lei Orgânica do Ministério das Finanças).

Como fundamento, o Procurador-Geral da República diz que se lhe afigura «que-ao regular no Decreto-Lei n.° 205/97 o Estatuto Jurídico do Defensor do Contribuinte-o legislador não terá tido em conta, por um lado, a circunstância de o órgão em causa ter natureza estritamente administrativa e fazer parte, afinal, da estrutura orgânica do Ministério das Finanças; e, por outro lado, tratar-se de diploma legal editado pelo Governo no exercício da sua competência legislativa própria, visando desenvolver o decreto-lei que contém a Lei Orgânica do Ministério das Finanças, acabando por invadir áreas inseridas no âmbito da competência legislativa da Assembleia da República».

Assim, sempre segundo o requerente, padecem do vício de inconstitucionalidade:

As normas constantes da parte final do n.° 1 e do n.° 2 do artigo 8.°, ao prescreverem a cessação do mandato do Defensor do Contribuinte «em caso de condenação pela prática de qualquer crime» e ao estabelecerem que «a pronúncia do Defensor do Contribuinte pela prática de qualquer crime suspende o exercício das suas funções», porquanto se trata de matéria respeitante ao direito penal (penas acessórias e efeitos das penas) e ao processo penal (medidas cautelares e de coacção), da competência legislativa reservada da Assembleia da República, nos termos do artigo 168.°, n.° 1, alínea c)-actual artigo 165.°, n.° 1, alínea c); o decreto-lei em causa não podia, portanto, alterar o regime constante, nomeadamente, do artigo 66.° do Código Penal e do artigo 199.° do Código de Processo Penal;

A norma constante do artigo 10.°, ao estabelecer, como «imunidades» do Defensor do Contribuinte, que este «não responde civil e criminalmente pelas recomendações ou pareceres que emita nem por quaisquer actos que pratique no âmbito das suas funções», pois que, versando em termos inovatórios sobre matéria inserida na competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 22.° e 165.°, n.° 1, alíneas c) e s), da Constituição (na sua versão actual), não pode constar de decreto-lei não autorizado;

A norma constante do artigo 11.°, ao criar um regime específico de «incompatibilidades» para o Defensor do Contribuinte, que deve ser considerado como um titular de um «alto cargo público», já que se está perante «o membro em regime de permanência e a tempo inteiro de entidade pública independente prevista na lei», equiparado, aliás, a director-geral (artigo 14.° do mesmo Decreto-Lei); assim, em seu entender, está abrangido pelo regime de incompatibilidades definido pela Lei n.° 64/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 396/94, de 27 de Dezembro, e pela Lei n.° 12/96, de 18 de Abril. Não é possível, portanto, que uma norma constante de decreto-lei não parlamentarmente credenciado inove nesta matéria;

A norma constante do n.° 3 do artigo 16.°, ao prescrever que o «incumprimento do dever de colaboração constitui desobediência qualificada, com as inerentes consequências penais e disciplinares para os infractores», já que a definição dos tipos criminais é matéria situada no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da República;

As normas constantes do n.° 2 do artigo 16.° e da parte final da alínea b) do artigo 18.°, ao estabelecerem que não é oponível ao Defensor do Contribuinte nem aos respectivos serviços o sigilo fiscal e que o Defensor do Contribuinte pode proceder a diligências relacionadas com factos, documentos e informações protegidos pelo sigilo fiscal, porquanto tal matéria, relacionada com os direitos fundamentais e as garantias dos contribuintes, se situa no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República;

A norma constante do artigo 34.°, n.° 1, ao preceituar que, «salvo quanto ao exercício das suas competências no âmbito da gestão do seu pessoal de apoio, os actos praticados pelo

Defensor do Contribuinte no exercício dos seus poderes são insusceptíveis de recurso contencioso». Por um lado, porque tal norma contraria a garantia da tutela jurisdicional efectiva constante do n.° 4 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, não podendo ser excluída do seu âmbito, por exemplo, a hipótese de o Defensor do Contribuinte extravasar os seus poderes legais e praticar um acto susceptível de lesar um direito ou interesse legalmente protegido, por outro lado, porque a admissibilidade de recurso contencioso dos actos e decisões do Defensor do Contribuinte há-de resultar do regime constitucional e legal em vigor, não sendo admissível que um decreto-lei, não credenciado por autorização parlamentar, a defina.

2-Notificado para responder, o Primeiro-Ministro veio sustentar a não inconstituciona-lidade de qualquer das normas impugnadas pelo requerente, apresentando, em síntese, os seguintes fundamentos:

O Defensor do Contribuinte é um dos órgãos de apoio do Ministro das Finanças. Cabe-lhe zelar pelo respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos contribuintes, devendo, para tanto, formular sugestões, propostas e recomendações à administração fiscal (artigos 6.° e 27.° do Decreto-Lei n.° 158/96, de 3 de Setembro-Lei Orgânica do Ministério das Finanças);

As normas constantes da parte final do n.° 1 e do n.° 2 do artigo 8.°, ao determinarem a cessação do mandato do Defensor do Contribuinte «em caso da condenação pela prática de qualquer crime» e que «a pronúncia do Defensor do Contribuinte pela prática de qualquer crime suspende o exercício das suas funções», não criam nenhuma pena acessória nem dispõem sobre efeitos das penas, limitando-se a regular a duração e a suspensão do referido mandato, em termos, aliás, plenamente justificados. Ora, se o Governo tem competência para fixar os critérios de nomeação, há-de tê-la igualmente para definir os que presidem à respectiva cessação;

A norma constante do artigo 10.° é puramente tautológica, destinando-se apenas a realçar, por um lado, a independência do Defensor do Contribuinte na formulação dos seus juízos e, por outro, o carácter interno e de parecer dos respectivos actos. Com efeito, esta norma tem de ser interpretada tendo em conta a natureza, as atribuições e a competência do Defensor do Contribuinte, onde não cabe «revogar, modificar, substituir, anular e declarar a nulidade ou a inexistência de quaisquer actos tributários ou actos internos da administração tributária».

Traduzindo-se, apenas, em recomendações ou pareceres não vinculativos dirigidos à Administração Pública, não podem os seus actos provocar a lesão de direitos, não fazendo assim sentido falar em responsabilidade civil ou criminal deles decorrente;

A norma do artigo 11.° apenas veio alargar o elenco das incompatibilidades constante da Lei n.° 64/93, com as alterações resultantes da Lei n.° 39-B/94 e da Lei n.° 12/96, v. g., ao exercício...

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