Acórdão n.° 177/2002 de 2 de julho de 2002 do tribunal constitucional

1-Nos termos do disposto no artigo 82.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, o procurador-geral-adjunto no Tribunal Constitucional veio requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da «norma constante do artigo 824.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante, cujo valor não seja superior ao do salário mínimo nacional então em vigor».

Invocou, para o efeito, ter sido a mesma norma julgada inconstitucional «por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito, que resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.°, 59.°, n.° 2, alínea a), e 63.°, n.°s 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa», pelo Acórdão n.° 318/99 (Diário da República, 2.ª série, de 22 de Outubro de 1999), e pelas decisões sumárias n.°s 120/01 e 165/01.

2-Notificado para o efeito, nos termos previstos nos artigos 54.° e 55.°, n.° 3, da Lei n.° 28/82, o Primeiro-Ministro veio apresentar a sua resposta, pronunciando-se no sentido da não inconstitucionalidade.

Em síntese, o Primeiro-Ministro sustenta que, para a Constituição, o salário mínimo representa a garantia de uma «retribuição mínima pelo trabalho desenvolvido», imposta pelo princípio da justiça, não tendo natureza de «prestação de carácter assistencialista» nem reflectindo um critério de «garantia do rendimento mínimo, adequado e necessário a uma existência condigna»; a querer encontrar um critério de aferição desse mínimo, seria mais adequado recorrer aos que são utilizados no domínio dos regimes de segurança social ou para a fixação do rendimento mínimo garantido.

Para além disso, o julgamento de inconstitucionalidade importaria a adopção de um cri-tério de protecção do executado desnecessariamente rígido e inflexível, uma vez que os n.°s 2 e 3 do artigo 824.° do Código de Processo Civil prevêem que o tribunal tome em conta as suas condições económicas ao fixar a extensão em que os rendimentos em causa podem ser objecto de penhora, permitindo mesmo isentá-los se tal for necessário para garantir a «salvaguarda dos meios de subsistência adequados e necessários a uma vida condigna do executado».

Finalmente, esse julgamento tornaria impenhoráveis, independentemente das circunstâncias do caso, os rendimentos abrangidos. Essa impenhorabilidade poderia, por um lado, ser injustificadamente prejudicial aos interesses do exequente, como sucederia na hipótese de o executado receber duas prestações diferentes, de entre as previstas na alínea b) do n.° 1 do artigo 824.°, mas ambas de valor não superior ao salário mínimo nacional; e poderia, por outro, prejudicar o próprio executado, como aconteceria se ele tivesse outros bens penhoráveis, já que esses bens seriam necessariamente atingidos pela penhora ainda que o executado preferisse que ela incidisse sobre a prestação isenta.

Assim, o Primeiro-Ministro, observando que a circunstância de uma norma ter sido julgada anteriormente inconstitucional em três casos diferentes não implica a automática declaração da sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, concluiu no sentido de que o Tribunal Constitucional não deve declarar a inconstitucionalidade da norma objecto deste processo.

Nos termos do disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 63.° da Lei n.° 28/82, foi apresentado, discutido e aprovado por maioria, em plenário, o memorando do Presidente do Tribunal.

Cumpre agora decidir.

3-O artigo 824.° do Código de Processo Civil tem a seguinte redacção, resultante do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 180/96, de 25 de Setembro:

Artigo 824.°

Bens parcialmente penhoráveis

1-Não podem ser penhorados:

a) Dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado;

b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante.

2-A parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixada pelo juiz entre um terço e um sexto, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.

3-Pode o juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o n.° 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar.

Ao incorporar o texto constante do Decreto-Lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro, para o artigo 824.°, acrescentando-lhe, porém, no n.° 3, a possibilidade de a isenção de penhora abranger não apenas «as prestações a que alude a alínea b) do n.° 1», mas também os vencimentos e salários referidos na alínea a) do n.° 1, o Decreto-Lei n.° 180/96 veio manter a regra da impenhorabilidade parcial de certos rendimentos do executado (vencimentos, salários, certas prestações sociais ou indemnizações).

Conservou, assim, no essencial, o regime que José Alberto dos Reis explicava que, embora não fosse o «mais humano e equitativo», como seria «o que subtrai inteiramente à penhora os pequenos vencimentos e salários, isto é, as quantias destinadas a assegurar o mínimo de subsistência» (Processo de Execução, 1.°, 2.ª ed., reimp., Coimbra, 1982, pp. 384 e 391), se destinava, naturalmente, a permitir a subsistência do executado e do seu agregado familiar.

Os vencimentos, salários e outras prestações ali referidas continuam, pois, a ser penhoráveis em um terço do seu montante (n.° 1 do artigo 824.°), cabendo ao juiz definir, caso a caso, qual o valor efectivamente penhorado, entre um terço e um sexto. Para o efeito, há-de ponderar as «condições económicas do executado» e «a natureza da dívida exequenda» (n.° 2 do artigo 824.°), não definindo a lei actual, diferentemente do que fazia o n.° 4 do anterior artigo 823.°, quais as dívidas que devem ser consideradas para tal ponderação.

É, todavia, possível, agora, que o tribunal, atendendo também à «natureza da dívida exequenda» e às «necessidades do executado e seu agregado familiar», isente totalmente da penhora a parte dos vencimentos, salários e prestações que, de acordo com as regras referidas, é penhorável, como consta do n.° 3. Note-se, aliás, que o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 329-A/95, ao referir esta possibilidade de isenção total de penhora, a relaciona com a jurisprudência constitucional (Acórdãos n.°s 349/91 e 411/93), que se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma do n.° 4 do artigo 45.° da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, que previa a impenhorabilidade das pensões de segurança social, sem tomar em conta o montante dos rendimentos recebidos, e com a consequente necessidade de proibir a invocação, em processo civil, de disposições especiais que estabelecessem «a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu montante» (artigo 12.° do mesmo decreto-lei).

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